Quando o feeling conta: reflexões sobre liderança no feminino

"O Poder do feeling: acreditar em nós" foi o painel que levou quatro mulheres em cargos de topo a refletir sobre o papel da intuição na liderança e sobre o caminho, ainda em construção, para a igualdade de género no mundo do trabalho. Clara Raposo (Vice-Governadora do Banco de Portugal), Sílvia Barata (CEO da BP…
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Liderar é decidir, é confiar na intuição, é saber o que dizer e quando falar para unir equipas rumo a uma mesma direção. É um processo contínuo de aprendizagem e escuta, onde ser mulher é parte do desafio e da força, realçam Clara Raposo (vice-Governadora do Banco de Portugal), Sílvia Barata (CEO da BP Portugal), Madalena Cascais Tomé (CEO da SIBS) e Anabela Silva (partner da EY), no Forbes Women Summit.
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“O Poder do feeling: acreditar em nós” foi o painel que levou quatro mulheres em cargos de topo a refletir sobre o papel da intuição na liderança e sobre o caminho, ainda em construção, para a igualdade de género no mundo do trabalho. Clara Raposo (Vice-Governadora do Banco de Portugal), Sílvia Barata (CEO da BP Portugal), Madalena Cascais Tomé (CEO da SIBS) e Anabela Silva (partner, People Advisory Services e responsável por Diversity, Equity and Inclusion na EY) partilharam no Forbes Women Summit 2025 experiências, obstáculos e convicções – num painel marcado pela inspiração que as tem conduzido ao topo das suas organizações.

Clara Raposo

Em áreas mais financeiras, onde existe muita análise quantitativa “que é decisiva para tomar decisões”, há também momentos em que o feeling conta. Em certas situações, os dados são determinantes, mas noutras é preciso fazer escolhas com base em algo mais intuitivo. E isto não é exclusivo das mulheres, embora talvez tenhamos mais treino em olhar para as decisões no seu conjunto”, apontou Clara Raposo, Vice-Governadora do Banco de Portugal.

Um exemplo concreto: “Estava no ISEG quando surgiu a pandemia. Como continuar uma atividade que era toda ela presencial? Como resolvíamos isso? Esse foi um momento em que a minha intuição foi importante para pôr uma instituição inteira a remar na mesma direção, mesmo estando todos confinados. Foi fundamental sabermo-nos colocar no lugar dos outros, saber guiar, avançar na gestão de crises e de situações inesperadas. Nestes contextos, puxar pelo feeling torna-se essencial”

Clara Raposo acrescentou ainda que “historicamente e culturalmente, os papéis da mulher e do homem na família e em casa têm sido diferentes — mas isso não pode continuar assim. Essa é a primeira mudança essencial quando homens e mulheres querem, ambos, ter uma carreira profissional. Aqui ninguém ‘ajuda’ ninguém. As obrigações são as mesmas. Pode haver divisão de tarefas, mas tem mesmo de haver igualdade em casa — se isso não acontecer, a evolução profissional de uns e outros não vai funcionar. Para mim, é ponto assente: a igualdade no trabalho começa em casa”.

“A igualdade no trabalho começa em casa”

No que diz respeito às empresas — e também ao próprio Banco de Portugal — tem havido algum progresso. No conselho de administração paridade de género com três homens e três mulheres e “quando olhamos para as funções de gestão intermédia, até temos uma maior percentagem de mulheres, o que representa uma mudança significativa face a décadas anteriores. Mas, na gestão de topo, ainda não é assim. E, muitas vezes, quando se procura alguém para essas funções — e isto não é exclusivo do Banco de Portugal — ainda é mais difícil lembrarmo-nos de mulheres”. Por isso, sublinha esta responsável, “é importante estarmos atentos e, em circunstâncias de igualdade de qualificações, ainda faz sentido considerar alguma discriminação positiva, favorecendo o género menos representado. Precisamos de líderes e de bons exemplos nestas funções para podermos identificar e escolher outros com as mesmas condições”.

Por fim, Clara Raposo deixou um conselho: “As mulheres que conheço e que têm tido progressão profissional são mulheres que se prepararam. É preciso investir em si própria, na educação, na formação. É isso que permite ganhar confiança, e essa confiança leva à capacidade de afirmação”.

