O mais recente livro do consultor de comunicação Luís Paixão Martins, “Como mentem as sondagens”, afirma taxativamente que elas são enganadoras, apontando o dedo a técnicos de sondagens e jornalistas.
“Não é pelo facto de ter números que as sondagens não enganam, é mentira, os números enganam da mesma maneira que as outras coisas todas”, diz, em entrevista à agência Lusa.
Paixão Martins – que explana o seu ponto de vista em seis capítulos, um para cada “mentira” ou erro, desde as amostras, aos indecisos e à mediatização – faz a diferença entre estudos de opinião e sondagens eleitorais, defendendo que estas não foram feitas para prever resultados, mas que todavia é esse o ângulo pelo qual são divulgadas.
“Os jornalistas têm o fetiche de pensar que podem anunciar previamente quem vai ganhar as eleições”, diz Luís Paixão Martins, esclarecendo que esse ‘anúncio’ radica frequentemente no facto dos técnicos de sondagens fazerem uma “errónea” distribuição dos chamados indecisos.
No livro, dedica todo um capítulo à “mediatização” das sondagens – “A abstenção do jornalismo”, segundo titula – onde considera que o problema central das sondagens divulgadas pelos media é a simplificação, que os leva a “lançar” os dados das sondagens com total “imprudência” e mesmo arrogância.
O conhecido consultor de comunicação, responsável pelas campanhas eleitorais que resultaram em três maiorias absolutas em Portugal – Cavaco Silva nas presidenciais, José Sócrates e António Costa (PS) nas legislativas – investe também quanto à técnica de “transformar indecisos em votantes” e que explica pormenorizadamente no livro.
Esta técnica socorre-se do que afirma ser um “trabalho científico” embora subjetivo, “de procurar um certo número de atributos dos indecisos e, em função deles, distribuir, antecipando, como as pessoas votam”.
Luís Paixão Martins diz-se “ferozmente” contra isto, manifestando-se pela chamada “distribuição proporcional” dos indecisos que, na prática, não é uma distribuição, mas uma “facilitação” da leitura da sondagem.
Essa distribuição consiste em extrapolar para 100% a percentagem de intenções de votos expressas, repartindo os indecisos na exata proporção dessas intenções.
Ou seja, “se temos 10% de indecisos e o partido A tem 20% de intenções de voto, com a distribuição de indecisos passa a ter 22%”, escreve o autor, acrescentando que é o único método que conhece em que não se introduz a subjetividade da avaliação pela equipa do inquérito.
Para um consultor de comunicação, como ele próprio, a pretensa “antecipação” dos resultados eleitorais no decurso de uma campanha transforma a sondagem de “peça científica de campanha” em “peça de comunicação”.
“Numa campanha, a partir do momento em que a sondagem é divulgada, ela, objetivamente, deixa de ter valor científico como indicador. Como os eleitores vão reagir em função daqueles dados, horas, ou um dia depois, se fosse feita uma outra sondagem com as mesmas pessoas, elas iriam dizer algo diferente do que disseram antes”, explica.
Paixão Martins exemplifica com o caso recente da Madeira, em que várias sondagens reiteraram a previsão da maioria absoluta da coligação PSD/CDS o que, segundo ele, poderá eventualmente ter sido a causa da perda da maioria.
Consequência da divulgação das sondagens
“Ou seja, a consequência da divulgação das sondagens leva o eleitor a pensar que se determinado partido vai ter maioria absoluta, ele não precisa de exercer voto útil, ou mesmo de votar, o que provoca abstenção e impede o voto útil, ao estilo ‘se vão ganhar para quê que vou votar naquele partido”, afirma.
“É um voto mais livre, liberta a responsabilidade de ter maioria absoluta”, defende.
O mesmo aconteceu nas eleições legislativas, em 2022, que deram a maioria absoluta ao PS, em que se verificou que um elevado número de eleitores decidiu votar nos últimos dias da campanha.
Segundo Luís Paixão Martins, a ideia de que havia um empate técnico entre o PS e o PSD favoreceu a concentração de votos no PS.
“Para mim, é evidente que os eleitores nos últimos dias não se decidiram apenas por causa do conhecimento das sondagens, mas o seu conhecimento e a dramatização que daí resultou proporcionaram o fortalecimento de voto útil”, afirma.
Segundo Paixão Martins, foi a sua reflexão sobre o papel das sondagens que o levou a escrever o livro, cujo objetivo “é fazer com que as pessoas percebam o que estão a ver quando veem uma sondagem”.
“O pontapé de saída foi o facto de na altura se invocar sondagens a três anos das eleições, como potencial motivo para haver dissolução da Assembleia da República e convocarem-se eleições antecipadas, o que me parece ainda mais extraordinário. No fundo, foi para explicar às pessoas que as sondagens para isso não servem”, comenta.
Para o consultor de comunicação, não é possível hoje tomar uma decisão a partir de uma sondagem que diga, por exemplo, que se houver eleições muda a família política, ou a relação entre os partidos: “Falta fazer a campanha, falta tudo, não é possível sequer prever a dois meses das eleições quem as vai ganhar”.
E conclui: “Nas eleições de janeiro de 2022, a uma semana das eleições, havia quatro sondagens que antecipavam o resultado eleitoral, o que poderia levar a pensar que, por serem quatro, estavam certas. Havia uma diversidade de fontes, mas não de opinião. Afinal, todas erraram, o facto de termos mais não quer dizer que tenhamos melhor.”
Lusa