Olivier Laureau é presidente da multinacional de origem francesa Servier, grupo para o qual entrou em 1982. Está como presidente do grupo desde 2014 e veio a Portugal recentemente visitar a filial nacional. O presidente disse, em entrevista à Forbes Portugal, que a “Servier Portugal pode ser menor em termos de dimensão do país e volume de mercado, mas, dentro da rede de filiais está entre as 15 primeiras, superando até mesmo alguns países maiores com um impacto e contribuição significativos para o valor global da empresa”. A empresa está presente em Portugal há 60 anos, sendo que o seu medicamento mais conhecido é o Daflon.
“A Servier Portugal tem uma reputação de inovação e excelência dentro do Grupo Servier, frequentemente servindo como piloto para novos programas e iniciativas”, diz Olivier Laureau.
Sediada em França, a Servier desenvolve atividade em cerca de 150 mercados e registou, em 2023, um volume de negócios de 5,3 mil milhões de euros: Conta, globalmente com uma equipa de 21.900 colaboradores. Pretende alcançar, em pouco anos, a barreira dos 8 mil milhões de euros de faturação, e um EBIDTA superior a 30%, com o objetivo de reinvestir os lucros. A Servier é gerida por uma fundação sem fins lucrativos e os seus lucros são reinvestidos em investigação e Desenvolvimento (I&D), o que a torna única no setor farmacêutico.
A Servier é administrada por uma fundação sem fins lucrativos. Qual foi a visão inicial que sustenta esta decisão e quais as vantagens que gera para o negócio ou para o mercado?
O nosso modelo de governance é único no meio farmacêutico. Este posicionamento, bem-adaptado ao ciclo de desenvolvimento de medicamentos (em média, entre 10 e 12 anos), dá-nos uma visão de longo prazo, bem como a capacidade de reinvestir todos os nossos lucros no desenvolvimento do grupo, principalmente em I&D para desenvolver terapêuticas inovadoras para os doentes. É um estatuto que nos torna independentes de acionistas ou de mercados financeiros, onde há uma forte necessidade de retorno imediato sobre o investimento. Desta forma, o doente é o beneficiário final das nossas ações, o que acrescenta mais sentido às nossas missões.
Qual é a sua principal estratégia de desenvolvimento global? Novos produtos, novas áreas, novos mercados?
O portfólio da Servier tem evoluído, refletindo o foco estratégico da empresa em solucionar necessidades médicas não satisfeitas, especialmente na área da oncologia. Embora a Servier tenha um forte legado na área cardiovascular, classificando-se como a quinta maior empresa farmacêutica do mundo em cardiologia e a segunda na hipertensão, o grupo expandiu, desde 2017, o seu negócio na oncologia. Hoje, já temos sete medicamentos disponíveis no nosso portfolio para cancros de difícil tratamento, o que permite aos doentes beneficiar de novas opções de tratamento nesta área. A Servier alocou recursos significativos na área da oncologia, que agora representa mais de 70% do investimento mundial de I&D da empresa.
“As vendas na oncologia permitiram alcançar uma receita de 1.075 milhões de euros nessa área, superando a meta estabelecida para 2025”
Atualmente, a área cardiometabólica e de doença venosa representa 52,8% das vendas consolidadas. A Servier está muito envolvida no desenvolvimento de inovações incrementais (ex: associações de moléculas em comprimido único) e em serviços digitais inovadores que visam melhorar o diagnóstico, o conhecimento de doenças crónicas e a adesão terapêutica. O grupo pretende alcançar uma faturação igual ou superior a 3 mil milhões de euros em 2030 nessa área, contando com uma experiência reconhecida, uma forte capacidade de inovação incremental e uma extensa presença internacional.
É importante destacar que as vendas na área da oncologia aumentaram significativamente, representando 20,2% das vendas consolidadas em 2022/2023, em comparação com 17,4% em 2021/2022. Essa performance nas vendas na oncologia permitiram alcançar uma receita de 1.075 milhões de euros nessa área, superando a meta estabelecida para 2025.
Qual é o papel ou a importância do mercado português nessa estratégia?
Alinhada com a ambição do Grupo para 2030, a filial portuguesa tem um foco dedicado para alcançar o objetivo de ser um parceiro inovador no mercado de oncologia, ao mesmo tempo que procura reforçar a sua liderança no mercado cardiovascular com tratamentos para a hipertensão e dislipidemia, assim como reforçar a liderança no tratamento da doença venosa.
Nesse sentido, uma das nossas principais prioridades em Portugal é investir em projetos de adesão, como a Missão 70/26, um projeto em parceria com a Sociedade Portuguesa de Hipertensão (SPH), que tem como objetivo, até 2026, alcançar uma taxa de controlo da pressão arterial de, pelo menos, 70% dos doentes hipertensos vigiados pelos cuidados de saúde primários.
Qual é a sua avaliação dos 60 anos de presença em Portugal? Qual é a importância do nosso país nos negócios do grupo?
O início da atividade do Grupo Servier em Portugal remonta a 1964, quando a empresa tinha apenas 10 anos de existência. Ter uma presença global foi fundamental para o nosso grupo desde o início.
A Servier Portugal pode ser menor em termos de dimensão do país e volume de mercado, mas, dentro da rede de filiais da Servier, está entre as 15 primeiras, superando até mesmo alguns países maiores com um impacto e contribuição significativos para o valor global da empresa. A Servier Portugal tem uma boa penetração de mercado, tratando mais de 600 mil doentes por mês e estando no top 10 da indústria farmacêutica no nosso país.
