Que os anjos a guardem

A ideia começou na universida­de, quando Luís Miguel Amaro, Benjamin Grech e Mariano Koste­lec chegaram ao Reino Unido e de­tectaram uma necessidade que o mercado não satisfazia. “Existiam imensas empresas a vender aloja­mento para turismo, mas não ha­via nada direccionado para os es­tudantes universitários”, explica Benjamin. O projecto foi marinan­do ao longo do período académi­co,…
ebenhack/AP
A ainda curta história da startup portuguesa que quer conquistar o mercado global de estudantes.
Negócios

A ideia começou na universida­de, quando Luís Miguel Amaro, Benjamin Grech e Mariano Koste­lec chegaram ao Reino Unido e de­tectaram uma necessidade que o mercado não satisfazia. “Existiam imensas empresas a vender aloja­mento para turismo, mas não ha­via nada direccionado para os es­tudantes universitários”, explica Benjamin. O projecto foi marinan­do ao longo do período académi­co, após o qual cada um seguiu o seu caminho para diferentes par­tes do mundo em busca de conhe­cimento e novas experiências até que, em 2012, decidiram juntar as poupanças e apostar tudo na Uni­versityplaces.

Sob a marca Uniplaces, a em­presa dos três jovens empreende­dores é hoje uma plataforma on­-line de procura e reserva de alo­jamento para estudantes universi­tários, sobretudo estrangeiros em programas de mobilidade como o Erasmus. “Não estamos a inven­tar a roda”, diz Benjamin. Já há um mercado de arrendamento para estudantes caracterizado por va­lores das rendas mais reduzidas e pela proximidade dos alojamentos às universidades. Mas o que a Uni­places pretende é tornar esse mer­cado mais eficiente e simples, eli­minando problemas de comuni­cação e surpresas desagradáveis. “Queremos transformar o proces­so de reserva numa experiência boa para o estudante, em que ha­ja uma boa relação com o senho­rio, apesar das diferenças linguísti­cas”, explica Luís Miguel. É um ne­gócio de confiança, afirmam. Pa­ra a conseguir, os colaboradores da empresa visitam as casas antes de as colocar no site, de forma a as­segurar a qualidade das mesmas.

Os inquilinos são angariados atra­vés de protocolos com universidades e outras instituições académicas, e pelo marketing realizado nas redes sociais. Os senhorios são “recruta­dos” através de parcerias com em­presas especializadas em arrenda­mento. A partir dai, o processo de reserva é simples: após o registo no site e da escolha da casa, o estudan­te entrega o valor do primeiro mês de renda à Uniplaces que, no final do mesmo, o faz chegar ao senho­rio. “Desta forma, evitamos situa­ções de fraude, como enganos no valor da renda, por exemplo, e se houver algum problema, podemos devolver o dinheiro ao estudante e ajudar a encontrar uma alternati­va. “Isto dá segurança ao estudan­te”, diz Benjamin. Por estes serviços, a Uniplaces cobra uma comissão única ao inquilino, que pode atingir os 25% do valor da primeira renda, e ao senhorio um valor compreen­dido entre 3% e 15% do valor total do contrato de arrendamento.

 

UM BOM PITCH

Segundo dados da empresa, o nú­mero de estudantes internacionais está a crescer a um ritmo anual de 7%. Hoje, são cerca de 160 milhões num mercado avaliado em 500 mil milhões de euros anuais. Mas em 2025 serão mais de 260 milhões alunos e o objectivo da Uniplaces é captar parte da maior fatia dos gastos dos estudantes: a acomo­dação. “Os nossos estudos dizem que a acomodação vale 36% do va­lor actual do mercado”, revela Luís Miguel à FORBES.

A companhia norte-america­na Chegg é para o empreendedor português um exemplo do poten­cial do mercado estudantil. Trata­-se de uma plataforma on-line de aprendizagem que comercializa livros em formato digital, faz tuto­ria e liga alunos a universidades em vários aspectos, como a gestão deadmissões, estágios e carreiras. Mas a Chegg, actualmente com uma ca­pitalização bolsista de cerca de 582 milhões de euros, actua somente no mercado norte-americano e os livros representam apenas 3% dos custos de um estudante ao longo do seu percurso. Por essa razão, Mi­guel está confiante de que a Unipla­ces tem um extenso potencial pe­la frente dada a abrangência global do negócio. Além disso, tal como a empresa norte-americana, a Uni­places pretende ainda capitalizar a informação que vai acumulando com a sua actividade.

Bancos, se­guradoras e operadoras de teleco­municações são algumas das em­presas presentes nas universidades, mas quando os estudantes chegam à escola, a Uniplaces já sabe de on­de vêm, onde e quanto tempo vão fi­car, para onde vão e qual o seu perfil de consumidor. “Quanto vale uma conta bancária de um estudante pa­ra um banco?”, questiona o gestor. “Estamos a viver num mundo on­de data is king”, exclama. Contudo, é importante sublinhar que apesar de ter sido também este o caminho da Chegg, desde que entrou para a bolsa de Nova Iorque em Novem­bro de 2013 através de uma oferta pública inicial, as acções da em­presa contabilizam uma desvalo­rização de 42% e até agora a com­panhia nunca apresentou lucros.

