Duarte Cardoso Pinto, 41 anos, tem duas paixões: a restauração e o rugby. Felizmente, o empreendedor consegue conciliar as duas no seu agitado dia-a-dia. Chegou a jogar profissionalmente, em França, mas quis o destino que a sua vida passasse por investir tudo na casa de família, onde passou a sua infância. Falamos do Palácio Quintela, na rua do Alecrim, um icónico edifício lisboeta que abrilhanta a história da capital desde finais do século XVII, hoje transformado no restaurante e bar Palácio Chiado, um local que alia arte, cultura e requinte, oferecendo uma cozinha portuguesa com toque internacional, liderada pelo chef Manuel Boia.
Foi em 1781 que Joaquim Pedro Quintela, 1º Barão de Quintela, um grande negociante e capitalista de Lisboa, reedificou o edifício que, entretanto, sofrera com o terramoto de 1755, local este que pela mão do seu filho, segundo Barão de Quintela e primeiro Conde de Forrobo, se tornou conhecido pelas suas animadas festas. Foi, aliás aqui que surgiu a expressão “forrobodó”, alusão ao título do conde. Uns anos antes, durante as invasões francesas, o General Junot tinha-se instalado no Palácio da Rua do Alecrim, e dado “festas à grande e à francesa”.
Ou seja, o local foi sempre marcado pelos seus faustosos banquetes e bailes, mas a falência da família Quintela levou-o a hasta pública. Foi então adquirido, em 1874, pelo empresário brasileiro António Carvalho Monteiro (também dono da Quinta da Regaleira e muitos outros edifícios lisboetas), de quem descende a família de Duarte Cardoso Pinto. Este empresário teve uma filha que casou com um descendente do Marquês de Pombal, que deu origem a este ramo familiar. “O meu avô, que já morreu, era Marquês de Pombal, passando depois o título ao meu tio. O Palácio era do meu avô, e por isso passei a minha infância sempre por aqui”, explica Duarte.
“Arrendamos parte do palácio por 20 anos, ou seja, de 2014 a 2034. A primeira premissa era que não fosse obrigatório pagar para entrar no local, queríamos que este fosse um espaço que as pessoas pudessem frequentar.”, afirma o empreendedor.
Como uma parte do palácio estava arrendada, desde o início da década de 70, ao IADE – Faculdade de Design, Tecnologia e Comunicação, Duarte só teve acesso a esse lado do edifício quando frequentou o curso de Design Gráfico nesta instituição de ensino. Desde que viu a riqueza artística e cultural do espaço que sonhava em fazer algo mais deste local. “Era uma pena este edifício icónico e com tanta história estar fechado ao público. Deveria estar aberto, para ser visto por todos. No fundo pensei em devolver o Palácio à cidade”, diz.
O desafio do investimento
Quando o IADE deixou o edifício, em 2014, Duarte Cardoso Pinto desafiou dois amigos, os irmãos António e Gustavo Paulo Duarte, atualmente líderes da empresa familiar Transportes Paulo Duarte, a constituírem uma sociedade para ali instalarem um projeto de restauração. Na altura, Duarte, que acabara o curso em 2003, trabalhava no mundo do design e da publicidade, na agência de publicidade Partners. Enveredar pelo caminho do empreendedorismo pareceu-lhe uma boa solução de vida.
O edifício estava muito degradado, os frescos das paredes não tiveram manutenção e o local necessitava ser recuperado. Duarte fez uma proposta à família que aceitou a sua solução. “Arrendamos esta parte do palácio por 20 anos, ou seja, de 2014 a 2034. A primeira premissa era que não fosse obrigatório pagar para entrar no local, queríamos que fosse um espaço que as pessoas pudessem frequentar. Depois de ter estado tanto tempo privado queríamos ter um modelo de negócio que sustentasse não só a manutenção, mas também o investimento que foi feito na recuperação”, explica o empreendedor.
“Tínhamos o chapéu Palácio Chiado, e quando alguma coisa corria mal prejudicava a marca. Aí começamos a perceber que teríamos de ter todo o controlo da cadeia de valor para conseguir mudar alguma coisa na experiência ao cliente.”, afirma Duarte Cardoso Pinto.
