As férias do locutor de rádio Renato Duarte nos EUA coincidiram com o dia das eleições norte americanas. A partir de Nova Iorque, Renato conta à Forbes como foi viver o dia que volta a marcar uma mudança que o mundo inteiro irá sentir.
Podia ser um evento para assistir à final do Super Bowl, ou uma atuação de qualquer artista pop – os cartazes, o merchandising, o entusiasmo – mas, na verdade, acabei de chegar a uma festa para acompanhar os resultados das eleições presidenciais mais importantes das últimas décadas, nos Estados Unidos da América. Estou num bar chamado Rise, no bairro de Hell’s Kitchen, em Nova Iorque. Um bar LGBTQIA+, um dos grupos que mais sente que os resultados de hoje podem ter um impacto direto no curso das suas vidas.
De um lado temos Kamala Harris, que celebrou, ela mesmo, enquanto Procuradora-Geral, o primeiro casamento gay da Califórnia. Do outro, Donald Trump que, no primeiro dia da primeira legislatura em DC, em 2016, retirou o nome de todos os funcionários queer dos sites oficiais do governo americano.
Escusado será dizer que neste bar, todos torcem pela mesma equipa. “Kamala a presidente, em nome da liberdade”.
Estou em NY a passeio, de férias com o meu amigo Diogo, português a viver nos EUA há 9 anos, que votou nestas eleições pela primeira vez, enquanto cidadão americano. Se Donald Trump ganhar, o Diogo volta para Portugal. O lugar que começou por significar a concretização de um objetivo profissional, perdeu o encanto. Quando se vive num país que consegue eleger um bully, o sonho americano perde grande parte do sentido e pode deixar de ser possível viver com tranquilidade.
As lojas de souvenirs foram invadidas por itens alusivos às eleições, a cara de Harris e de Trump estão por todo o lado e é, de facto, um evento que mobiliza a nação.
Pergunto-me se isso quererá dizer que as pessoas se interessam mais pela política do que, por exemplo, em Portugal? No país do grande entretenimento, o facto de a política ser um espetáculo, com atuações das maiores estrelas americanas em cada um dos comícios, enredos que inspiram grandes filmes e séries, piadas de humoristas em talk shows, significa que a democracia americana está de boa saúde?
A abstenção tem rondado os 40%, mas os americanos com quem tenho conversado sentem esta eleição como verdadeiramente decisiva. Se vencessem os democratas, a maior democracia do mundo ia eleger como presidente a primeira mulher afro e asiático-americana, ou, caso vençam os republicanos, o homem que parece não entender a enorme responsabilidade que o cargo que quer voltar a ocupar implica. Basta olhar para a forma como lida com questões chave como a imigração ou a emergência climática.
Durante todo dia, centenas de pessoas exibem, com orgulho, o dístico “I Voted Early in the city of NY”.
Quando passei pela 5a Avenida, reparei que a Igreja Presbiteriana organizou uma série de sessões de oração “por uma nação dividida” e convidava todos a entrar e participar.
“O Santuário estará aberto para oração guiada e em silêncio”, podia ler-se na porta. De facto, este é um dos poucos locais da cidade onde podemos ter algum sossego. Alguns metros à frente, passo pela Trump Tower.
De um lado da estrada, republicanos, entre eles alguns elementos do grupo Gays For Trump, dão entrevistas, de forma algo exaltada, eu diria, às dezenas de jornalistas que por ali estão.
Do lado oposto, devidamente separados pela polícia e estruturas de segurança, algumas pessoas e cartazes de ódio a Donald Trump – “Keep the immigrants, deport Trump”.
Voltando ao Rise, ainda a algumas horas (ou dias) de conhecer os resultados finais, na mesa ao lado da minha está o Jorge com alguns amigos. É colombiano, vive em Brooklyn há 3 anos e está ainda “em processo de regularização”. Veio para estudar através de um programa de intercâmbio e ficou. O objetivo agora é ter um visto e conseguir morar legalmente nos EUA. Trabalha num restaurante e tem conseguido ajudar bastante a família, que ficou em Bogotá. Está, evidentemente, bastante ansioso com os resultados de hoje, mas confiante de que Harris vai ganhar e criar condições para que o processo de legalização dele e de outros tantos milhões de imigrantes na mesma situação seja facilitado, tanto quando possível.
“Abortion is Healthcare”. Foi um dos temas fortes desta campanha e é a frase na t-shirt do Adam, um médico de 32 anos, habituado a realizar interrupções voluntárias de gravidez em mulheres vindas de estados como a Carolina do Norte, que colocam bastantes entraves no acesso a este procedimento. Olha para os ecrãs do bar com muita preocupação e vai perdendo a esperança numa vitória do partido democrata.
Na hora a que escrevo este texto, já se sabe que Trump venceu. Estava otimista relativamente a Kamala Harris, era difícil não estar quando se tem passado os últimos dias numa cidade que respira progresso e liberdade, mas, acreditando nos dados das primeiras projeções e no ânimo das pessoas neste bar, o partido republicano vai voltar e ter o controlo da Casa Branca e, quem sabe, do Senado. Não existe só esta América onde tenho sido tão feliz e onde gosto sempre de voltar. A América que conhecemos pior pode, de facto, acabar por decidir o rumo desta noite, do país e do mundo tal como o conhecemos.