A maior e melhor. É esta a promessa que Roberta Medina faz em relação à edição de 2024 do Rock in Rio Lisboa, a mesma que assinala os 20 anos do festival em Portugal. O evento nasceu no Brasil, num momento em que o país estava a sair de uma ditadura militar. “A intenção era mostrar que era possível juntar pessoas, raças, credos diferentes no mesmo lugar em paz e harmonia”, conta Roberta, vice-presidente do Rock in Rio Lisboa, à FORBES. Como? “Quando tínhamos ali todos os estilos misturados estávamos a mostrar na prática que aquela relação humana de paz era possível”.
Em 2024, o Rock in Rio será novamente isso, mas com muito mais. “Vamos fazer este ano a maior e melhor edição de sempre do Rock in Rio. Precisamos de colocar boas notícias nos jornais, mostrar às pessoas que Portugal é capaz. Estamos aqui e mostramos que Portugal sabe fazer eventos de porte internacional, feito pelos portugueses. Queremos mostrar o que há de bom neste país, mobilizar a economia e recarregar de energia positiva as pessoas que passarem pela Cidade do Rock, assistirem ao evento pela televisão, ouvir nas rádios. Mostrar um Portugal que dá certo, um Portugal potente, um Portugal feliz”, afirma Roberta.
A saída da Bela Vista e a chegada ao Parque Urbano do Tejo e do Trancão, construído para as Jornadas Mundiais da Juventude, é a diferença mais notada por todos. Mas ao contrário do que aconteceu durante a visita do Papa, a inclinação do terreno poderá ser uma vantagem para os festivaleiros, e não um problema como muitos temem. “O parque tem o ponto alto onde ela está [a pala], mas ele desce na direção do rio Trancão e desce para os dois lados. Os nossos maiores palcos vão estar aqui na beira do rio, o que garante ao público aquela arquibancada natural como a Bela Vista tem. Não é aquela concha perfeitinha, mas vai ter o desnível perfeito para as pessoas assistirem ao evento”, diz.
A dimensão do terreno permite ainda a estreia de um novo grande palco, algo que já não era uma possibilidade na Bela Vista. Também este terá o desnível natural. No total, o festival terá cerca de 40 mil metros quadrados a mais do que tinha para a área de público no recinto anterior. “As pessoas conseguem passear, sentar à vontade, dá para ter mais atrações, vamos ter mais casas de banho, mais áreas de restauração. Em termos de experiência, vai ser muito diferente da Bela Vista, vai ser bem melhor”, garante Roberta. A maior vantagem deste novo espaço acaba por ser exatamente essa: Está pronto para ser utilizado, ao contrário do que aconteceu no local anterior onde foi necessário fazer tudo.
Os transportes também estão assegurados com a proximidade às estações de Moscavide e Sacavém, assim como ao Oriente, onde os festivaleiros que chegarem de Metro terão um shuttle disponível até ao recinto. “Não adianta tentar chegar de carro num evento para 80 mil pessoas por dia. Isso para a cidade”, diz.
O espetáculo está garantido
O entretenimento está, naturalmente, garantido. Até quando se trata de assuntos mais sérios. “Temos a preocupação de as mensagens mais profundas que queremos passar, que elas sejam divertidas de absorver, que sejam leves, porque as pessoas vêm para cá para se divertir. É muito mais fácil estarmos abertos para ouvir uma mensagem que mexe connosco se tivermos positivos do que se já tivermos à defesa”, afirma Roberta.
E como este verão não será apenas de música, mas também de desporto, o Rock in Rio decidiu garantir os dois. Para os que se questionam se devem ou não ir no dia 22 de junho uma vez que é dia de jogo de Portugal no Europeu, a organização encontrou a solução. “O Europeu começa a 14 e nós começamos a 15, vai ser um clima em volta do futebol muito grande. No dia 22 temos um jogo de Portugal e vai ser lindo, vamos parar o evento inteiro, como foi em 2018. Foi das imagens mais bonitas que eu vi acontecer na Cidade do Rock, ali ainda era numa fase mais avançada do campeonato, nós passamos o jogo em todas as telas da Cidade do Rock. Tudo vai transmitir o futebol, vai ser uma festa bonita para torcer pela seleção também”, conta. Já no cartaz musical são nomes como Scorpions, Ed Sheeran, Jonas Brothers, Doja Cat, Carolina Deslandes, Xutos & Pontapés ou Luísa Sonza que garantem a festa.