 

ANJOS DA GUARDA

Os três jovens sabem que a taxa de sobrevivência entre as startups de base tecnológica ronda os 1%. O pro­cesso de crescimento tem custos e exige capital, o que levou os jovens a criar uma holding em Londres, devido ao posicionamento da capi­tal britânica no mercado financei­ro mundial. Na sua fundação parti­cipou também Leopoldo Lara Vaz­quez, que acabaria por sair da gestão da empresa em Janeiro do ano se­guinte, embora se mantenha ainda como accionista. “A ideia inicial era ficar dois meses em Lisboa e depois partir para Londres”, explica Benja­min. Porém, a equipa concluiu que é mais fácil e económico contratar engenheiros e pessoal de apoio ao cliente em Portugal e acabaram por ficar.

O britânico sabe, por exemplo, que contratar um engenheiro no Reino Unido ou nos EUA pode cus­tar 150 mil dólares por ano – que é, em média, a soma que uma startup costuma angariar no primeiro ano de vida. No caso da Uniplaces foi um pouco mais. Em Junho de 2012, nu­ma primeira ronda de investidores, a empresa captou a 200 mil euros de três investidores, entre eles dois bu­siness angels bem mais valiosos do que simples dinheiro: Alex Cherter­man, presidente executivo da Zoo­pla, empresa que opera na internet no sector imobiliário com as mar­cas Zoopla, PrimeLocation, Smart­newHomes e Homes OverSeas, e Wi­lliam Reeve, co-fundador da Love­Film, uma empresa de aluguer on­-line de filmes, entretanto adquiri­da pela Amazon.

Com ambos os in­vestidores entra também a empre­sa nacional de capital de risco Shi­lling Capital Partners. “Conhecemos a Uniplaces num concurso da Uni­versidade Católica. Naquela altura era uma empresa de páginas ama­relas com um site rudimentar, mas a apresentação (conhecido no meio empresarial de pitch), a motivação… estavam noutro campeonato em re­lação aos restantes concorrentes e tinham um produto com mercado e um modelo de negócio robusto. Decidimos apoiá-los”, explica Hu­go Pereira, presidente executivo da Shilling Capital Partners. Em 2013, a Uniplaces recebe a segunda tran­che de investimento.

A Octopus In­vestments, uma empresa britânica de capital de risco que gere mais de 3 mil milhões de euros, investe 840 mil euros na empresa e, em Setembro de 2014, mais 2,8 milhões de euros, montante que a tornou no maior ac­cionista da Uniplaces, até então com 36,9% do capital, segundo dados da Companies House, a instituição go­vernamental britânica que regista e publica a informação legal exigida às empresas não cotadas no país. As novas acções foram transaccio­nadas a 10,72 euros cada, valor que, à data, avaliava a Uniplaces em 16,1 milhões de euros.

 

DORES DE CRESCIMENTO

Por vicissitudes do registo nacional de pessoas colectivas, o nome ini­cial da empresa que daria origem à Univesityplaces – Atomolouco -, era um prenúncio do que se segui­ria. Em três anos, a empresa cres­ceu para nove países, disponibili­zando mais de 45 mil quartos em 40 cidades europeias.

O aumen­to do número de colaboradores, hoje superior a 120, foi tão rápido que estão prestes a mudar de ins­talações pela segunda vez desde que chegou à incubadora Startup Lisboa. Mas nem tudo são rosas. As dores de crescimento são visí­veis nas contas. Em 2013 e 2014, a Univesityplaces acumulou prejuí­zos de 593 mil euros e um passivo superior a 1,7 milhões de euros, ain­da que atenuado por um activo de 1,2 milhões de euros. Preocupante? Hugo Pereira, diz que é caracterís­tico das empresas de crescimento acelerado. “Temos consciência de que é um investimento a longo pra­zo. O que é preciso é que a empresa continue a ganhar dimensão”, de­fende. E está.

Nos dois anos citados, as vendas cresceram 6,7 vezes para 251 mil euros e segundo Benjamin, “o ritmo deverá manter-se”, devido ao crescimento geográfico. O bri­tânico estima que, nos próximos anos, o volume de negócios conti­nue a crescer a um ritmo anual de 500%. Para isso, a Uniplaces pre­tende cimentar o mercado europeu e entrar nos EUA, América do Sul e Austrália, e assumir uma dimensão global. Para que tal aconteça, Ben­jamin prevê necessidades de capi­tal na ordem dos 150 milhões a 200 milhões de euros.

Em Novembro, a empresa an­gariou 22 milhões de euros numa nova ronda de investimento lide­rada pelo fundo de capital de ris­co Atomico de Niklas Zennstrom, co-fundador e presidente executi­vo do Skype. Os outros grandes in­vestidores desta ronda são as por­tuguesas Caixa Capital, a Octupus Ventures e a Shilling Capital Part­ners. Hugo Pereira revela à FOR­BES que a Shilling Capital Partners investiu “um montante quatro ve­zes superior ao realizado em 2012”. É mais uma injecção de energia no percurso de “crescimento atómico” da empresa portuguesa. Esperemos que não seja a última e que os anjos continuem a guiar a companhia até à bolsa de Londres em 2020, como tanto ambiciona Miguel, sem des­cartar um cenário de funsão ou de aquisição. “Analisaremos todas as hipóteses”, refere o jovem empreen­dedor.

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