“Queremos atingir os 100 milhões de euros de faturação até 2030”

Carlos Gonçalves fundou, com o seu pai, a génese da Casa Mendes Gonçalves quando tinha apenas 15 anos. Situada na Golegã, nasceu com o objectivo de produzir vinagre. Mais de quatro décadas depois, é um grupo alimentar que integra as marcas Paladin, Sacana e Moreno, e já fatura 60 milhões de euros. Com cerca de…
ebenhack/AP
Carlos Gonçalves, fundador da Casa Mendes Gonçalves, dona das marcas Paladin, Sacana e Moreno, revela em entrevista à Forbes Portugal, que a empresa já atingiu os 60 milhões de euros de volume de negócios, mas que a ambição é ultrapassar a fasquia dos 100 milhões de euros nos próximos cinco anos.
Negócios

Carlos Gonçalves fundou, com o seu pai, a génese da Casa Mendes Gonçalves quando tinha apenas 15 anos. Situada na Golegã, nasceu com o objectivo de produzir vinagre. Mais de quatro décadas depois, é um grupo alimentar que integra as marcas Paladin, Sacana e Moreno, e já fatura 60 milhões de euros. Com cerca de 400 colaboradores, a sua ambição passa por ultrapassar a fasquia dos 100 milhões de euros de volume de negócios até 2030. Para este crescimento contribuirão os 10 a 15 milhões de euros que a Casa Mendes Gonçalves vai investir nos próximos cinco anos.

Conheça a seguir quais as principais linhas de atuação da empresa nacional e os objetivos futuros traçados por Carlos Gonçalves, que se apresenta com o cargo não de CEO, mas de CEODI – Chief Executive Officer of Dream and Instability. Isto, porque o líder da companhia afirma que o seu papel é o de sonhar e desafiar a sua equipa a pensar e a fazer diferente. Com esta dinâmica de mudança e desafio contínuo, Carlos Gonçalves quer promover uma “instabilidade” positiva que incentiva a empresa a inovar.

 

Fundou a Casa Mendes Gonçalves apenas com 15 anos, em 1982, com o seu pai, que já fabricava vinagres na Golegã. Como foi ver o projecto crescer nestes mais de 40 anos?

Na verdade, o espírito empreendedor já fazia parte da nossa família. Tínhamos um negócio de torrefação de café e costumo dizer que nasci e cresci, literalmente, na fábrica. Quando fiz 15 anos, decidi que não queria estudar e propus ao meu pai criar um negócio de produção de vinagres. Só queria trabalhar – e ele aceitou. Juntos fomos construindo as bases do que viria a ser a Casa Mendes Gonçalves, mas longe de imaginar a dimensão que viria a ter. A experimentação, o erro, a inovação, e toda a aprendizagem que daí advém, foram (e continuam a ser) pilares essenciais do nosso caminho. Começámos com muito pouco, mas já com uma visão muito clara: fazer bem e fazer diferente, com rigor, com identidade portuguesa e com vontade de evoluir.

Ao longo destes mais de 40 anos, ver a empresa crescer tem sido um enorme orgulho — não apenas em termos de dimensão ou de marcas no mercado, mas sobretudo na forma como conseguimos manter os nossos valores fundadores e alargar esta nossa família. Crescemos com todas as pessoas que integram a Casa Mendes Gonçalves – das seis iniciais, às mais de 400 que estão connosco, com os nossos parceiros – muitos deles locais -, com os nossos clientes – os de longa data e os que vamos conquistando. Tornámo-nos uma empresa com marcas de renome, com um portefólio diversificado, de referência nacional e com presença internacional crescente e, acima de tudo, com uma cultura que valoriza as pessoas, a sustentabilidade e a autenticidade.

 

Adquiriram a marca Paladin em 2005. Esta aquisição representou o maior salto da companhia? Ou foi o crescimento orgânico que catapultou a marca para a posição que ocupa hoje no mercado?

