“Um empreendedor nunca desiste. Não sabem quando sair. A empresa pode morrer, mas eles nunca desistem”.
A frase é sua, disse-a durante a conversa com a Forbes. Mas, mesmo que nunca a tivesse dito, Uri Levine seria a prova de que esta é a definição exata de um empreendedor. Hoje é um duocorn, fundador de duas empresas com uma avaliação superior a 1000 milhões de dólares (unicórnios). Só que, ao mesmo tempo que falamos destas duas empresas (Waze e Moovit), o empresário já está no caminho para o seu terceiro unicórnio. Ao mesmo tempo, diz-se envolvido numa dezena de startups – duas delas em Portugal.
“Tenho cerca de 10 startups diferentes. A maioria em Israel, mas tenho duas em Portugal que são muito interessantes. A maior parte do meu tempo é investido em ajudar essas startups a tornarem-se mais bem-sucedidas, orientando e treinando os diretores executivos, criando um veículo de investimento, ajudando-as também a obter financiamento. Até agora tenho dois unicórnios, estou a construir o terceiro e depois o quarto, e vou continuar”, diz à Forbes.
Em Portugal falamos da Atlantrees, uma plantação de abacate de alta tecnologia, e da Leadzai, em que ajudam as pequenas empresas a obter mais utilizadores, mais clientes, para que possam crescer. “A plantação de abacate é do meu filho. Ele estava em Israel, numa startup de tecnologia agrícola, e depois decidiu que gostaria de viver a experiência a sério. Investigou e percebeu que fazê-lo em Portugal é, de facto, a melhor ideia de negócio que poderia ter. E eu estou obviamente a ajudá-lo. A outra startup conheci por coincidência numa conferência. Houve um clique imediato, e decidi que os ia ajudar”, conta Uri Levine.
Agora familiarizado com o ecossistema empresarial em Portugal, o duocorn já consegue traçar um retrato da realidade do País. “Eu diria que os negócios tradicionais têm um tipo de mentalidade, e as startups são muito diferentes. As startups têm a mentalidade de ‘vamos fazer coisas’”, explica. Desta forma, considera que existem quatro pontos que levam – ou não – uma startup ao sucesso. Em primeiro, os empreendedores, aqueles que garantem que “a paixão pela mudança é muito maior do que o medo do fracasso”, em segundo estão os investidores, depois os engenheiros e a experiência. Uri, e olhando para Portugal, diz que ainda “há um grande medo de falhar e há menos paixão; há mais capital de risco ou investidores a apostar em startups portuguesas, mas ainda não são suficientes; não há engenheiros suficientes”.
E sobre a experiência? “Os empreendedores que se lançam pela segunda vez têm muito mais probabilidades de serem bem-sucedidos. E isso significa que precisamos de trazer mais experiência para o ecossistema. O que tento fazer com o livro é trazer essa experiência, apesar de se tratar apenas de um livro, e, obviamente, aprender fazendo vai ser muito mais significativo do que aprender lendo, mas ainda assim é muito mais do que nada”, explica o autor do livro Apaixona-te pelo problema, não pela solução.
O professor
Da prática à teoria foi um pequeno passo para Uri Levine. Como ele próprio diz, alguns empreendedores têm a capacidade de ser ao mesmo tempo professores, e outros nem por isso. Ele é dos que ensinam.
“A viagem do empreendedorismo vai ser uma montanha-russa com altos e baixos. Estamos a tentar construir algo novo que ninguém fez antes. E mesmo que pensemos que sabemos exatamente o que estamos a fazer, a realidade é que não sabemos. O que estou a tentar fazer neste livro é, em primeiro lugar, dar-vos as ferramentas para terem mais sucesso. Em segundo lugar, compreender o percurso e perceber o que é preciso fazer para ter sucesso, em que se devem concentrar e o que deve ser adiado para uma fase posterior do percurso”, conta.

