A mecânica é sempre a mesma e tem pouco que enganar: são 30 segundos entre o pedido feito pelo cliente e o hambúrguer (200 gramas, grelhado, bem, médio ou mal passado) estar no prato, ao lado do arroz thai e das batatas fritas caseiras. Ou do esparregado. O prato, aquecido, vai para o tabuleiro ao lado dos talheres e por norma, do copo cheio de limonada “feita mesmo com limões”. No final, a conta da refeição dificilmente chegará aos dois dígitos.
O H3 nasceu há oito anos e queria mudar a forma de pensar os hambúrgueres. A facturação superior a 30 milhões de euros no ano passado e a presença em três continentes indicam que o conseguiu. A vontade de crescer e os resultados líquidos positivos confirmam-no. Os números revelam que “desde que foi criado, [em 2007]” cresceu todos os anos. Em 2013 só crescemos 1%, mas crescemos”, diz a sorrir António Araújo, antigo advogado e um dos fundadores da empresa. Os outros dois sócios e fundadores são Miguel Van Uden e Albano Homem de Melo, primos direitos. Os três são amigos de infância, “já de terceira geração.
Os nossos avós eram amigos e os nossos pais também”, contam à FORBES numa conversa descontraída em frente a uma das primeiras lojas H3, no Amoreiras Plaza, em pleno coração lisboeta.
A história empresarial dos três empreendedores começou há pouco mais de dez anos, quando em 2004 decidiram abrir o restaurante Café 3, no Tivoli Forum. “Gostamos de comer e de cozinhar”, sintetiza Albano, que na altura presidia à agência de publicidade Young & Rubicam. “Era uma ideia deles os dois”, continua António. “O Miguel [que trabalhava na área imobiliária, na Cushman & Wakefield] tinha estado a comercializar o Tivoli Forum, na altura, e apercebeu-se de que havia aquele espaço. Eu estava fora dessas conversas”, atira. Mas não ficou de fora muito tempo. Miguel demitiu-se – “foi o que deu o passo mais corajoso”, diz Albano – e dedicou-se totalmente ao restaurante.
Foi um sucesso, pelo menos durante os almoços de 2.ªf a 6.ªf. O problema eram os jantares e os fins-de-semana, que deixavam a Avenida da Liberdade quase vazia e tornavam o Tivoli Forum num espaço pouco convidativo. Foram precisos apenas dois anos para perceberem que o negócio não estava no restaurante.
Um conceito único
A ideia de criar uma hamburgueria não era nova. Os hambúrgueres que hoje se comem no H3 seguem a receita dos que eram inicialmente servidos no Café 3. O primeiro passo foi dado em 2007 quando decidiram avançar com duas lojas: uma no Amoreiras Plaza e outra no centro comercial Monumental, no Saldanha, em Lisboa. Para o fazer agarraram em 400 mil euros, tudo poupanças amealhadas pelos três sócios ao longo das suas vidas. No ano seguinte acabaram por vender o Café 3 e abriram 14 novas lojas H3.
“O comentário que mais ouvimos depois do sucesso é: ‘como é que uma ideia que parecia tão óbvia não tinha surgido antes?’” conta Miguel, o mais circunspecto dos três. A verdade é que se tivessem escutado o que lhes diziam, a história teria sido outra. Felizmente fizeram ouvidos de mercador. “Antes de fazermos o H3 tínhamos muita gente a dizer para não o fazermos e que os hambúrgueres já existiam.
Temos a certeza absoluta de que se tivéssemos pedido um estudo a uma consultora teriam dito o mesmo”, refere Miguel, sublinhando que todo o estudo de mercado (que passou por várias visitas a centros comerciais) foi feito pelos jovens empreendedores, assim como o cálculo dos riscos associados ao negócio. Caso tivessem seguido outro caminho, o futuro dificilmente passaria pelos hambúrgueres.
“Teríamos agora um restaurante vegetariano com um canto de sushi”, remata com uma gargalhada Albano.
É claro que os hambúrgueres já existiam antes do H3, e quando se juntam a este prato as palavras fast food e centro comercial, é quase impossível não pensar imediatamente em cadeias como o McDonald’s ou o Burger King. Mas o que estes três amigos queriam era apresentar um conceito totalmente novo. “Nunca encontrámos este conceito de hambúrguer no prato com arroz em lugar nenhum no mundo”.
A primeira dificuldade foi precisamente explicar aos centros comerciais por que tinham de ter um H3. À falta de muitas lojas, fez-se uma brochura explicativa. É Albano quem lidera a área de marketing da empresa – “sempre fui director criativo, copywriter. Ter sido presidente da Young foi só uma coisa que aconteceu”. A brochura que fizeram era tão completa que quando estavam a tentar abrir a quinta loja tiveram uma reunião em que ouviram “ah, sim! Precisamos de marcas com esta dimensão”.