A aquisição da Paladin em 2005, foi, sem dúvida, um momento determinante. A marca tinha já uma posição significativa e isso permitiu-nos entrar de forma mais expressiva no mercado dos molhos e no universo do grande consumo. A partir daí, focámo-nos em desenvolver um trabalho de reposicionamento que foi fundamental para a Paladin como a conhecemos hoje e que temos vindo a consolidar ao longo dos anos.

A marca cresceu de forma orgânica, assente em inovação, proximidade com os consumidores e consistência na comunicação. Fomos ganhando espaço, primeiro em Portugal e depois nos mercados internacionais, com produtos que juntam tradição, qualidade e um toque diferenciador. Hoje, a Paladin é uma das marcas alimentares mais reconhecidas em Portugal e está a iniciar um novo ciclo, com nova imagem e uma campanha que reflete aquilo que somos: uma marca próxima, com raízes, mas com ambição de futuro. Mas mais do que um passo isolado, o crescimento que a Paladin aportou à própria Casa Mendes Gonçalves foi muito importante numa estratégia de longo prazo, que tem passado por um maior portefólio de produto, pela inovação e pela nossa afirmação como «Casa de Marcas».

 

Qual é a vossa faturação atual e quais os vossos objetivos de crescimento futuros? Tinham como objetivo duplicar as receitas até 2025, com a entrada em novos mercados…

A faturação da Casa Mendes Gonçalves em 2024 rondou os 60 milhões de euros, sendo que 35% da produção atual está concentrada na categoria de vinagres — onde somos líderes de produção em Portugal. O nosso objetivo continua a ser crescer de forma sustentada, apostando na especialização das nossas marcas e na expansão internacional. Queremos atingir os 100 milhões de euros até 2030, com uma maior diversificação de mercados, reforço do portefólio e investimento na diferenciação de produto.

Temos hoje marcas com ADN muito distintos — como a Paladin, a Sacana ou a recém-lançada Moreno — que nos permitem abordar diferentes segmentos e consumidores, mantendo uma lógica integrada e consistente. O futuro passa por consolidar esta visão de “casa de marcas” e continuar a criar valor através da inovação, da autenticidade e da capacidade de adaptação às exigências do mercado global.

 

Quais são os vossos principais mercados de exportação e quais pretendem ainda explorar? Espanha, Brasil, Marrocos, Estados Unidos, eram os objetivos… Como está a decorrer esse plano?

Atualmente, registamos mais de 80% do nosso volume de vendas no mercado nacional, mas temos como objetivo atingir 30% de vendas através da exportação. É nossa convicção que o caminho passa ainda por mercados em franco crescimento, como o Médio Oriente e o Norte de África, aliados a mercados mais maduros como o europeu e o americano. Podemos dizer que, nesta fase, estamos particularmente apostados na região EMEA (Europa, Médio Oriente e África). Na Europa, temos de otimizar oportunidades que nos permitam chegar aos mais de 700 milhões de consumidores, mas é no Médio Oriente e em África que assistimos a uma enorme expansão do consumo.

A empresa lançou recentemente a marca de vinagres Moreno. Foto/DR

 

Como se estão a posicionar para fazer face à vossa concorrência, sobretudo a internacional?

Competir num mercado global exige mais do que preço — exige identidade, consistência e diferenciação real. O nosso posicionamento passa por afirmar marcas portuguesas com uma forte ligação à origem, mas capazes de comunicar com os consumidores de hoje, onde quer que estejam. Valorizamos o equilíbrio entre tradição e inovação: apostamos em receitas autênticas, ingredientes de qualidade, formatos convenientes e embalagens sustentáveis. Somos também ágeis e atentos às tendências, o que nos permite reagir rapidamente às mudanças do mercado.

Além disso, trabalhamos com equipas altamente especializadas e mantemos uma forte ligação com os nossos parceiros e distribuidores, o que facilita a entrada em mercados internacionais. E este é um fator essencial: estabelecer e alimentar relações sólidas de confiança e proximidade, mesmo à distância, com aqueles que são os nossos interlocutores por esse mundo fora. Nem sempre conseguimos resultados imediatos, mas temos de ter a tenacidade e a perseverança para pensar no médio e no longo prazo. Com consistência, visão e estratégia. O nosso objetivo não é sermos iguais à concorrência internacional — é sermos diferentes, com valor.