O início da atividade do Grupo Servier em Portugal remonta a 1964, quando a empresa tinha apenas 10 anos de existência.
Por último, mas não menos importante, a Servier Portugal tem uma reputação de inovação e excelência dentro do Grupo Servier, frequentemente servindo como piloto para novos programas e iniciativas. Não se trata apenas da aceitação no mercado, mas também de uma mentalidade e atitude específicas que são prevalentes em Portugal. Os colaboradores portugueses são conhecidos pelo seu arrojo, disposição para abraçar desafios e um forte sentido de dever.
Como define o seu plano de transformação holística para aumentar a independência e a sustentabilidade do grupo?
A Servier comprometeu-se, em 2015, com uma transformação destinada a melhorar, de forma sustentável, o desempenho da empresa e garantir a sustentabilidade de seu modelo de governação único para o benefício final dos doentes.
A transformação impactou todas as atividades do Grupo, incluindo a de Investigação e Desenvolvimento (I&D), que empreendeu um plano de transformação baseado em três pilares: uma abordagem centrada no doente, uma organização mais eficiente com uma dinâmica colaborativa e um foco em quatro áreas terapêuticas principais (oncologia, cardiometabolismo, doença venosa e neurociência).
Nos últimos quatro anos, o grupo fortaleceu significativamente a sua posição na oncologia graças a mais de 6 mil milhões de euros de investimentos, incluindo duas aquisições importantes”.
O grupo também investiu significativamente na inovação incremental, incluindo o lançamento de associações de várias moléculas em comprimido único, o que leva a uma melhor adesão do doente à terapêutica e contribui para a economia e sustentabilidade do sistema de saúde. Nos últimos quatro anos, o grupo fortaleceu significativamente a sua posição na oncologia graças a mais de 6 mil milhões de euros de investimentos, incluindo duas aquisições importantes que possibilitaram estabelecer a nossa presença em novos territórios estratégicos, como os Estados Unidos da América e o Japão.
O investimento significativo em oncologia resulta, hoje, num robusto pipeline de 37 projetos de I&D e sete medicamentos disponíveis para os doentes.
Quais são as maiores dificuldades que enfrentam atualmente no mercado farmacêutico, tanto em Portugal quanto em todo o mundo?
No mercado farmacêutico, tanto em Portugal como em todo o mundo, enfrentamos, vários desafios significativos. O aumento dos custos de Investigação e Desenvolvimento continua a ser uma questão-chave, impulsionada por fatores como a crescente complexidade das doenças, requisitos regulamentares rigorosos e a necessidade de ensaios clínicos mais amplos. A incerteza regulamentar e as regras de compliance representam desafios adicionais e o acesso ao mercado e a pressão de preços também são preocupações importantes. O acesso aos mercados e as pressões de preços podem impactar significativamente a rentabilidade e a viabilidade de produtos farmacêuticos.
O envelhecimento da população, a prevalência de doenças crónicas e os custos com a saúde contribuem para a crescente preocupação com a sustentabilidade”.
As falhas na cadeia de abastecimento de medicamentos representam outro desafio significativo, seja devido a pandemias, tensões geopolíticas ou desastres naturais ou ruturas na cadeia de abastecimento, podendo levar a escassez de medicamentos essenciais e dificultar o acesso dos doentes ao tratamento.
Além disso, a sustentabilidade dos sistemas de saúde está cada vez mais sob escrutínio. O envelhecimento da população, a prevalência de doenças crónicas e os custos com a saúde contribuem para a crescente preocupação com a sustentabilidade a longo prazo dos sistemas de saúde em todo o mundo. Abordar esses desafios requer colaboração, inovação e planeamento estratégico dentro da indústria farmacêutica e em todos os setores da saúde.
Como vê os desenvolvimentos tecnológicos na saúde? Acredita nas possibilidades da Inteligência Artificial aplicada nesta área?
As tecnologias digitais e de dados são, certamente, uma parte fundamental da solução, pois respondem efetivamente às necessidades de agilização, adaptabilidade e resiliência num mundo que está em constante mudança. Combinadas com a expertise humana, essas tecnologias podem ajudar a otimizar a I&D através de análises avançadas, melhorar a eficiência da produção e da cadeia de abastecimentos e possibilitar uma medicina mais personalizada.
Temos a ambição de impulsionar a eficiência da I&D com o digital. A nossa I&D utiliza mais de um terço dos nossos recursos e investimento tecnológico. O uso de dados e inteligência artificial tornou-se essencial na busca de novos tratamentos e oferece inúmeras vantagens: uma economia significativa de tempo em comparação com a investigação tradicional, uma melhor abordagem terapêutica, custos mais baixos, maior probabilidade de sucesso na investigação.
Pode dar alguns exemplos dessa aplicação?
Por exemplo, criámos uma plataforma digital que utiliza dados e inteligência artificial para apoiar a inovação terapêutica. A força da plataforma reside na sua capacidade de modelar doenças raras ou complexas a partir de dados de doentes, priorizar novos alvos terapêuticos e obter uma melhor compreensão das patologias, e, portanto, uma probabilidade maior de sucesso. Esta plataforma permitiu-nos identificar vários alvos inovadores nas doenças autoimunes e em outras áreas de investigação, como cancros pediátricos e gastrointestinais.
Ao combinar a inovação científica com o poder da tecnologia, pretendemos abrir o caminho para tratamentos revolucionários, especialmente para doentes que sofrem de doenças raras e de difícil tratamento.