Com 72 hectares de terreno pronto a semear ou já semeado, a Vasverde conta 21 anos de vida e dois empreendimentos de destaque num currículo cheio de nomes conhecidos – Estádio da Luz e Santiago de Barnabéu, só para aguçar o apetite. A empresa, sedeada em Benfica do Ribatejo, surpreende pelas instalações modestas – os escritórios são em pré-fabricado – que se destacam no meio das verdejantes planícies ribatejanas. Em redor dos escritórios e dos hangares que guardam a maquinaria, só se vê verde, castanho e o cinzento dos aspersores que se erguem, espalhados pelo terreno, contra o azul do céu. Aqui, toda a cultura é feita ao ar livre, como pede este elemento natural.
À frente da Vasverde está, desde o primeiro dia, Ana Caldeira Cabral, lisboeta de gema, agricultora de coração, como se apelida, e única sócia da empresa. Na altura de escolher que curso queria tirar, corria a década de 1980, a empresária tinha duas paixões a digladiarem-se. Quando chegou a hora de decidir entre a Agronomia e a Veterinária de que tanto gostava, a escolha foi simples: “Como não consigo ver sangue, ficou o problema resolvido, porque as plantas não sangram”, conta Ana à FORBES, entre sorrisos.
A decisão, prática e lógica, espelha bem a forma como a presidente da Vasverde conduz o negócio de consultoria e produção de tapetes de relva. Foi uma das primeiras pessoas no país a especializar-se em gestão de relvas, numa altura em que ninguém percebia exatamente qual o potencial desta cultura. O desafio partiu de um cunhado, logo depois de Ana terminar a licenciatura em Engenharia Agronómica no Instituto Superior de Agronomia. Ele queria fazer um empreendimento turístico com um campo de golfe e não havia especialistas no país que lhe pudessem olhar pelos relvados.
Eram os anos 1990 e, na altura, a agricultura “não estava em alta, em Portugal”, recorda a empresária que fez uma pós-graduação em Gestão de relvados na Universidade de Davis, na Califórnia, e em 1994 aproveitou as Iniciativas Locais de Emprego para abrir a Vasverde, especialista em consultadoria de relvas. Apenas três anos depois a empresa ganhava o concurso de um empreendimento de fazer inveja a qualquer um: a coordenação da instalação e manutenção de relva de todos os espaços verdes da Expo 98, actual Parque das Nações, cujo contrato terminou em 2013. Em 2011, novo desafio: a Sitoflor, empresa francesa produtora de tapetes de relva com quem a Vasverde estabelecera uma parceria há vários anos, decide alienar a actividade em Portugal. Ana, que, entretanto, assumira o cargo de directora-geral da empresa no país, adquiriu a participação e a Vasverde passou também a produzir tapetes de relva.
De Portugal ao Brasil Em 2013, a Vasverde inicia outra importante etapa da vida. “Um dos principais clientes da Sitoflor, com quem me mantive em contacto em termos de apoio técnico (RoyalVerd) entrou no capital da brasileira GreenLeaf, que fez 7 das 12 arenas do Mundial de Futebol do Brasil”, começa por dizer. “Seis dessas arenas foram estreadas na Taça das Confederações, um ano antes.” A Vasverde fez a consultoria de todas elas. “Foi uma aventura, uma loucura. Tínhamos o Maracanã (Rio de Janeiro), Recife, Salvador, Fortaleza, Minas Gerais e Brasília.”
Mas nem sequer hesitou ou consultou a família na hora de tomar uma decisão e aceitar a empreitada. “Por acaso aí estive um bocado mal”, comenta com uma gargalhada.
“Vivi sozinha muitos anos – foi quando me apercebi de que a maior parte dos homens não convive nada bem com o facto de uma mulher ganhar bem, ou melhor do que eles, viajar muito, ter sucesso profissional”, explica à FORBES em jeito de justificação. Com um ex-marido “que ainda hoje é um dos grandes suportes”, dois filhos de 17 e 20 anos, Ana voltou a casar porque encontrou “alguém muito especial”.
Num negócio maioritariamente masculino, a empresária não se sente intimidada por ser das poucas mulheres a operar no mercado. “Há uns anos, quando comecei a ir a congressos nos EUA, era a única mulher. Era ótimo porque nunca havia fila para a casa de banho”, recorda a sorrir. “Tenho muita energia masculina e acho que a grande diferença não é anatómica, é cerebral. Não tenho, nunca tive problemas de autoridade”, garante a agrónoma antes de revelar que a Vasverde deverá ter, em 2015, “um dos melhores anos de sempre”. “Até Setembro a facturação ultrapassava os 1,2 milhões de euros”, confidencia. Uma boa notícia, depois do ano horribilis de 2014: “foi um ano péssimo para nós.”
Mas a empresária sabe onde falhou: “os nossos meses fortes de vendas são Junho, Julho, Agosto e eventualmente Setembro. Portanto, quando se tira os olhos da bola em dois ou três meses deste período, acabou o ano. Já não se recupera. E acho que foi isso que aconteceu. Andámos aqui em reestruturações em termos comerciais e tirámos os olhos da bola.”
A recuperação, em 2015, fez-se arregaçando as mangas e corrigindo os erros. “Este ano mudámos o conceito. Envolvi-me completamente em termos comerciais e criei uma equipa comercial com a qual me sinto confortável. Não gosto do trabalho comercial por comercial. Actualmente, o meu comercial é um técnico como eu, um engenheiro agrónomo como eu, temos uma excelente assistente de back office aqui…”, elenca. “Este ano estivemos muito centrados, muito focados.”
Mesmo em termos de “quantidade de relva produzida: temos 63 hectares em produção. A relva, para ser recolhida, precisa de ter sete a nove meses no terreno”, explica. “Este ano, em 63 hectares, conseguimos chegar muito perto dos 52 hectares vendidos, o que exigiu de nós um grande esforço”. Um sorriso de satisfação acompanha a pausa que faz na frase, antes de continuar. “Quando entramos numa parcela, a relva não fica toda pronta ao mesmo tempo, e nós este ano entrámos nas parcelas no que chamamos de just in time. Temos tudo praticamente semeado. Não vamos sofrer em 2016 com isso, porque aumentámos também a nossa área produtiva com mais 9 hectares que já estão prontos, num terreno aqui ao pé. Foi realmente um ano extraordinário”, remata.
Os objectivos para o ano que agora começa ainda não estão totalmente fechados, mas passam garantidamente por “aumentar a produção. E temos de crescer para novos mercados: para o do desporto e para Espanha, basicamente.” Este ano as exportações terão tido um peso um bocadinho maior (acima dos 10% de 2014) por causa dos estádios em Espanha – a Vasverde fez seis campos em 2015, cinco em Espanha, sendo um deles o campo de treino principal do F.C. Barcelona –, o que é um peso grande, tanto em termos de metros quadrados como de facturação, porque a relva desportiva é mais cara.“No mercado português não há grande possibilidade de crescimento. Queríamos muito crescer fora do mercado europeu, em Marrocos, mas ainda não arranjámos um parceiro.
No ano passado tivemos um convite para ir para o Brasil, mas era muito complexo para nós. Gostava muito de ir para Marrocos, porque conseguimos abastecer directamente”.