A fileira da construção civil e obras públicas vive ainda as consequências da última grande crise financeira que gerou um mercado fragilizado, com poucas encomendas e deterioração da capacidade das empresas, ao mesmo tempo que enfrenta os desafios da transformação digital e da sustentabilidade. A conclusão é de Pedro Siza Vieira, ex-ministro da Economia, e António Ramalho, ex-CEO do Novo Banco, António Ramalho, os principais intervenientes do mais recente webinar da APPC – Associação Portuguesa de Projetistas e Consultores.
O ex-ministro Pedro Siza Vieira recorda que “tivemos uma crise muito significativa no setor financeiro que teve um impacto muito grande no investimento em infraestruturas e no imobiliário no nosso país”.
Em resposta, António Ramalho salienta que “o próprio mercado das obras públicas já está muito infraestruturado, nós temos muito boas vias terrestres, muito boas vias de comunicação e um plano de telecomunicações bastante avançado, mas relembra que “a transição energética e o paradigma da digitalização implicarão novas e diferentes oportunidades”.
Num setor com significativos desafios de transformação, exportação de talento e cultura do valor mais baixo, é necessário reforçar a capacidade das empresas em ganhar escala para investir em talento e tecnologia, foi uma das mensagens deixadas.
Mas para além do próprio esforço das empresas e da necessidade de consolidação no setor, sublinhada por ambos os oradores, o Estado também tem de alterar a sua abordagem ao modo como adquire serviços, entende a APPC.
Esta associação considera que a administração pública pode programar e calendarizar os investimentos públicos, para que as empresas possam fazer os investimentos necessários com tempo, e deve também mudar o modo como avalia propostas e gere projetos.
A dificuldade do Estado em fazer a programação é uma realidade que se faz sentir, tal como assinalou António Ramalho: “O ator público tem muita pressão temporal sobre o projeto e pouca pressão temporal sobre a execução. Só executamos depressa, e aí somos brilhantes, no último ano do fundo comunitário”.
Quanto a Pedro Siza Vieira, também identifica esta problemática, assinalando que “a falta de planeamento tem muito a ver com a própria programação financeira do Estado, isto é, o Estado é capaz de fazer um plano de investimento em infraestruturas, mas de facto não há capacidade de fazer a programação financeira desse projeto. Muito daquilo que está planeado são necessidades, intenções identificadas ou reivindicações regionais, mas o Estado não tem capacidade de investimento”.
Num momento de mercado em que a tendência pela procura destes serviços aumenta – com o PRR e o PT2030 – e no qual se antecipa que a capacidade instalada venha a ser insuficiente, são diversos os desafios que os intervenientes da fileira da construção, nomeadamente as empresas de projeto, enfrentam. “Neste sentido, os processos mais digitais e mais colaborativos em toda a cadeia de valor vão implicar uma profunda mudança no método de trabalho dos diferentes players do setor”, segundo os projetistas.
“O cliente público deve estar preparado para remunerar melhor os serviços de projeto e engenharia, que em Portugal representam menos de 2% do valor total de um empreendimento, mas que ao serem mal-executados podem gerar significativos sobrecustos e atrasos”, afirma a APPC.
O facto de não se considerar a experiência das empresas na maior parte dos concursos públicos de projeto e fiscalização e de não se levar a cabo a valorização dos custos de uma infraestrutura ao longo do seu ciclo de vida, foram alguns dos demais temas discutidos.
Para o presidente da APPC, “o planeamento em Portugal é muito fraco, eu nunca vi um cronograma financeiro das obras públicas do Estado para um período de 5 anos e se calhar isso também faz falta para conseguirmos gerir a longo prazo as nossas empresas”. Jorge Nandin de Carvalho acrescenta que “realmente são esperados desafios nos próximos anos e precisamos de ter a capacidade total do setor à disposição”.
A APPC terá o seu primeiro congresso, presidido por Pedro Siza Vieira, no dia 21 de novembro na sala Almada Negreiros, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, e que tem como tema principal ‘Arquitetura e Engenharia: Um setor em mudança acelerada’.