É entre risos que Albano recorda esse encontro – “E nós: ‘mas só temos quatro lojas. A brochura é que já é enorme.’ Precisávamos mesmo de uma brochura para abrir portas porque quando ligávamos a dizer que tínhamos hambúrgueres diziam-nos que não estávamos bons da cabeça. Era preciso explicar que tínhamos uma coisa nova”.
Demorou pouco tempo a serem os centros comerciais a virem ter com eles a propor fazer negócio. “Por isso é que não consigo entender por que é que os restaurantes se vão copiar em vez de fazer uma coisa nova. Dou sempre o exemplo de três conceitos bons que acabaram por ser nada: Companhia das Sandes, Casa das Sopas e Vitaminas. Hoje em dia todas as lojas têm uma panela de sopa e todas as lojas de sopa vendem sandes e salada”, remata António, enquanto os outros dois sócios anuem.
Novos mercados e novos produtos
O antigo advogado admite que, apesar de estranho, em Portugal o conceito não foi difícil de pegar. “As pessoas não estranham quando vêem porque toda a gente come hambúrguer em casa. Mas a verdade é que para as outras pessoas, em outros países, não é assim tão normal”.
A prová-lo está a tentativa falhada da entrada na Polónia. Ainda chegaram a ter uma loja, mas acabaram por desistir. Já o Brasil, por exemplo, não tem parado de crescer.
Às 46 lojas H3 em Portugal juntaram-se, nos últimos anos, mais 17 lojas no Brasil – destas, 14 são lojas próprias. E não contam parar por aqui, apesar de não estar a ser um mercado fácil. “Investimos com o euro a valer 2,5 reais e estamos a ter retorno com o euro a valer 4,70 reais…”, lembra António. Mas garante que estão “para ficar” e que sabiam que o investimento era a longo prazo. Actualmente já é possível encontrar lojas H3 em São Paulo, Salvador da Bahia, Recife ou no Rio de Janeiro.
Em Angola, o H3 abriu no ano passado uma loja no Belas Shopping, em Luanda. O crescimento dependerá “da vontade do parceiro local”, mas gostavam de abrir mais lojas. “Só que parece que andamos atrás das crises”, diz meio a brincar, meio a sério, Albano. “Abrimos e Portugal entrou em crise, depois foi o Brasil e agora Angola”, nota. “O Mundial de Futebol [no Brasil, em 2014] foi uma catástrofe, em termos de negócio”, lembra António. Nada que os assuste. “Para estar no Brasil quando ele cresce, temos de estar quando a economia está em baixa”, nota.
E não têm pressa, garantem. Tal como não se assustaram com o boom de hamburguerias a que se tem assistido em Portugal nos últimos anos. “Não vieram replicar o nosso conceito, mas sim os americanos ou ingleses de hambúrgueres no pão”, salienta Albano. Por isso mesmo acreditam que é possível continuar a expandir internacionalmente.
Na mira estão mercados como Londres ou Paris – “mas temos de desenvolver primeiro as lojas de rua, porque são cidades onde não há shoppings como aqui” –, o Médio Oriente e, claro, EUA. “Mas temos de ir com bastante solidez e não queremos falhar. É que não temos medo nenhum de entrar nos EUA. Temos a certeza de que não têm hambúrgueres melhores do que os nossos”, afirma António.
Ao longo dos últimos anos, o negócio proliferou também em termos de produto. Além do H3, os três amigos abriram o Slow – especialista em carne cozinhada a baixa temperatura – e uma Empadaria. Esta última aposta é ainda um resquício do que foi o projecto conjunto com o chef José Avillez, a “Empadaria do Chef”. Contudo, os três empreendedores reconhecem que não estava a resultar. Por isso, separaram-se e as lojas Empadaria foram sendo transformadas em lojas Slow.
A ideia da carne a baixa temperatura é culpa da família. Na verdade, do irmão de Miguel que quando casou lhes pediu um catering low cost para cerca de 300 pessoas. Já lhes tinham oferecido a máquina de cozer a baixa temperatura, e além dos hambúrgueres, acharam que os convidados podiam gostar da carne cozinhada dessa forma. Era também uma amostra razoável em jeito de estudo de mercado. O resultado? Catorze lojas Slow, para já.
Contas feitas e em dez anos, os três amigos tiveram restaurantes vendidos, países abandonados e investimentos que tardam em dar retorno. Mas nem por isso perderam o optimismo com que olham para o futuro, nomeadamente para o ano que agora começa. “Vamos avançar com os projectos das lojas de rua, primeiro em Lisboa, depois no resto do país. Sem elas, não poderemos ir para outras cidades europeias”. Sem pressas. Simples, assim.