A Novo Verde – Sociedade Gestora de Resíduos de Embalagens é responsável pela recolha, valorização e reciclagem de embalagens e resíduos e embalagens, sendo que a sua criação introduziu pela primeira vez concorrência neste setor. Já a ERP Portugal – Entidade Gestora de Resíduos nasceu no seio da European Recycling Platform, a primeira plataforma europeia dedicada à gestão de Resíduos de Equipamentos Elétricos e Eletrónicos (REEE), incluindo ainda a gestão de Resíduos de Pilhas e Acumuladores (RPA) e Resíduos de Embalagens (RE). Ricardo Neto preside as duas organizações, tendo assumido funções na ERP em 2005 e criado a Novo Verde em 2014.
Como está Portugal em relação às metas europeias para a reciclagem?
Portugal está atrasado no caminho que precisa de percorrer para cumprir as futuras metas dos resíduos de embalagem, que são muito desafiantes. No que concerne às embalagens de consumo, as que se encontram no âmbito atual da Novo Verde, as metas de recolha diferem de material para material e existem dois materiais mais críticos do que os outros: o vidro e o alumínio. Na realidade creio que será um grande desafio conseguir atingir a recolha necessária nestes materiais para cumprimento das metas europeias traçadas para 2030. No que respeita ao material plástico, na nossa ótica, a preocupação não é tão grande.
Importa ter em conta que, atualmente, a Novo Verde atinge 59% de recolha numa meta global de 60% e que, em 2030, esta meta será de 70%.
“Existe todo um mercado paralelo de equipamentos fora de uso, completos ou das suas partes e peças, com vista a obter receitas adicionais e ilegais”.
E no caso dos equipamentos eletrónicos?
Existem ainda muitos desafios em outros tipos de resíduos, nomeadamente nos resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos (REEE) e nos resíduos de pilhas e baterias. A gestão dos REEE reveste-se de uma complexidade extrema, quer em termos dos envolvidos na recolha – Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU), Distribuição, Operadores de Gestão de Resíduos (OGR), entre outros – quer pelo valor intrínseco que apresentam, quer pelo facto de conterem substâncias nocivas, caso não sejam sujeitos a tratamentos próprios com vista a protegerem a saúde e o ambiente. Note-se que um frigorifico cujos gases não sejam sujeitos a tratamento específico, ou seja, libertados sem controlo para atmosfera, provocam danos irreparáveis na camada de ozono. Este é o dia a dia em Portugal. Quem não viu ainda um frigorifico canibalizado na rua? Muitas vezes os cidadãos fazem o que lhes compete, chamam os serviços municipais para recolherem os seus REEE, mas entre a colocação na rua para recolha e a sua efetivação existem outros cidadãos, que contra a lei, canibalizam ou desviam os equipamentos fora de uso, afetando as metas a que o país está obrigado. Em suma, existe todo um mercado paralelo de equipamentos fora de uso, completos ou das suas partes e peças, com vista a obter receitas adicionais e ilegais, que é muito maior do que o mercado formal das Entidade Gestora de Fluxos Específicos (EG) onde são dadas todas as garantias de rastreabilidade e tratamento apropriado dos resíduos.
No que respeita às pilhas e baterias, também se verificam problemas no cumprimento da meta comunitária. De qualquer forma, os obstáculos que enfrentamos são diferentes dos REEE, dado que estes resíduos não têm valor para o mercado paralelo, são barreiras comportamentais dos consumidores que precisam de ser quebradas, sendo necessária a sensibilização e educação ambiental sobre esta problemática específica.
O que poderia ou deveria ser feito para melhorar a situação?
Nas embalagens, para analisarmos este atraso e o que pode ser feito para o recuperar, importa distinguir entre resíduos de embalagens urbanos, maioritariamente os que são depositados nos ecopontos de rua e os resíduos não urbanos, os que são produzidos por indústrias que os gerem e financiam o seu descarte correto entregando-os às OGR.
