Como e quando sentiu que ser escritor iria ser a sua principal forma de vida?
Comecei a viver quase exclusivamente da minha escrita em 2005, quando deixei de dar aulas na Universidade do Porto. Queria continuar como professor, mas tinha de ajudar a minha mãe, que, na altura, estava muito debilitada e doente em Nova Iorque. A administração da Universidade recusou dar-me licença sem vencimento. Daí, entreguei a minha demissão. Podia ter vivido da minha escrita antes disso, mas gostava de dar aulas. Foi particularmente útil para me tirar de casa, pois arrisco-me a ficar muito isolado quando escrevo um romance. Hoje é um alívio enorme conseguir viver das vendas dos meus livros, em Portugal e no resto do mundo. Dá-me muita liberdade. E é ótimo não ter nenhum chefe que possa mandar em mim.
Como se define enquanto escritor? O escritor que escreveu o Último Cabalista de Lisboa é o mesmo que escreveu a Aldeia das Almas Desaparecidas?
A minha identidade não está muito ligada a um livro em particular. Nem à minha escrita em geral. Curiosamente, defino-me mais com base em momentos muito pessoais e subtis. Por exemplo, penso frequentemente nas mãos suaves da minha mãe quando lhes pegava no hospital, nos seus últimos dias de vida. Sou esse filho que tinha uma ligação inquebrável à mãe. Quando penso na escrita, identifico-me sobretudo com os personagens e o processo – a luta durante vários anos para criar “pessoas” fascinantes e uma narrativa cativante. Por exemplo, penso nos meses de pesquisa que fiz para escrever A Aldeia das Almas Desaparecidas, e no enorme prazer de viver quatro anos com Isaaque e Flor e as outras personagens. Aliás, ainda persistem no meu interior!
Onde vai buscar a inspiração para as suas obras e para a construção das suas personagens?
Em geral, o enredo de cada livro desenvolve-se ao longo do processo de pesquisa. Fico inspirado pelos pormenores da vida quotidiana do local em que o romance decorrerá. Quando escrevi O Evangelho Segundo Lázaro, por exemplo, li à volta de 40 livros sobre as condições sociais e os movimentos espirituais em Jerusalém há 2000 anos. Aprendi muito. Por exemplo, sobre as limitações impostas às mulheres. Daí, consegui explorar as grandes dificuldades que as irmãs do Lázaro enfrentavam para conseguir uma educação. As lutas delas – e os resultantes conflitos com o irmão – são uma parte importante do livro. Ainda escrevo sobre o judaísmo porque as suas tradições e a sua mitologia me apaixonam.
Qual a fórmula que utiliza para desenvolver o seu processo de escrita? Se é que existe alguma…
Não tenho qualquer fórmula. Talvez deva haver uma para conseguir enquadrar os meus romances nas modas e conseguir melhores vendas e prémios. Mas tenho uma limitação: só consigo escrever sobre assuntos que me apaixonam. Tenho uma personalidade muito subversiva e adoro escrever sobre temas que os outros não querem explorar. Daí, o meu interesse pelas pessoas esquecidas. Por exemplo, escrevi O Último Cabalista de Lisboa, sobre os cristãos-novos mortos no Massacre de Lisboa de 1506, um crime contra a humanidade que tinha sido eliminado da história portuguesa. Os dois mil mortos queimados no Rossio estavam quase completamente esquecidos antes de o meu livro sair.
É possível viver da escrita em Portugal? Qual o segredo para o seu sucesso?
Os índices de leitura em Portugal são baixos, daí não ser fácil, mesmo para autores consagrados. Não tenho segredo. Simplesmente, escrevo sobre tópicos e pessoas que me fascinam, presumindo que vão também fascinar alguns leitores. Felizmente, é isso que tem acontecido. Trabalho imenso também – até 8 horas por dia durante dois anos ou mais. O sucesso comercial é importante, mas não me motiva. O meu objetivo é contar uma história maravilhosa – comovente e dinâmica, cheia de humor, tristeza e momentos de euforia e beleza quase inefável. Se o conseguir, considero o livro um sucesso, ainda que os críticos não gostem e as vendas não sejam famosas.