Clara Raposo (Vice-Governadora do Banco de Portugal). Foto: Marisa Cardoso

Sílvia Barata

“Há espaço para o feeling”, considera Sílvia Barata para quem o feeling é uma intuição que surge perante algo: “Às vezes, ao olhar para determinados números, uma sensação — uma intuição — sobre estarem bem ou mal. Para mim, isso é emoção e conexão a funcionar. É o que significado humano às decisões que tomamos”.

Exemplos? O contacto com clientes, por exemplo, em que há “uma conexão que nos guia. Ou na escolha de uma equipa, de parceiros: podemos ter vários currículos, várias opções, mas depois é a intuição que nos ajuda a decidir. Mesmo ao tomar a decisão de avançar para certos projetos ou lugares, é também a intuição que nos orienta”.

Para a CEO da BP Portugal é importante, de tempos a tempos, voltarmos atrás e percebermos o que nos ajudou a chegar onde estamos: “A primeira coisa é sabermo-nos definir. Não deixem que sejam os outros a definir-vos. Quando conseguimos que sejamos nós próprios a nos definirmos, criamos a nossa brand pessoal — e isso gera credibilidade, confiança e coragem para nos aventurarmos”.

Depois, a parte pessoal, evidencia esta responsável: “É importante termos ao nosso lado alguém que nos aceite como somos. Temos também de falar mais para fora. Muitas vezes, somos nós que nos limitamos — no que podemos fazer e na forma como podemos fazê-lo. Falar em voz alta ajuda-nos a trazer para fora o que somos e a transformar isso em realidade”.

“Não deixem que sejam os outros a definir-vos. Quando conseguimos que sejamos nós próprios a nos definirmos, criamos a nossa brand pessoal”

E quando chegamos a determinados lugares, prossegue esta gestora, “temos de ter generosidade. As mulheres, em particular, precisam de aprender esse processo: carregar no botão do elevador e deixá-lo descer para trazer alguém de baixo para cima. Idealmente, pode até ser outra mulher. Muitas vezes, vejo que as mulheres não são tão generosas nesse aspeto, enquanto os homens têm mais tendência para criar um clã à sua volta. Por isso, também nos compete a nós ter essa atitude: ajudar, criar equipas diversas, com homens e mulheres, com inclusão, com pessoas diferentes. É isso que conduz a pensamentos diferentes, a equipas mais fortes”.

Dando o seu testemunho, Sílvia Barata afirmou que, ao longo da carreira, encontrou “muitas líderes que não tiveram essa generosidade de enviar o elevador para baixo. Por isso, eu tive de subir muitos andares pelas escadas”.

Sílvia Barata (CEO da BP Portugal). Foto: Marisa Cardoso

 

Madalena Cascais Tomé

Madalena Cascais Tomé concorda que, por vezes, se aplique “intuição” na análise de números, a qual se adquire com a formação e desenvolve-se com a experiência: embora “não seja algo específico do género feminino, mas é real”.

Todavia, onde a intuição conta verdadeiramente é no relacionamento com as pessoas, frisa a CEO da SIBS: “Não nada que substitua o contacto direto: conhecer as equipas, os clientes, os parceiros. Discutir olhos nos olhos, perceber o contexto — e depois decidir”.

Madalena Tomé falou do caso da SIBS: “Apresentamos muitas iniciativas de inovação, novos projetos, e uma das coisas que implementámos foi um parâmetro chamado gut feeling”, algo que se pode traduzir como ‘sensação no estômago’: “É muito importante pensarmos como é que conseguimos que uma intuição se transmita à equipa, de forma a motivá-la — especialmente quando estamos perante um caminho desconhecido.”

Um exemplo dado pela responsável da SIBS foi a dos pagamentos por QR Code no MB Way: “Em 2017, não se usava isto na Europa. Mas era a única forma de criarmos um sistema de pagamento comum a todos os dispositivos, iOS e Android. Chamaram-nos ousados — e com razão. Foi preciso remover muitos obstáculos. E a verdade é que a intuição teve um papel enorme. Inspirámo-nos no exemplo asiático: se estava a resultar lá, por que não haveria de funcionar aqui? Hoje está demonstrado que foi uma aposta certa. Este tipo de feeling é também muito útil na gestão de crises e de obstáculos”.