Por imposição comunitária, a situação vai ser alterada, à semelhança do que acontece às embalagens de consumo, que pagam ecovalor (contribuição financeira), para que os respetivos resíduos urbanos sejam geridos por uma EG, o mesmo princípio, da responsabilidade alargada do produtor (RAP), será aplicado às embalagens industriais, facto que resultará na ecovalor destas embalagens para o sistema integrado, o que virá a possibilitar uma gestão mais controlada por parte das EG, que queiram alargar o seu âmbito, a este tipo de embalagens e respetivos resíduos.
“A colocação no mercado de embalagens, sejam de consumo, sejam industriais, totalizam 1,8 milhões de toneladas, o que corresponde a uma recolha de 1,26 milhões de toneladas se aplicarmos a meta global preconizada para 2030”.
Falamos de que quantidade de embalagens e resíduos?
A colocação no mercado de embalagens, sejam de consumo, sejam industriais, totalizam 1,8 milhões de toneladas, o que corresponde a uma recolha de 1,26 milhões de toneladas se aplicarmos a meta global preconizada para 2030. No meu entendimento, apesar de desafiante, julgamos possível atingir estes objetivos. Se tomarmos como exemplo o vidro, que em 2016 tinha uma taxa de recolha de 51% e cinco anos após a entrada de concorrência no setor, embora ainda não se tenha atingido a meta (60%) se situa nos 54%, diria que estamos no bom caminho, dada a evolução a que temos assistido.
Novas abordagens junto dos cidadãos e das indústrias que facilitem e financiem o descarte dos resíduos de embalagens terão de ser obrigatoriamente consideradas, sendo fundamental a implementação e controlo pelas EG, dado terem produtores e embaladores na sua génese e que confiam à EG o cumprimento em matéria de RAP.
E no caso dos resíduos elétricos e eletrónicos?
Nos REEE existem diversas soluções, que não passam obrigatoriamente pela penalização financeiras dos fabricantes e consequentemente dos consumidores como tem sido largamente advogado por alguns operadores (note-se que as EG têm a exclusividade do cumprimento da meta nacional, mas não têm a exclusividade da gestão do resíduo, algo está errado) dado que quem deve ser penalizado é o canal paralelo que funciona à margem da lei e, logo, deve ser observado com muita atenção pelas autoridades competentes. No entanto, entendo que existem instrumentos que nos podem auxiliar a controlar o mercado, alguns já a funcionar, e bem, como é o caso do controlo operacional por parte da EG, o que tem sido muito bem aproveitado pela ERP Portugal para garantir uma rastreabilidade do resíduo a 100% através da gestão de centros de receção próprios, mas outros que devem ser impostos na nova geração de licenças que se prevê para 2024: a obrigatoriedade de recolha porta a porta pelos municípios ou pelas próprias EG com a proibição de colocação de REEE na via pública como hoje acontece, a implementação de processos de rastreabilidade, através de QR code ou código de barras, nos grandes equipamento fora de uso entregues aos distribuidores, como acontece atualmente em Espanha, e a obrigação de entrega dos REEE às EG ou a OGR que com estas mantenham contrato.
“As metas das pilhas e baterias, para serem cumpridas, irão impor às EG grandes investimentos no reforço das redes de recolha capilar, próprias ou municipais”.
As metas das pilhas e baterias, para serem cumpridas, irão impor às EG grandes investimentos no reforço das redes de recolha capilar, próprias ou municipais, bem como investimentos adicionais na sensibilização e educação dos cidadãos e consumidores que deverão acontecer após o reforço referido. Embora a ERP Portugal tenha mais de 8 mil pontos de recolha no país, os resultados alcançados mostram-nos a necessidade de reforço das redes e sua divulgação.
Para estes dois fluxos, REEE e pilhas, importa também que sejam traçadas metas progressivas para o horizonte temporal das novas licenças, concretizáveis, à medida que os instrumentos acima sejam aplicados.
Que modelo ou modelos defende para a reciclagem, nomeadamente na recolha junto dos consumidores, para que estes sejam mais ativos?
Para além do que já referi, entendemos que, em alguns tipos de fluxos de resíduos, nomeadamente o da embalagem, os incentivos funcionam bem. Isto é o que nos mostra o nosso mais recente projeto piloto que estamos a desenvolver com o Cash & Carry Recheio e a Valorsul, onde os clientes desta insígnia são compensados com 35 cêntimos por cada kilograma de resíduos de embalagem entregue na loja. Até agora os resultados são animadores e, a continuarem assim, é um modelo que pode ser expandido e implementado em outras lojas.