 

Nesse sentido, que investimentos têm previstos para os próximos anos? Qual o valor que canalizam para estes projectos?

Temos previsto um plano de investimento robusto, focado sobretudo em modernização industrial, desenvolvimento de novos produtos, inovação tecnológica e expansão internacional, que teve início já em 2024, no valor aproximado de 10 milhões de euros. Estamos a reforçar a capacidade produtiva e a apostar em tecnologia que nos permita ser mais eficientes e sustentáveis, em linha com as exigências do mercado e com os nossos compromissos enquanto empresa.

Embora o montante total dos investimentos para os próximos anos esteja ainda a ser ajustado, o plano em curso aponta para um investimento acumulado na ordem dos 10 a 15 milhões de euros até 2030, entre áreas como produção, packaging, logística e digitalização de processos. Estamos a preparar a Casa Mendes Gonçalves para o futuro — um futuro onde queremos continuar a crescer de forma sólida, com uma operação cada vez mais sustentável, inovadora e global.

 

Relativamente às vossas marcas, qual é o vosso objetivo ao criar marcas diferenciadas no mercado, com autonomia e imagem própria?

O nosso objetivo é claro: ser uma verdadeira “casa de marcas”, onde cada marca tem espaço para crescer, comunicar e relacionar-se com o seu público de forma própria e coerente. Percebemos que o mercado valoriza marcas com propósito, com uma voz distinta e com uma proposta de valor clara. E também percebemos que o consumidor de hoje não quer apenas produtos — quer experiências, identidade, verdade.

Ao especializarmos o portefólio e ao dar autonomia estratégica e criativa a marcas como a Paladin, a Sacana ou a Moreno, conseguimos atuar com mais foco, mais assertividade e mais impacto. Não estamos a construir marcas generalistas, mas sim marcas especialistas, com narrativas próprias e ADN bem definidos. Esta visão permite-nos ter uma abordagem multimarcas, mas integrada — onde cada peça contribui para o todo, sem sobreposição nem canibalização.

 

Como está a correr o processo de rebranding da Paladin e a criação da Sacana para o piri-piri e a Moreno para os vinagres?

Está a ser um processo muito positivo e, acima de tudo, transformador. A Paladin entrou numa nova fase com uma imagem mais moderna e apelativa, mas sem perder a ligação emocional com os consumidores. A nova campanha reflete exatamente isso: uma marca próxima, que cresceu com os portugueses e que continua a ser relevante, agora com uma linguagem mais atual e transversal. A Sacana, por sua vez, foi “emancipada” da Paladin e surge agora como uma marca autónoma, irreverente e provocadora, pensada para um consumidor que procura experiências intensas e diferenciadoras. É uma marca especializada em picantes que tem a ambição de se tornar a referência global na categoria, assente num território criativo muito forte.

Já Moreno foi criada para valorizar o nosso know-how na produção de vinagres. Sabíamos que tínhamos um produto com enorme qualidade, mas sentíamos falta de uma marca capaz de expressar essa diferenciação. A Moreno surge como uma marca especializada, com elegância, sofisticação e um portefólio que combina tradição e inovação — por exemplo, com referências como o vinagre de figo seco ou o de pera rocha. Todas estas marcas refletem a nossa visão estratégica de crescimento segmentado, com posicionamento claro e identidade própria. O mercado tem reagido muito bem e os resultados começam já a refletir o impacto positivo desta nova fase.

 

Qual tem sido a recetividade do consumidor a esta nova estratégia de diferenciação?

Temos sentido uma reação muito positiva por parte dos consumidores. Esta nova estratégia — com marcas mais autónomas, posicionamentos mais claros e uma comunicação mais próxima e relevante — tem permitido criar ligações mais fortes e genuínas com os diferentes públicos. No caso da Paladin, há um sentimento de familiaridade que se mantém, mas com uma renovação da imagem e do tom que aproxima a marca de novas gerações. A campanha atual é um reflexo disso mesmo: mantém o ADN da marca, mas fala de forma mais contemporânea.

