Lembro-me de ser miúda e de, na minha inocência, perguntar à minha mãe porque é que havia o Dia da Mulher e não havia o Dia do Homem, eu achava injusto. Continuo a pensar da mesma forma, apesar de hoje me deparar todos os dias com essa desigualdade.
Sempre fui muito independente, e esta independência ainda é, de alguma forma, algo muito recente para nós mulheres. Ao longo do meu crescimento ouvi, várias vezes, que pensava muito como um homem, algo que interpretava de forma negativa e que me fez ter medo de mostrar como realmente sou, um lugar que acho comum entre muitas de nós. Ouvi várias vezes a frase “não podes agir da mesma forma, porque és mulher”. A minha forma descomplicada de ver a vida contribuiu para esta perceção, porque a celebre frase de que as mulheres são complicadas ainda é algo muito presente no nosso dia-a-dia.
Talvez também tenha contribuído para este rótulo, o facto de ter discussões acesas com amigos que podemos intitular de machos alfa, que muitas vezes se gabam da quantidade de mulheres com que têm casos, e que rapidamente dizem que se uma mulher fizer o mesmo, já não é para casar. Também já ouvi várias vezes que se uma mulher bonita está solteira, é porque tem algum problema, no entanto um homem continua a ser visto como alguém que está a aproveitar a vida. Também já ouvi que no futebol feminino andam ali a brincar, porque são mulheres e não se pode comparar.
Nós mulheres não queremos esta competição com os homens, mas ainda continuamos a olhar umas para as outras como se estivéssemos a competir, continuamo-nos a comparar às ex do nosso atual namorado, como se estivéssemos a disputar algo. Uma vez fui traída num relacionamento e a pergunta que me faziam era “quem é a outra?” ou “ela também não é comparável a ti”, e também a “ela” é que a intitulavam com um nome menos agradável, como se fosse a única culpada do sucedido.
Nós mulheres ainda não percebemos que o problema não é entre nós. Nós mulheres ainda somos muito estereotipadas pelo tipo de corpo que temos. Espero que, com a sorte que tenho em ter voz através da minha marca Marma Swim, contribua para desmistificar esta ideia de que todas deveríamos ter o mesmo tipo de corpo. Nós mulheres ainda temos de desbravar muito caminho para que possamos dizer e fazer o mesmo que os homens e sermos aceites da mesma forma. Porque para um homem continua a ser aceitável não ter filhos, mas uma mulher assumir que não quer ser mãe ainda não é bem visto. Eu ainda tenho medo de engravidar e de perder oportunidades profissionais. E quantas de nós é que não têm receio de ser mães com medo de perderem o trabalho? Os homens não são obrigados a escolher entre a carreira e o trabalho, mas nós continuamos a ser. Se um homem se divorcia de uma mulher, ainda existe a acusação de que ela é que fez algo de errado. Eu agradeço às mulheres da minha família que se divorciaram e não continuaram em relacionamentos nos quais já não cabiam.
Durante o mês de dezembro estive em São Tomé e Príncipe a fazer voluntariado e confesso que a desigualdade de género foi uma das coisas que mais mexeu comigo. Perceber que as raparigas são desde crianças tratadas e educadas de forma diferente dos rapazes fez-me muita confusão. Enquanto eles podem, desde miúdos, andar na rua e não têm de dar justificações, elas têm de trabalhar. Elas só podem ter um marido, têm de cuidar dos filhos e têm obrigação de aceitar as várias mulheres que os companheiros têm. Recordo-me de um jantar que tivemos, em que nós, as portuguesas, estávamos sentadas à mesa com os homens são tomenses e elas estavam a cozinhar para nós. Era impensável sentarem-se connosco. Perguntaram-me, várias vezes, onde estava o meu marido e como é que era possível estar ali sozinha, sem ele. Ainda com estas diferenças todas que vivo no meu dia-a-dia, pensei que sorte que tenho em puder fazer o que me apetece e não ter de pedir autorização a um homem, como é o caso delas.
Tenho medo de poucas coisas, mas pensar que há muitos lugares no mundo onde ser mulher é não se ter voz, não se ter o direito de escolher o que se quer para a própria vida, apavora-me. Cresci a querer ser independente, e mesmo em criança, quando me imaginava adulta, era a construir a minha carreira, que dependeria só de mim, e a dizer e a fazer aquilo que eu quisesse. Faço-o, mas ainda nem tudo é livre de julgamento, por ser mulher. Acredito que chegará o dia em que a nossa opinião e as nossas ações não serão rotuladas por sermos mulheres ou homens. Ainda assim, ter voz e saber que a posso usar como eu quero, quer seja na minha profissão ou não, é a maior liberdade que posso sentir.