De que forma a Novo Verde está a contribuir para a mudança de paradigma na sociedade em relação à reciclagem?
O exemplo do projecto em parceria com o Recheio é um espelho do que fazemos e desenvolvemos. As fortes campanhas de sensibilização junto das crianças é outra aposta forte, mas acima de tudo, a concorrência obriga à inovação e a desafiar processos instalados e dados como garantidos.
Como foi entrar num mercado onde apenas existia um operador e desbravar caminho neste setor? Sentiram mais barreiras devido ao monopólio existente?
Foi difícil. Levou 10 anos de trabalho árduo, desafiando o status quo e o incumbente, como referi anteriormente. As barreiras não creio que tenham sido propriamente do monopólio, mas dos decisores que demoraram a entender que lhes é mais fácil exigir o cumprimento de metas se tiverem mais do que uma EG a operar o mesmo fluxo de resíduos, ou seja, concorrência.
A concorrência é, e sempre foi, a melhor forma de garantir eficiência, independentemente de o mercado ser mais ou menos regulado, salientando que o português é o mais regulado que conheço. Em 2006, a ERP Portugal não deixou que o monopólio se instalasse no fluxo dos REEE, existindo hoje três EG a gerirem este tipo de resíduos. Mais tarde, em 2010, acabou o monopólio das pilhas e baterias que existia desde 2003 tendo sido atribuída uma licença à ERP Portugal e finalmente as embalagens, em 2016, com a licença da Novo Verde.
O trabalho não está terminado, dado que novos fluxos de resíduos se perfilam e cá estaremos a defender os princípios que nos regem.
“Fomos pioneiros na instalação destas redes, com resultados de que nos orgulhamos, seja a recolha de mais de 1,5 milhões de garrafas de PET em parceria com o Pingo Doce, o Município de Mafra e a Tratolixo ou o mais recente projeto de incentivo que descrevi acima”.
Em que consiste o Sistema Integrado da Novo Verde, em que se distingue e de que forma é uma alternativa neste setor?
Dada a forte regulação do setor em Portugal, o nosso sistema integrado segue o que nos é imposto, trabalhando nas operações principalmente com SGRU. Mas temos conseguido mostrar a estas entidades que as limitações impostas às redes de recolha própria de embalagens, não fazem sentido e que, a serem alargadas, podem contribuir para as suas metas especificas. Fomos pioneiros na instalação destas redes, com resultados de que nos orgulhamos, seja a recolha de mais de 1,5 milhões de garrafas de PET em parceria com o Pingo Doce, o Município de Mafra e a Tratolixo ou o mais recente projeto de incentivo que descrevi acima.
Por outro lado, o nosso nível de serviço junto dos produtores e embaladores é muito elevado, considerando o feedback que recebemos. Diariamente apoiamos centenas de empresas a cumprirem as suas obrigações ambientais em matéria de RAP e a adesão de novas empresas ao nosso sistema é o reconhecimento do trabalho que levamos a cabo.
Não podemos esquecer o nível de ecovalores praticados, que são justos e garantem a competitividade dos materiais de embalagem, para nós uma das mais importantes funções de uma EG de embalagem: garantir o cumprimentos das metas sem interferir na competitividade entre materiais.
“A pandemia representou uma oportunidade para desenvolvermos outras formas de comunicação e sensibilização dos cidadãos, que embora já fossem utilizadas, passaram a ser o principal veículo: as redes sociais”
Que impacto teve a pandemia na vossa atividade?
Como em todas as empresas tivemos que nos reinventar, quer a nível interno, quer nas operações e relação com os stakeholders. Mas foi também uma grande oportunidade para desenvolvermos outras formas de comunicação e sensibilização dos cidadãos, que embora já fossem utilizadas, passaram a ser o principal veículo: as redes sociais. Aproveitámos os confinamentos para comunicar nestes canais, dado que nessas alturas havia uma grande disponibilidade das pessoas para ouvirem e foi o que fizemos: sensibilizámos. Sendo que, em 2020, ao contrário do que era expectável, a recolha seletiva cresceu 5% face ao ano anterior.