“As empresas precisam de estar atentas à vida familiar das pessoas”

Lembrando que na SIBS 46% das pessoas são mulheres, Madalena Tomé diz que a liderança feminina nas organizações terá de evoluir a partir de dois aspetos essenciais. O primeiro é o exemplo: “É mais fácil evoluir quando existem mulheres em cargos de liderança — isso é um estímulo positivo”; o segundo é a consciência organizacional:As empresas precisam de estar atentas à vida familiar das pessoas. Estes dois fatores devem andar a par. E mais: num momento em que o talento é tão escasso, especialmente nas áreas tecnológicas, desperdiçar 50% desse talento não faz sentido”.

A CEO da SIBS não duvida: “Devemos procurar as melhores pessoas, com as melhores competências e a melhor vontade. As mulheres, muitas vezes, sentem-se mais inseguras. Por isso, é fundamental que estejam bem preparadas, para conseguirem ser mais afirmativas em contextos de grupo. A formação, aliada à confiança, é essencial”.

Madalena Cascais Tomé (CEO da SIBS). Foto: Marisa Cardoso

 

Anabela Silva

Anabela Silva (partner da EY) também assume que na gestão empresarial “há espaço para o feeling e para a inteligência emocional. A capacidade de se relacionar com os outros com empatia é essencial. Vivemos tempos de grande incerteza, e a capacidade dos líderes em gerirem emoçõesseja por intuição, instinto ou empatia — é, hoje, fundamental para motivar, reter e inspirar equipas. Sem instinto, não se consegue liderar. Sem isso, não conseguimos gerar confiança”.

A sócia da EY elucidou a sua ideia quando se procura alguém com o perfil certo para uma determinada equipa: “Uma equipa não é apenas um conjunto de indivíduos, e perceber se alguém se vai integrar bem é algo que passa muito pela intuição, mesmo sendo subjetivo”.

Para Anabela Silva, para a liderança no feminino ganhar protagonismo, é determinante a proatividade: “Trabalho numa organização onde o talento feminino é valorizado e apoiado. Tive, ao longo da minha carreira, muitas oportunidades de crescer e de abraçar novos desafios. Mas também acredito que isso acontece com proatividade. Não podemos esperar que as oportunidades venham até nós — temos de ir à luta. Os homens fazem isso, e nós também temos de o fazer”.

A partner da EY confidenciou que numa conferência no Reino Unido, que assistiu ouviu algo que mudou a sua carreira. Uma das pessoas nesse painel que acompanhei disse: ‘As mulheres esperam que os outros reconheçam o seu valor, os homens dizem por que é que têm valor’. Fiquei a pensar naquilo. Na altura, queria ser promovida a sócia. Quando voltei a Portugal, enviei um e-mail ao líder da minha área a dizer: ‘Quero ser sócia da EY Portugal. O que preciso de fazer para isso?’ Esse foi o ponto de viragem”, diz.

Mas além da proatividade, outro fator essencial, na visão de Anabela Silva: “ter um patrocinador, alguém que acredite em nós, que nos desafie e que nos puxe para cima”.

“Não podemos esperar que as oportunidades venham até nós — temos de ir à luta. Os homens fazem isso, e nós também temos de o fazer”

Outro aspeto relevante destacado por Anabela Silva é “ter uma rede de apoio familiar. Os nossos maridos, os nossos companheiros, também têm de acreditar em nós — isso faz toda a diferença na capacidade de evoluir na carreira”.

A responsável da EY trouxe ainda um testemunho que vivei na semana passada quando esteve em Luanda: “Vi uma tatuagem com a palavra ‘mãe’ e uma frase que dizia: ‘Na vida vale tudo, menos desistir. Cabeça erguida, mulher’. Aquilo ficou comigo. Fiz até um post no Instagram com essa imagem e uma música da Carolina Deslandes, Sexo Fraco, que tem uma letra que diz: ‘Eu não arregacei as mangas, eu tirei o casaco’. Acredito que é isso que nos define: ação, força, coragem. Temos todas as competências — temos de acreditar em nós”, concluiu.

Anabela Silva (partner da EY). Foto: Marisa Cardoso

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