“Perguntam: É Pop in Rio ou Rock in Rio? É tudo. É funk, é pop, é rock, é o que quiserem. Sempre foi, desde 1985. E é para todas as pessoas e para todos os perfis. Acho que é uma das coisas bonitas que se vê no festival, é o tema político, o tema racial, a religião, as pessoas não estão ali a defender-se de nada, não estão ali a discutir por nada, toda a gente se respeita”, sublinha Roberta, realçando que “sempre que se nicha para um só assunto, acaba por se restringir”.
O público já começou a responder de forma positiva a este cartaz. Durante a época festiva, foram vendidos 10 mil packs, mais do que em outros anos. Este ano, o Rock in Rio juntou-se à Worten para estar presente em mais lojas no país e tem resultado. Destaque também para o aumento das vendas online, algo que não era tão comum antes da pandemia causada pela covid-19. “Hoje temos mais de 50% das vendas online no nosso próprio website, isso é uma revolução”, afirma.
A incerteza política e toda a insegurança a nível económico que se sente no país acaba por ter um papel inverso àquele que seria esperado. Não retrai o público, aumenta a procura por um momento de entretenimento. “O que historicamente funciona, é que quando o país está muito tenso, projetos líderes na área de entretenimento e cultura ganham vontade, porque as pessoas precisam e as marcas passam a estar desesperadas para ter um momento positivo para se relacionarem com os seus consumidores. E é isso que estamos a sentir este ano, o país está tenso, as pessoas estão tensas, não sabem bem o que vem por aí”, explica Roberta, que, mesmo entre a incerteza, aumentou o investimento no festival em cerca de 20%.
Celebrar os 20 anos
Em 2024 o Rock in Rio Lisboa entra numa nova década. A celebração dos 20 anos de festival na capital portuguesa junta-se à dos 40 anos da história do evento.
O balanço dos últimos 20 anos é fácil de entender quando se olha para os números: 225 milhões de euros investidos no país, 87 mil postos de trabalho gerados (diretos e indiretos), 1.100 atrações musicais durante 44 dias de festival na Cidade do Rock, mais de 3 milhões de pessoas passaram pelo festival. O Rock in Rio Lisboa doou cerca de 5,6 milhões de euros para causas sociais e ambientais em Portugal conjuntamente com os seus parceiros, na última edição, em 2022, e a cobertura TV e Web impactou 5,8 milhões de pessoas em Portugal.
Os números não mentem, mas Roberta prefere olhar para outras métricas. “A melhor medida é: Este ano é ano de Rock in Rio ou não? Nós vemos que o mercado todo mexe, que o próprio mercado de entretenimento acelera, que o mercado de publicidade também ganha impulso. Acima de tudo o que queremos dizer com os 20 anos é que nós continuamos a acreditar em Portugal. Nós viemos para Portugal quando Portugal não era fashion, Portugal ficou fashion. Discute-se hoje a instabilidade política e económica, e nós continuamos a acreditar em Portugal”, garante.
E continuam a acreditar no formato que criaram em 1985. O mesmo que afastam de um “festival tradicional”. Começa logo na forma como nasceu: “O Rock in Rio não nasceu de um promotor apaixonado por música, ele nasceu de um publicitário apaixonado pela sua cidade, que queria trazer impacto económico para a cidade, queria juntar pessoas usando a música como ferramenta”, diz Roberta. Depois, a atenção ao detalhe. A vice-presidente realça a escolha do line-up, investimento em cenografia, infraestrutura de nível mundial, qualidade de som e tecnologia, limpeza do terreno, casas-de-banho ligadas à rede, cuidado com o público e o cuidado com a sustentabilidade.
“O grande diferencial é ser Rock in Rio, é não ser um festival tradicional. Há tantas coisas que o Rock in Rio impactou o mercado a mudar, esse é o Rock in Rio. Ele é radicalmente diferente. Por acaso chama-se festival, porque nasceu assim, mas ele não está dentro da mesma categoria”, explica.
O formato nasceu da visão de Roberto Medina, o pai de Roberta, que continua a ser o principal pilar da estrutura Rock in Rio. Sublinhando a intenção de estar sempre próxima da visão do pai em relação ao negócio, com o objetivo de que no dia em que ele quiser deixar a empresa nada mude, a filha compara-o ao criador do universo Disney.
“É como o Walt Disney, ele não está ali, mas as coisas têm de acontecer da forma que ele criou. É muito giro ver os documentários, todos os momentos em que eles saíram ou destoaram do que o Walt Disney pregava, a coisa não correu necessariamente bem. E eu acho que o nosso caso é exatamente isso. O Roberto é o nosso Walt Disney, com a maravilha de tê-lo ativo. Temos esse privilégio de poder aterrizar cultura e legado com ele ali. Como o Dr. Rui Nabeiro também, estava ali, toda a gente estava a viver e ver a coisa acontecer”, diz.