Segundo Uri, o percurso na área do empreendedorismo está relacionado com a criação de valor, sendo que a forma mais simples de o fazer é resolvendo um problema. Sendo assim, o problema vai servir como uma estrela-guia na viagem até ao sucesso. “Imaginem que recuamos no tempo até 2007, mesmo antes de ter criado o Waze, e que vos digo que vou criar um sistema de navegação baseado em crowdsourcing de IA, o que é realmente inovador. Toda a gente vai dizer: ‘muito interessante’, mas ninguém quer saber. Se vos disser que vou ajudar-vos a evitar engarrafamentos, então vocês importam-se. Por isso, para mim, a viagem começa sempre com um problema”, diz.
O processo é simples: pense num problema, em seguida pergunte a si próprio ‘quem tem o mesmo problema?’ e, por fim, tome a decisão. “Se for a única pessoa no planeta com esse problema, sabe que mais? Vá a um terapeuta, é muito mais barato e rápido do que construir uma startup. Se muitas pessoas tiverem esse problema, o que deve fazer a seguir é ir falar com essas pessoas, compreender a sua perceção, e depois ir construir a solução”, diz.
O percurso
A base do negócio é importante para que o percurso vá na direção do sucesso. Nessa mesma base, Uri destaca a necessidade de uma missão e equipa corretas. “Estas são as duas partes essenciais que se pretende ter logo no início da viagem. Portanto, valide o problema ou valide a proposta de valor e, em seguida, crie uma equipa muito forte. Se não o fizermos, é muito provável que fracassemos”, explica.
Neste primeiro instante contam também as características e comportamentos do próprio empreendedor. Em relação ao primeiro ponto, ao olharmos para diferentes empresários, geralmente encontramos pessoas “problemáticas, que não aceitam nada como garantido, têm pouco medo de falhar e, sendo assim, estão dispostas a correr mais riscos”. Só que o segundo ponto é ainda mais importante: “Um é nunca desistir, e esta vai ser uma viagem muito desafiante. Tomar decisões difíceis com convicção, construir equipas fortes, ouvir os clientes. Todos estes comportamentos são os que realmente vão tornar o empresário bem-sucedido ou aumentar a sua probabilidade de ser bem-sucedido. E estes comportamentos são fáceis de aprender.”
Quando chega o momento de atrair investimento, também é importante ter algumas coisas em conta. Até porque, defende o empreendedor, se construir uma empresa é comparável a uma viagem numa montanha-russa, a angariação de fundos é igual, mas numa montanha-russa no escuro.
“Se olharmos para o sócio de uma empresa de capital de risco, é provável que ele veja talvez 100 ou 200 empresas por ano. E vai investir em 1%. O que isso significa para o empresário é que tem 1% de probabilidade de ser financiado, o que basicamente significa que vai ouvir 99 vezes não e uma vez sim. E não há nada na vida que nos prepare para ouvir 99 vezes não”, afirma, destacando que uma das melhores dicas que pode deixar para que um empresário consiga angariar um novo investidor passa pela capacidade de contar uma boa história.
Com a empresa a funcionar, o objetivo começa a apontar direções para o topo: o título de unicórnio. Para alcançar essa meta existem quatro pontos que precisam de estar alinhados: “É preciso estar num mercado bastante significativo. Ou seja, muitos clientes ou muito dinheiro. O segundo é que é preciso descobrir a adequação do produto ao mercado, ou seja, o valor que se cria para o mercado a que se dirige. O terceiro é a necessidade de descobrir um modelo de negócio. Como é que se vai ganhar dinheiro com o valor que se cria.
E o quarto é a necessidade de descobrir o crescimento. Como se tornar realmente um líder de mercado em termos de quota de mercado. Cada uma delas é uma viagem por si só. E cada uma delas será uma longa viagem numa montanha-russa de fracassos”, conclui.
(Artigo publicado na edição agosto/setembro 2024 da Forbes Portugal)