Do Parque de Montesinho à Serra de Monchique, passando pelos Açores, são nove as denominações de origem protegida de mel em Portugal. Mas quando José Mestre chegou ao mundo do mel, em 2006, percebeu que fora do “rectângulo”, o bloco ibérico era um só aos olhos dos grandes clientes.
Engenheiro agrónomo, José tinha percorrido vários países ligado ao sector dos frutos silvestres, até que a vontade de regressar ao país e mais concretamente à sua terra, São Teotónio, em Odemira, o levou a chocar com a apicultura. Através de um amigo iniciou um part-time numa associação de apicultores, onde ao que conhecia do estudo das abelhas e da polinização se juntou um novo mundo.
“Quando os apicultores falam de abelhas até lhes brilham os olhos. Pensei que deveria ser uma actividade fantástica”, diz.
Em 2006, com o apoio dos apicultores e antevendo uma oportunidade na falta de canais de escoamento do mel nacional, José criou a sua empresa, e desde logo começou a exportar. Fê-lo com 5 mil euros, dois telefones e um escritório na cave da casa dos pais na Costa Vicentina. Aproveitando o seu à vontade com línguas, iniciou pesquisas na Internet e no terreno, em recolha de amostras, viajou pela Europa em busca de clientes, visitou as feiras e ali começou a encher a agenda de contactos de potenciais clientes.
Alemanha e França tornaram-se rapidamente o alvo da sua estratégia. “Comecei a enviar-lhes amostras, começaram a analisar, a gostar e a comprar”, diz. Foi sopa no mel para si e para os apicultores que veriam abrir-se um novo canal de venda. Hoje é o maior exportador de mel nacional mas, ao estilo do abelhão, não o produz. Em vez disso, reproduz apenas receitas para os apicultores.. Estes enviam o seu mel, que é descarregado no edifício do Rogil em depósitos de 300 kg – cerca de 90% do volume de negócios da Apisland são assim exportados.
Origem do mel
Nos últimos cinco anos assistiu-se a um rejuvenescimento no sector apícola nacional, com quase mil novos apicultores, a maioria em explorações profissionais beneficiadas por financiamentos do âmbito dos programas PRODER e do PDR 2020. Nono produtor na União Europeia, Portugal atingiu o recorde de 700 mil colmeias em 2016, um voo de 23,5% face ao ano anterior e acima da média comunitária de 9,5%, revelam os dados mais recentes da União Europeia. Mas, mesmo assim, há défice de mel. “Hoje não há produção para fornecer toda a procura”, assume o fundador e director-geral da Apisland.
Das quase 200 mil toneladas de mel importado para a União Europeia, 40% provêm da China. Portugal liderou, entre os 28 estados-membros, o crescimento das importações provenientes de países terceiros, um mistério para o qual a Federação Nacional dos Apicultores de Portugal (FNAP), já com 21 anos de actividade, arrisca uma explicação: o desembarque feito no porto de Leixões para servir uma das maiores empresas espanholas dos méis, sediada em Salamanca, pode estar a criar a falsa imagem de compras avultadas para consumo nacional. Espanha entra nas contas também por outro dos produtos da apicultura, o pólen, comestível, que é capturado por produtores do país vizinho em colmeias que colocam cá dentro, aproveitando a extensa cobertura do território raiano com estevas.
Um facto que deriva da fraca apetência dos consumidores nacionais pelos produtos de excelência do país e que os leva a preferir mistura de méis, muitos provenientes de países como a China e a Argentina, e deixar na prateleira do supermercado o mel puro português, que chega a custar o dobro. Essa escolha de produtos mais baratos é, diz José, a razão por que a sua marca, apenas dedicada ao mel puro, não cruza a porta das grandes superfícies – apesar de o gestor já se ter reunido com um par delas.
“Não há produção para fornecer toda a procura [de mel]”, refere José Mestre, fundador e director-geral da Apisland.
A rede de fornecedores da Apisland é construída unicamente por José numa espécie de polinização, de flor em flor, de terra em terra, em busca dos apicultores a quem comprar mel puro. “Todos os anos dou praticamente a volta ao país a ver a qualidade do mel, as produções e a recolher amostras”, explica o gestor, que diz fazer as compras e as vendas. “É aí que está o segredo para ser o maior exportador, consolida. Por isso falta-lhe tempo para reforçar o marketing e as vendas, lacuna a preencher logo que comece a laborar a nova linha de enchimento, na qual está a investir 50 mil euros e que tornará o trabalho das três pessoas da linha menos artesanal, duplicando a produção com marca própria.
No sector do mel, onde a Apisland é um dos principais agentes portugueses, ao lado de umas poucas mais, como a Euromel, de Penamacor, dona da marca Serramel, há um canal largo do designado “produtor primário”. São estes que vendem à porta da exploração, em feiras e no comércio local do distrito, ao abrigo da legislação que impõe limitação geográfica e de quantidade. Dados da Comissão Europeia de 2014 mostram que a produção nacional de mel, na ordem das 10 toneladas e vendas ao exterior de cerca de 2,5 toneladas (cerca de 25%), é, de forma significativa, da responsabilidade dos pequenos produtores e é utilizada em autoconsumo ou vendida no mercado informal.
À mercê da Natureza
Entre os apicultores portugueses, os do Norte são em maior número, mas os do Sul destacam-se pela grande dimensão, realidade que o fundador da Apisland encontrou no terreno. José sabe que as colmeias dispersas por zonas de mato são mais vulneráveis e, por isso, a próxima Primavera deverá ser de desemprego para muitas abelhas que não terão néctar para recolher das folhas dos eucaliptos mais velhos, abatidos pelo fogo que massacrou a região Centro neste Verão. João Casaca, da FNAP, admite que alguns apicultores tenham conseguido salvar as suas colmeias com a deslocalização para terrenos protegidos, mas mesmo assim sofrem na carteira ao ter de arranjar alimento para as abelhas até à próxima Primavera.
Salvam-se os méis de rosmaninho e de urze, provenientes dos matos que começam a brotar com as primeiras chuvas. E na pluviosidade está outro drama: ou é de mais, como no ano passado, ou de menos, como aconteceu neste Abril seco, que provocou perdas na ordem dos 75% a norte do Tejo. Já no Algarve e Alentejo, esta floração começa mais cedo, o que mitigou o efeito dessa canícula sobre os nectários, estruturas sensíveis das flores – e em território varrido pela vespa asiática (velutina), as abelhas retraem-se nas colmeias, ou são mortas ao sair, e o trabalho, colher néctar, fica comprometido.
Se a natureza ajudar, a Apisland pode processar mil toneladas de mel, o dobro de em ano de secura ou muita chuva. “Já não vem um ano igual ao outro, [o clima] está muito diferente”, assume o fundador da Apisland, que em 2015 perdeu 40% de receitas. “Trabalhámos menos porque não havia mel. Vendemos tudo, e mais houvesse!”. José conclui:
“Não se pode fazer nada. Em anos com menor produção aumenta-se o preço na produção para compensar a perda do apicultor… quando o nosso cliente aceita”.