Com a Sacana, temos percebido uma grande curiosidade e adesão por parte de consumidores que procuram marcas com personalidade, com ousadia, mas também com produto a sério. E a Moreno, apesar de ser uma marca recente, está a conquistar pela diferenciação e sofisticação do seu portefólio — sobretudo entre quem valoriza produtos mais artesanais, com origem e identidade. Mais do que vender, sentimos que estamos a criar relação, proximidade e fidelização, o que reforça a nossa convicção de que esta estratégia de diferenciação é o caminho certo.

 

De que forma a atribuição da propriedade da empresa à Fundação Mendes Gonçalves está a ter impacto na vossa estratégia de crescimento? O que mudou em termos operacionais? Como está a decorrer todo o processo?

A constituição da Fundação Mendes Gonçalves é a concretização de um objetivo há muito ambicionado: deixar um legado, para e pelo futuro de todos. Esta decisão, profundamente enraizada nos nossos valores, foi um passo pensado não apenas para garantir a sustentabilidade e independência futura da empresa, mas também para proteger a sua identidade, cultura e missão.

Do ponto de vista estratégico, este modelo permite-nos pensar a longo prazo, sem pressões externas “a cinco anos” ou interesses individuais. A visão deixa de ser apenas de crescimento económico e passa a integrar uma perspetiva de responsabilidade social e legado. A Fundação tem como missão desenvolver projetos nas áreas que definimos como estratégicas – educação, nutrição e regeneração- e é nessa direção que queremos também canalizar parte do valor que o negócio gera. Estes são eixos que se cruzam com o que já fazíamos até aqui e com a própria atividade da empresa, pelo que tudo se desenrola de forma orgânica.

Em termos operacionais, nada se alterou no funcionamento do dia a dia. A equipa mantém-se, a liderança mantém-se e os projetos continuam a ser executados com ambição e foco. A grande mudança está no propósito de fundo: trabalhamos para fazer crescer uma empresa sólida, mas também para devolver à sociedade parte do que ela nos deu.

 

Criada a vossa fundação, com diversos eixos de atuação social, e lançadas as obrigações sociais, o que pretendem ainda alcançar nesta área da responsabilidade social? Qual sente ser o papel da Casa Mendes Gonçalves neste aspecto?

A Fundação Mendes Gonçalves é, para nós, mais do que um instrumento — é uma declaração de ação. Representa o nosso compromisso com a comunidade, com as pessoas e com o futuro. Acreditamos que o sucesso empresarial só faz sentido se for acompanhado por um impacto positivo na sociedade.

Os eixos de atuação da Fundação, em particular o seus três programas – Educar, Nutrir e Regenerar — refletem as áreas onde acreditamos que podemos fazer a diferença de forma concreta e sustentável. Estamos a construir projetos com impacto real, envolvendo instituições locais e promovendo oportunidades onde elas são mais necessárias. Queremos construir um futuro equitativo, saudável, sustentável e com bem-estar para todos, cumprindo a missão da Fundação: «Nutrir Futuros, Regenerar Legados».

Acreditamos que o nosso compromisso social não se esgota com a constituição da Fundação. A empresa continua a ser um agente ativo na nossa comunidade. Um exemplo disso mesmo são as obrigações sociais que lançámos recentemente para financiar a requalificação de imóveis na Golegã, que asseguram habitação digna e acessível para cerca de 80 pessoas, entre trabalhadores e respetivas famílias. Esta é uma forma inovadora de financiar esta missão, mostrando que é possível cruzar o mundo empresarial com a responsabilidade social de forma estratégica e transparente.

Acredito profundamente que as empresas do futuro serão aquelas que tiverem a coragem de integrar o propósito no centro do seu modelo de negócio. Na Casa Mendes Gonçalves, não queremos apenas produzir e crescer — queremos contribuir ativamente para uma sociedade mais justa, equilibrada e com oportunidades para todos.

Mais Artigos