Lara de Sousa Dantas, 25 anos, tinha um sonho: partilhar a história de vida dos seus avós, criando um projeto que os homenageasse. Quando o infortúnio lhe bateu à porta, em 2019, com o falecimento súbdito do seu avô, António Sousa, aos 75 anos, esteve três meses sem ir às aulas na faculdade, onde cursava Direito. O desgosto foi grande, mas viu nele uma oportunidade de dar a conhecer ao mundo o homem que muito era acarinhado na cidade de Braga. Como o quintal dos avós, na zona da Sé, era reconhecido quase como um ex-libris da cidade, com o nome de Coração de Braga, com as suas flores e cerâmicas, falou com a mãe, Regina, e a avó, Maria Rosinha, sobre a ideia de criar uma página de Instagram para divulgar a história dos avós e do quintal. E, com a sua aprovação, assim fez.
Quintal de Flor foi o nome que lhe deu na altura, em fevereiro de 2020, que pouco mais servia do que para contar as histórias da família e fazer algumas vendas de arranjos de flores originais, todas colhidas no quintal. Como o seu avô, escrivão de direito, se envolvia em inúmeros projetos sociais, o apoio à página do Instagram foi imediato: de todo o lado choviam mensagens e encomendas, primeiro de Braga, depois de todo o país. Atualmente a página é um negócio de artesanato, que já evoluiu das flores para as cerâmicas, tendo atualmente produtos na área da cestaria, loiças de mesa e têxteis. Em três anos alcançou os 57 mil seguidores no Instagram, 100 mil subscritores no site, e faz cerca de 230 vendas por semana. Foi o projeto mais jovem a ser convidado a participar na loja Portefolio no aeroporto de Lisboa, já vendeu para a Estée Lauder, esteve presente no London Fashion Week e vai ter um vídeo de apresentação no Time Square, no Outono deste ano.
O início de uma história de sucesso
Como é que tudo isto aconteceu tão rapidamente em plena pandemia? Lara sabe que nada vai ter consigo se não for à procura do que quer. Focada e trabalhadora, arregaçou às mangas e pôs mãos à obra quando percebeu que estava a receber imensos pedidos de ramos de flores. “O quintal dos meus avós era um espaço encantador, repleto de flores, cheiros e memórias que se entrelaçavam para criar uma sensação de nostalgia sempre que íamos lá. Era o nosso refúgio, família e amor”, refere Lara de Sousa Dantas.
Inicialmente este não era um projeto comercial. Lara estudava e apenas queria dar a conhecer as histórias que envolviam aquele local de memórias. Mas assim que surgiu o lockdown, na Páscoa, recebeu 30 encomendas de ramos do jardim. Pôs toda a família a trabalhar e foram entregar os ramos personalizados, com papel criado por si, e mensagens únicas, como poemas, que criavam para o efeito. Recorda que uma encomenda era para entregar em Lisboa e o valor do ramo nem compensava a deslocação, mas lá pegaram no carro de família e fizeram a entrega no seu destino.
“A partir daí começaram a surgir mais encomendas e começou a tomar forma de um projeto comercial. Eu saía da Faculdade e ficava a responder a pedidos até à uma hora da manhã. No espaço de um ano tínhamos 10 lojas a pedir para revender as nossas peças e eu já não conseguia dar conta do recado”. Foi então que a mãe, que fora professora e largara o ensino, e que se tinha lançado num projeto de eventos, largou esse trabalho e veio em socorro da filha. Os ramos eram personalizados com o nome da pessoa a quem se destinavam. “Costumamos dizer que as flores não são para ocasiões especiais, as flores é que tornam as ocasiões especiais. O meu avô estava sempre a oferecer flores à minha avó e não queríamos ter só aquele conceito de ramos de rosas de luxo. Eram apenas flores do quintal do meu avô, que ainda tinha alguma produção, flores selvagens e simples”.
Depois das flores, vieram as cerâmicas
A mãe já tinha experiência em trabalhar flores na empresa de eventos, e a quatro mãos colocaram o projeto em pé. “Comecei a partilhar muitos ramos no Instagram e a reação das pessoas era óptima”, revela. No primeiro ano, o que ganhava dava apenas para entregar as encomendas, mas surgiu logo a ideias das cerâmicas. Contactou um fornecedor, já conhecido do avô, onde comprava os cântaros e cerâmicas do jardim e encomendou umas cerâmicas com caras, uma maior e uma mais pequena. Também estas seguiam para os clientes personalizadas com mensagens. “As primeiras que lançamos foi a coleção Portuguesa, pelo sinónimo da mulher portuguesa a sair da sua zona de conforto, e esta é a peça que mais vendemos. Colocamos também a medalha de Santa Teresinha, porque é a medalha da sorte aqui no norte”, explica Lara. Relembra que o projeto começou a crescer sobretudo porque colocaram muito amor nos detalhes, seja na pintura, seja no formato da cerâmica. A partir da daqui surgiram muitas mais peças. São já 23 os fornecedores portugueses e locais com que a marca Quintal de Flor trabalha na área da cerâmica.
