O setor português do cinema e do audiovisual tem “deficiências estruturais”, é “frágil em toda a cadeia de valor” e geograficamente desigual, concluiu a consultora inglesa Olsberg SPI, que, a pedido do Governo, propõe uma “estratégia nacional holística”.
As conclusões e recomendações da consultora inglesa constam de um relatório agora tornado público na página do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), mas que data de 09 de março de 2022.
A consultora britânica Olsberg SPI foi contratada no outono de 2020 para elaborar um novo plano estratégico para o cinema e audiovisual, para o período 2021-2025, porque a vigência do anterior tinha terminado em 2018.
O estudo foi pedido numa altura em que a tutela da Cultura era liderada por Graça Fonseca, enquanto ministra, e por Nuno Artur Silva, enquanto secretário e Estado do Cinema, Audiovisual e Media.
Três anos depois de anunciada a contratação da consultora, o ICA divulga o relatório que propõe uma “estratégia nacional holística” para o setor.
Segundo a consultora, “nos últimos anos, Portugal tem estado no ‘top’ 10 dos mercados audiovisuais que mais rapidamente crescem na Europa”, no entanto apresenta “deficiências estruturais”, como uma quota de mercado “notavelmente baixa” de cinema português, uma grande dependência de financiamento do ICA e dificuldades de acesso a financiamento privado.
“Muitas das áreas de foco estratégico para o ICA permanecem inalteradas desde 2013. […] O ICA precisa de estar ciente de que pode não ser possível avançar plenamente com alguns elementos da sua estratégia até 2025”, alerta a consultora.
No diagnóstico traçado, a consultora inglesa diz que “a oferta de distribuição e de exibição é desigual ao longo do país, o que dificulta ainda mais o desenvolvimento da relação entre as audiências e o cinema nacional”.
“No geral, a produção de filmes nacionais está a aumentar, mas não gera fortes números de entradas nem valor de bilheteira”, constatou.
A consultora diz ainda que é preciso apostar na internacionalização ainda que o cinema português tenha “um sucesso limitado no mercado europeu” e haja “falta de evidências que demonstrem um sucesso significativo em outros mercados globais”.
Entre as recomendações deixadas para um próximo plano estratégico, a Olsberg SPI sugere que seja reforçada a área de educação em torno do cinema português e o apoio à escrita e ao desenvolvimento de argumentos, tanto para cinema como para televisão.
A consultora defende ainda que o financiamento deve estar mais equilibrado entre os segmentos do cinema e do audiovisual e que o incentivo à produção deve ser alargado a “todos os tipos de produtos, com maior foco nos fluxos e resultados do financiamento comercial e artístico de autor”.
É apontado ainda que “há vias de crescimento que não foram exploradas” e que, “em Portugal, o tipo de produções apoiadas permanece numa gama estreita e dominada por projetos artísticos de autor que se destinam principalmente ao público dos festivais”.
“A falta de diversificação da produção inibiu significativamente o crescimento e a popularidade entre as audiências para o cinema português com poucas mudanças nos últimos trinta anos”, lê-se no documento.
Outra das propostas é a revisão do sistema de júri de financiamento e, em alternativa, definir “um novo sistema de financiamento com base em gestores de fundos individuais”.
Reforçar o apoio à exibição regional e ao desenvolvimento de audiências, incluindo, por exemplo, cinemas ‘pop-up’, ou seja, temporários ou móveis, é outra das medidas sugeridas.
Em 2020, o anúncio da contratação de uma consultora inglesa foi recebido com alguma polémica pelo setor, com a Plataforma do Cinema, que representa cerca de uma dezena de associações, festivais e dois sindicatos a pedir a demissão de Nuno Artur Silva e da direção do ICA, por considerar que o recurso a uma empresa estrangeira era “por si só a passagem de um atestado de menoridade política infligida pela tutela a si mesma e ao setor que regula”.
Outras associações ouvidas na altura pela agência Lusa, entre as quais a Associação Portuguesa de Argumentistas e Dramaturgos (APAD) e a Associação Portuguesa de Realizadores e Argumentistas de Ficção (APRAF), não se opuseram à contratação de uma consultora internacional, dizendo que a Olsberg SPI já tinha feito este tipo de relatórios para outros países.
Atualmente, o Ministério da Cultura é tutelado por Pedro Adão e Silva e já não existe a secretaria de Estado do Cinema, Audiovisual e Media. O Instituto do Cinema e do Audiovisual é liderado por Luís Chaby Vaz.
Lusa