Quem é fã da família Roy, e segue as suas peripécias na série de sucesso norte americana Sucession, sabe que não é fácil gerir os interesses de todos os membros da família no património comum. Não é, por isso, habitual, para os muito ricos, gerirem um grande património familiar sem apoios externos. Quem tem o usufruto de determinados bens, quem pode usar o avião da família ou as propriedades imobiliárias, ou até organizar uma festa no iate partilhado por todos, são tudo questões que devem ser bem pensadas, sobretudo depois de o fundador do império desaparecer. A passagem de testemunho da primeira para a segunda geração é sempre um momento crítico na vida de um legado empresarial familiar, e é precisamente para apoiar em todas estas questões que existem os chamados family offices. Os conflitos que surgem, muitas vezes, nestas fases de transição, tal como acontece com os quatro irmãos Roy, filhos do fundador do império de media e entretenimento, Logan, têm de ser moderados por alguém que reúna o consenso e a confiança de todos os membros da família.
A passagem de testemunho da primeira para a segunda geração é sempre um momento crítico na vida de um legado empresarial familiar, e é precisamente para apoiar em todas estas questões que existem os chamados family offices.
O que é afinal este conjunto de especialistas que trata dos interesses das famílias mais ricas? Os primeiros family offices de que há conhecimento datam do século VI e tinham a responsabilidade de gerir as fortunas dos reis da época medieval. Numa era mais moderna, o primeiro com os contornos mais atuais foi criado em 1882 por Jonh D. Rockeffeller, que criou o Rockefeller Family Office, a primeira estrutura deste género nos Estados Unidos, e que ainda hoje existe, embora agora servindo várias famílias.
Segundo Diogo Barros da Silva, associate partner da Arboris, pode haver inúmeras definições de family offices, pois esta pode ter significados muito distintos de família para família, mas “o conceito fundamental é ser uma estrutura ao serviço da família, separada da empresa familiar”. A Arboris, sociedade fundada em 2020 por dois sócios, João Rodrigues Pena e José Paulo Rodrigues, tem como missão trabalhar com o presidente e acionistas de empresas familiares em temas que tenham a ver com o governance da empresa, da família, temas de sucessão e de preparação da sucessão, ou outros assuntos relacionados com a gestão da família, com o objetivo sempre comum de preservação do capital e de sucesso do seu legado. Assumem-se como assessores e não consultores e mesmo não sendo, especificamente, um family office, como explica Diogo Barros Silva, “percebemos do mercado, temos uma rede de contactos bastante alargada, e entendemos que ainda há bastante trabalho para fazer nesta matéria”.
A função mais comum deste tipo de estruturas é a gestão do património familiar, sobretudo património fora do perímetro das empresas familiares, no qual faça sentido ter uma gestão integrada da propriedade como imóveis, quintas, casas de férias, entre outros.
Diogo Silva explica que a função mais comum deste tipo de estruturas é a gestão do património familiar, que pode ser diverso. Falamos de património fora do perímetro das empresas familiares, no qual faça sentido ter uma gestão integrada da propriedade como certos imóveis, quintas de famílias, herdades, casas de férias, que sirvam para usufruto comum, bem como barcos, aviões, ou até mesmo coleções de arte. Aqui também se incluem investimentos da família em portfolios de fundos de ações, obrigações, private equity, ou mesmo investimentos diretos. Por exemplo, pode fazer sentido atuar ao nível de um evento de liquidez, seja este resultado da venda de uma participação da empresa, seja de uma política de reinvestimento de parte dos dividendos. Isto permite à família diversificar o seu portfolio de ativos de uma forma mais eficiente, sobretudo quando a família atua num setor muito tradicional e pretende diversificar investimentos. Porém, e embora o conceito de family office passe por incidir mais na gestão do património fora da empresa familiar, muitas vezes – sobretudo nos casos mais conhecidos em Portugal – acaba também por incluir a gestão das participações dentro do negócio core.
A prestação de serviços à família e o apoio aos mecanismos de governance, são mais duas áreas de atuação destas organizações. No primeiro caso falamos de serviços como a gestão de programas de filantropia, planeamento fiscal, gestão de contratos de leasing, gestão imobiliária, entre outros. No segundo caso, temos os mecanismos de apoio definidos num Protocolo de Família, como o Conselho de Família, que requer, por exemplo, a organização de reuniões, gerir agendas ou gerir toda a logística associada.
Single ou multi familly office, os dois formatos possíveis
Tipicamente existem dois modelos de family office: os Single Family Offices e os Multi Family Offices. O Single Family Office (SFO), é aquele em que a família escolhe alguém da sua inteira confiança para gerir o seu património, que pode até ser alguém que pode ter já desempenhado cargos na empresa familiar. Este é o modelo mais frequente nas famílias portuguesas mais poderosas. Temos, por exemplo, a MGP SGPS, a family office da família Mota, acionista da Mota Engil, e que é liderado por Luís Parreirão. Mas haverá outras: a famílias Amorim – que deve ser o único caso de uma família com dois SFO distintos, um do lado do falecido Américo Amorim, e outro para o lado da família Rios de Amorim -, e a família Queiroz Pereira, entre outros.
Segundo um estudo do Credit Suisse sobre o tema, realizado pela University of St Gallen, em 2021, o número médio de colaboradores por SFO é de 10 elementos, que, em média, asseguram serviços a uma média de seis familiares. Esta instituição estimava que existissem, em 2019, cerca de 7.300 organizações deste tipo em todo o mundo. Diogo Barros da Silva calcula que existam cerca de 10 mil SFO em todo o mundo, clarificando que, em Portugal deverão existir atualmente cerca de uma dezena.
Rodrigo Silva acredita que existam cerca de 10 mil Single Family Offices em todo o mundo, clarificando que, em Portugal deverão existir atualmente cerca de uma dezena.
A grande vantagem deste modelo é que se trata de um serviço mais customizado, mais direcionado para as necessidades da família. Associa-se este tipo de estruturas às famílias com maiores patrimónios, mas nem sempre assim acontece. Se a família só necessitar de alguns serviços mais padronizados também pode recorrer às Multi Family Offices, organizações que servem múltiplas famílias. Ou seja, são empresas de serviços profissionais que assegura as mesmas funções de um SFO. Estas têm um grande mercado internacional, com inúmeras firmas nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Suíça. A vantagem real é que estes serviços podem ser mais cost effective, evitando assim ter uma estrutura de custos fixos. Porém, se a família pretender um family office mais ligeiro, apenas para gerir um pequeno portfolio imobiliário e prestar alguns serviços, poderá também optar por uma estrutura interna, mas, neste caso, mais pequena.