“Cada um é especializado numa única peça. Cada fornecedor só faz essa peça, para permitir a identidade de cada um”, conta. Fornecedores em Alcobaça fazem cerâmica lisas, fornecedores do norte que fazem as caras, outro há que é especialista nas andorinhas. “Nós partilhamos sempre as histórias únicas dos nossos fornecedores, não temos o crédito da produção. Isto cresceu porque tive sempre muito apoio dos fornecedores que trabalham connosco. A produção em massa é ótima ao nível de prazos, mas também acabamos por perder a identidade e o respeito pela individualidade”, explica Lara.
No primeiro ano de atividade, e ainda a acabar a fazer o mestrado de Direito Social e Inovação, Lara conseguiu faturar 180 mil euros.
A diversificação dos produtos
Com as peças de cerâmicas vieram outras peças de decoração. Introduziram as telas de arte, feitas e produzidas por artistas portugueses, a seu pedido. “Lançamos a edição Francisca, inspirada na minha irmã, e na vida dela. Para nós é fundamental de haver sempre uma história por detrás de cada produto”, diz. Todas as telas têm desenhos de flores, são mulheres com flores a sair da cabeça ou do coração, e representam o libertar os pensamentos e voar para aquilo que queremos ser.
Entretanto o modelo de negócio evoluiu para a decoração de interiores, suportada em produtos artesanais. Depois de inúmeros contactos, feitos pessoalmente por Lara, que não abre mão dos seus ideais, surgiu, em maio de 2021, o convite do Aeroporto de Lisboa, para que a marca vendesse os seus produtos na loja Portefolio, dedicada à portugalidade. “Na altura tínhamos uma montra, agora já temos três. Este foi o nosso espelho para o mercado internacional. Numa semana esgotámos quase as 90 peças e a partir daqui a marca começou a ganhar mais seguidores internacionais”, explica Lara.
Daqui surgiu a possibilidade para estar presente no Aeroporto de Madrid, e foi esta presença que representou o grande salto a nível internacional, pois várias marcas espanholas começaram a contactar para revender as peças.
Como o crescimento foi rápido, tornou-se muito difícil para os fornecedores acompanharem o ritmo das encomendas. “O nosso maior problema é que temos um prazo de entrega de 15 ou 20 dias úteis, e às vezes de um mês, porque não conseguimos dar resposta imediata. Já perdemos clientes por isso, pois as pessoas não gostam de esperar no mercado online. Mas esta foi uma escolha nossa”, assume Lara. Explica que, quando envia uma encomenda, envia também a história do fornecedor e faz questão de referenciar de onde é, que é produção local, para as pessoas terem a noção que é muito difícil terem uma produção artesanal e produto pronto para entrega imediata.
Cestas exclusivas para a Estée Lauder
Entretanto, a empresária, que não baixa os braços nas adversidades – como foi a crise pandémica – enviou algumas peças para influencers americanas, inglesas, espanholas. Foi assim que foi contactada pela marca de beleza e cosmética Estée Lauder para que produzisse 50 cestas em vime, em preto e cor natural, para enviar, como press kit com os seus novos produtos, a algumas influencers com quem trabalham em exclusividade. Além deste pedido, o artesão – que é o mesmo que fez o seu berço e o dos seus dois irmãos – , fez ainda uma coleção cápsula de 150 de cestas em vime, com inicial em couro, para distribuir pelas lojas que vendem a Quintal de Flor. A receção foi tal, que se esgotaram em dois dias. Lara acredita que deve ter preços acessíveis a todos, mas ainda assim praticar o preço justo, pois todos tem de ganhar. “As nossas cestas custam 27,5 euros no nosso site, mas revendemos para lojas na Comporta que pedem por elas 120 euros”, diz.
Neste momento a marca está a crescer, já revende para lojas nacionais e internacionais e está empenhada em lançar novos produtos. A área dos têxteis é ainda recente, mas já dá cartas com a coleção de almofadas. Os padrões são inteiramente desenhados pela Quintal de Flor e são produzidos em Guimarães. “Tento sempre adaptar-me ao mercado. Como no verão ninguém compra decoração, tenho de mudar as coleções. Por isso criei os colares em cerâmica. Como vendemos quase 8 mil andorinhas em cerâmica, pensei fazer um colar com mini-andorinhas às cores, personalizados com a inicial do nome”, explica.
Tem dois cães, adora animais em geral e pratica equitação. Um dos sonhos de Lara é conseguir ter uma loja própria, mas ainda não arriscou nesse grande passo. Para já, vai avançar com workshops, no próximo, para pôr em contacto os clientes com os fornecedores. No próximo outono vai estar em destaque em Nova Iorque, pois um vídeo dos seus produtos, com 30 segundos, vai passar em Times Square. Mas este projeto está ainda no segredo dos deuses. Promete, contudo, continuar a contar as histórias que estão por detrás de cada peça que cria.