Entre 2014 e 2016 foram feitas obras de restauro e de operacionalização do projeto. Foi realizado um investimento de 1,2 milhões de euros, dos quais 300 mil euros destinados apenas ao restauro. O processo foi complexo e demorado: como o palácio é património nacional de interesse público, tudo teve de ser respeitado. “O processo, todo ele muito desafiante, foi acompanhado pelo arquiteto Frederico Valsassina. O chão teve de ser feito por cima do original, para se manter intacto e poder passar as infraestruturas necessárias para o bar e o restaurante. Nas paredes não pudemos sequer tocar. No dia em que sairmos o palácio fica na sua versão original. Ou seja, tivemos de ser nós a adaptarmo-nos ao espaço e não adaptar o espaço às nossas necessidades”, explica Duarte Cardoso Pinto. Atualmente, a restauradora dos frescos vem fazer a manutenção mais ou menos de três em três meses.
Como os dois irmãos, António e Gustavo, tinham já um espaço de charcutaria em Campo de Ourique, surgiu a ideia inicial de abrir com sete conceitos diferentes, cada um gerido por um restaurante já existente. No fundo era um modelo de negócio tipo centro comercial, em que os vários restaurantes pagariam uma renda fixa, o que mitigava o risco do negócio. E foi assim que, mesmo com pouca experiência em restauração, arrancaram o negócio em 2016.
O primeiro modelo de negócio
Em termos financeiros, este primeiro modelo foi ao encontro das expectativas. O que correu menos bem foi a parte operacional, porque gerir sete restaurantes com sete entidades especificas e com interesses distintos, não era tarefa fácil. “Nós tínhamos o chapéu Palácio Chiado, e quando alguma coisa corria mal, prejudicava a marca. Aí começamos a perceber que teríamos de ter todo o controlo da cadeia de valor para conseguir mudar alguma coisa na experiência ao cliente”, refere o diretor-geral. Outro aspeto que fez repensar este modelo foi a grande dependência dos restaurantes: quando o conceito de sushi abriu insolvência tiveram apenas um mês para montar um restaurante próprio. Isto foi o mote para reverter a estratégia, já que os contratos acabavam no verão de 2018. “Optámos por não renovar os contratos e fazer um restaurante nosso, passando a ter todo o controlo da operação”, explica. Foram então buscar o chef Manuel Boia, e começaram primeiro por ter dois pisos de restaurante. Hoje o conceito é de bar, no piso zero, e restaurante no piso de cima, e recebe em média 60% de clientes estrageiros, sendo os restantes nacionais.
Este novo modelo implica maior risco, mas a margem do negócio é maior. Ou seja, em termos financeiros é um negócio completamente diferente do inicial, uma gestão com mais detalhe e com muito mais pontos para estar atento. “O grande desafio foi passar de uma equipa de 15 ou 20 pessoas para uma equipa de 60 pessoas. Conseguir montar uma equipa coesa, com objetivos alinhados, que se conseguissem adaptar à nova realidade, e à dinâmica de sete dias por semana, foi o mais difícil”, afirma o empresário.
O primeiro ano correu bem financeiramente: em 2019 o restaurante registou vendas de cerca de 3 milhões de euros. O cliente mudou muito: o Palácio Chiado passou de um valor médio por cliente de 20 euros para 30 a 40 euros. O problema surgiu em 2020, com a pandemia de covid19, em que as vendas caíram 75%. “Conseguimos recuperar um pouco em 2021, em que a faturação cresceu 50%, mas ainda não chegou ao nível de 2019. Em 2022 já faturamos quase 3 milhões novamente e 2023 foi um ano de grande recuperação, já com quase 4 milhões de faturação, o que representou um crescimento de 37% face ao ano anterior”, revela o diretor-geral. Estas vendas incluem também uma experiência durante o verão, numa parceria realizada com o Cuá Cuá Club, na Quinta do Lago, através da qual a equipa do Palácio Chiado operacionalizou o restaurante.
O Palácio Chiado tem como pratos estrela, a entrada Taquito de Lagosta, o Magret de Pato, e o Bacalhau à Lisboa e à Braga. Uma curiosidade: o restaurante consome mais de 900 quilos de lagosta por ano.
Quanto ao futuro, Duarte Cardoso Pinto diz não criar grande expectativas: primeiro quer consolidar este negócio para depois olhar para outras oportunidades. A nível pessoal continua ligado ao desporto, pois foi convidado para a direção da Agronomia Rugby, cargo que mantém com prazer, pois esta é uma paixão que nunca deverá morrer.