Uma liderança forte
Roberta chegou ao universo empresarial com um apelido muito forte e reconhecido na indústria. Curiosamente, foi Portugal quem teve um papel importante no momento de lhe abrir espaço. Ao início não foi fácil: “Claro que foi difícil no início entender que eu agregava valor além de ser filha. Traz um desafio muito grande, estava sempre a observar se quem chegava perto de mim era por eu ser filha ou porque eu tinha alguma coisa boa para trocar”, explica. Quando começou não estava nos holofotes, dedicava-se mais à parte da produção. Em 2001, foi quando sentiu que a Roberta Medina passou a existir no Brasil, momentos antes da abertura da empresa de produção de eventos Dream Factory, que considera ter musculado ainda mais a sua presença. “A Roberta existe e entrega em nome próprio”, diz. E depois surgiu Portugal.
“Quando viemos para Portugal, a primeira edição estava muito focada no próprio Roberto. Na segunda edição a minha irmã nasceu a meio do caminho e o meu pai veio mais tarde. Eu comecei a ter de falar pelo festival. E aí um momento muito curioso é quando eu participo nos Ídolos, em 2009. Foi muito engraçado perceber que muita gente conheceu primeiro a Roberta dos Ídolos do que a Roberta do Rock in Rio. Aquilo consolidou muito uma Roberta que não era do Rock in Rio, e deu-me muita liberdade”, afirma.
“Em minha casa, apesar de eu ser a mais nova e mulher, fui eu que fiquei à frente do Rock in Rio logo cedo. O que eu percebi é que, muitas vezes, claro que existe o preconceito, mas nós lidamos com ele de forma que fique maior ou menor (…)”, diz Roberta Medina.
Além de filha de, Roberta também é mulher. Aos olhos de sociedades ainda muito focadas no lado patriarcal, esta poderia ter sido a receita ideal para um percurso bastante difícil. Mas Roberta não deixou.
Nem sempre pensou no assunto. “Só comecei a pensar nisso quando mais à frente me faziam essa pergunta. Porque eu nunca percebi nada. Não é nada, tu percebes os idiotas pelo caminho, machistas, sexistas”, conta. Foi a ouvir uma palestra onde estava presente a apresentadora e empresária Cristina Ferreira que começou a refletir sobre o tema. “Ela disse: Eu não sinto isso porque o meu pai me educou para não me sentir assim. Essa foi a resposta. Em minha casa, apesar de eu ser a mais nova e mulher, fui eu que fiquei à frente do Rock in Rio logo cedo. O que eu percebi é que, muitas vezes, claro que existe o preconceito, mas nós lidamos com ele de forma que fique maior ou menor, e o que eu percebi é que eu lidava sempre com ele de uma forma a ficar menor”, afirma.
Como numa reunião que teve em Espanha. Roberta foi com o diretor de engenharia do Rock in Rio falar com dois homens, numa reunião em que o tema era a construção da Cidade do Rock. Depressa notou que a resposta a todas as perguntas que ela fazia era dada pelos espanhóis a olhar para o diretor. “Quando eu dei conta que ele estava a fazer isso, disse ‘agora é comigo mesmo’. Eu não me calei até ele responder a olhar para mim. Mas eu estava a divertir-me, eu não estava com raiva dele, não era um problema para mim. E a minha atitude sempre foi muito essa”, diz, realçando que “não devia ser simples olhar para uma menina nova a ser a porta-voz do projeto, aí impacta a tal da educação, porque quem teve problemas comigo teve de ir para casa resolver o problema e voltar. Porque era eu mesmo. Não tinha aqui um homem, nem um pai, nem ninguém que falasse por mim. Era eu. Acho que a nossa atitude acaba por moldar aquilo que vem na nossa direção. E que sim, que existe, até hoje”.
Este também é um tema dentro da própria estrutura do Rock in Rio, que procura sempre a diversidade de género. Tirando o board, onde é apenas a Roberta, as mulheres têm vários lugares nas equipas (cerca de 68%).
“O que estamos a trabalhar muito do último ano para cá é a diversidade de género, raça, porque entendemos que isso é uma riqueza para a empresa e nós não olhávamos para isso internamente, apesar de no evento sim. Temos feito mais processos seletivos abertos, para garantir que estamos mais disponíveis para perfis variados de pessoas se juntarem a nós”, conclui.