Foram dos primeiros importadores de vacas Holstein Frísia – uma raça de vacas leiteiras – para a ilha Terceira, perpetuando uma tradição que já vinha dos pais, e foi, por isso, no meio da lavoura que Helga, Telma e Diana cresceram. As três filhas de Francisco e Maria José Barcelos estão hoje, tal como os pais, completamente dedicadas à empresa que sob a designação Quinta dos Açores (desde 2012) tem estado a ganhar adeptos nas ilhas e sobretudo no continente. “Nós somos, antes de mais, produtores”, começa por dizer Helga Barcelos à FORBES, em tom rápido e assertivo.
A filha do meio é administradora desta empresa familiar que se tornou conhecida do grande público graças, sobretudo, aos gelados e iogurtes com sabores inusitados e de qualidade superior, com o selo ‘Açores’ bem visível. A família já estava no negócio das carnes desde os anos 1970 – e desde 1997 com a empresa Açorcarnes, entretanto renomeada Quinta dos Açores – mas só há cerca de cinco anos decidiu arriscar no sector dos leites.
Hoje a empresa tem também no seu portefólio leite fresco, iogurtes, gelados, queijo curado, fresco e requeijão, e ainda uma gelataria, um restaurante e um mercado abertos ao público. A decisão de diversificar o negócio não teve uma razão particular mas sim uma vontade comum a toda a família de fazer mais, de levar mais longe o nome do arquipélago.
Depois de um arranque difícil, em pleno ano de crise, a Quinta dos Açores começa agora a ver melhores dias: em 2016 a facturação superou os 12 milhões de euros e os prejuízos reduziram para 400 mil euros, a reflectir o fecho do investimento recebido nos anos anteriores e a renovação do inventário. No total, foram aplicados neste edifício, com janelas enormes e vista para o Monte Brasil, 8 milhões de euros: 50% veio da União Europeia, o restante eram capitais próprios e crédito bancário, esclarece Helga.
O projecto inicial do edifício previa que ele acolhesse simplesmente a indústria. Só que o pai achou que era um desperdício: hoje, a sede da Quinta dos Açores alberga os escritórios, a indústria de carnes e lacticínios, uma pequena loja e uma gelataria.
“Em 2008 éramos oito pessoas a trabalhar na garagem da nossa casa. Hoje somos 100…nós não sabíamos onde nos estávamos a meter”, solta a engenheira zootécnica com uma gargalhada antes de elencar as maiores dificuldades com que se deparou.
Aprendizagem constante
Profissionais experientes tanto na produção – o pai era funcionário público, mas decidiu dedicar-se à lavoura em 1977, depois de comprar as terras do sogro – como na comercialização de carnes, acreditaram que teriam nos seus clientes os primeiros parceiros quando enveredaram no ramo dos lacticínios. “Ingenuidade”, diz Helga. “Tínhamos cartas de aceitação das grandes superfícies para os produtos lácteos – nomeadamente da Sonae e Jerónimo Martins, que já fornecíamos ao nível das carnes –e achávamos que isso ia facilitar. Tínhamos noção de que estávamos a arrancar com produtos completamente diferentes, totalmente conotados com os produtos dos Açores”.
Só que com a chegada da crise veio também um reposicionamento e as grandes retalhistas avisaram que os consumidores não estavam preparados para os produtos de segmento médio-alto – o único posicionamento possível para os da Quinta dos Açores, não só pela qualidade como pelos custos de produção e transporte.
Na mesma altura entraram também em Portugal produtores de carne de outros países que penalizaram as vendas do grupo porque os clientes preferiram preços mais baixos. “Foram dois anos. Depois a maior parte dos clientes voltou porque percebeu a diferença na qualidade”, diz a sorrir. Entretanto, com a entrada dos produtos lácteos no El Corte Inglés – “que vai ser sempre o melhor cliente da Quinta dos Açores, porque foi quem nos abriu as portas em 2012” – a marca foi alavancada, e com a recuperação do sector das carnes – que ainda hoje sustenta o negócio – o caminho fez-se com menos percalços.
Às duas engenheiras zootécnicas, Telma e Helga, juntou-se a irmã mais nova, Diana. Licenciada em Economia, era consultora na Deloitte até ser chamada pela família para “dar uma ajuda” no negócio, em 2016. É que actualmente, o grupo Quinta dos Açores é composto por cinco empresas distintas: a Francisco Helvídio Barcelos dedica-se exclusivamente à produção de leite; a Maria José Barcelos dedica-se à exportação, importação e engorda convencional de animais; A Pastagem, que pertence às irmãs Tema e Helga, dedica-se à criação de animais puros de raça Limousine para reprodução e para a “Carne dos Açores; e a Quinta dos Açores e a Açorcarnes são as responsáveis pela indústria de lacticínios, carnes e animação turística.
O pai continua a ser o sócio maioritário do grupo – “ele tem medo das filhas. A sério!”, atira Helga com outra gargalhada – mas são as mulheres da família quem tem tomado as rédeas da actividade, juntando a modernidade à tradição e à qualidade e entrando sem medos em novos territórios. A matriarca está responsável por receber os visitantes na loja de produtos açorianos por que passámos à entrada – e aí vendem-se várias marcas, uma vez que o importante é promover a região.
“A indústria de lacticínios é totalmente fechada e não sabíamos nada sobre a realidade. Nada”, conta Helga, afirmando que nem sequer conseguiam aprender com os produtores nacionais porque não havia abertura para isso. Arregaçaram, por isso, as mangas, chamaram técnicos espanhóis e aprenderam tudo com eles. As formulações são da sua responsabilidade, mas só puderam dedicar-se a elas depois de dominarem as técnicas de produção.
“Fomos identificando as dificuldades e tentando colmatá-las”, diz-nos a administradora da empresa garantindo que é tudo uma questão de flexibilidade, de saber ler o mercado. “O nosso iogurte ‘Sabor dos Açores’ podia chamar-se Tutti Frutti. Mas ninguém gosta de iogurtes de Tutti Frutti. Portanto, como tem maracujá, ananás, laranja e banana, que são todos frutos do arquipélago, chamámos-lhe ‘Sabor dos Açores. É um sucesso”, exemplifica.
No mesmo sentido, foram inovando e arriscando em outros produtos: os gelados Quinta dos Açores têm sabores como Chocolate e Queijo da Ilha (foi o nosso favorito); queijada Dona Amélia (doce típico da Terceira) ou queijada da Graciosa – para além dos sabores mais clássicos.
A Quinta dos Açores exporta actualmente cerca de 14% da sua produção – maioritariamente carnes –, tendo em Espanha o seu melhor cliente. “Mas podíamos exportar mais”, garante a responsável.
O mercado das ilhas representa pouco mais de 5% do total da facturação. Isto porque o custo de transporte inter-ilhas é superior ao cobrado para enviar produtos para o continente, lamenta Helga.