“Não há dúvida de que alguém vai ter que pagar os esforços orçamentais dos Estados, e em Portugal as coisas não serão diferentes. Existe já uma discussão mais ou menos globalizada sobre “quem vai pagar a pandemia”, no sentido de saber como se vai financiar o inesperado aumento de despesas com a saúde, com a proteção das empresas e dos trabalhadores dos sectores mais afetados, e ainda com o relançamento económico.
A discussão, em si mesma, é saudável, uma vez que ela pressupõe alguma consciência de que esse esforço terá que ser coletivo, no sentido de que não há políticas públicas verdadeiramente gratuitas. Por muito que desejemos esquecer os traumatismos do resgate financeiro de Portugal, ocorrido há meia dúzia de anos, terá ficado no espírito dos portugueses uma razoável convicção de que as capacidades do sector público não são ilimitadas, e de que a sua intervenção acaba sempre por recair nos bolsos dos contribuintes.
O problema está invariavelmente no modo de repartir os encargos e na capacidade fiscal de cada sistema. Portugal é muitas vezes referido como tendo sido tímido na realização de despesas contra o ciclo pandémico, e é um facto que não figuramos nos diversos rankings como pertencendo ao grupo dos países mais generosos do ponto de vista orçamental. Contudo, quando olhamos para o peso do endividamento da economia, em geral, e para o peso da dívida pública, em particular, percebemos que, em volume, não era realista esperar muito mais do Estado.
Por outro lado, conhecem-se os traços gerais do sistema fiscal: grande peso de impostos indiretos de espectro alargado, elevada percentagem de particulares e empresas com um nível nulo de coleta nos impostos diretos, número muito significativo de figuras tributárias especiais que recaem sobre as empresas sem relação direta com o lucro, taxas progressivas muito elevadas a partir de rendimentos médios objetivamente baixos ou modestos, no IRS, número muito limitado de contribuintes nos escalões superiores.
Apesar deste quadro, não faltam vozes de políticos e comentadores a pedirem a elevação da tributação dos “ricos” ou das empresas que ganharam com a situação pandémica. A primeira hipótese parece ter apenas um interesse de natureza “moral” ou ideológica, já que, em termos práticos, o número de contribuintes que dispõem de um rendimento superior a, digamos, 200.000 euros, é tão irrelevante que um aumento de impostos produziria fatalmente resultados orçamentais dececionantes; a classe média, por outro lado, encontra-se já fortemente tributada, para rendimentos médios baixos. Quanto à tributação daquilo a que chamaríamos de ganhos anormais ou circunstanciais das empresas, é suposto que o sistema já seja capaz de captar essas variações positivas, sem que se possam estimar vantagens significativas de um esforço burocrático para tributar de forma acrescida alvos selecionados com critérios criativos”
António Lobo Xavier