Há poucas semanas, a imprensa internacional noticiava o encerramento do laboratório de Inteligência Artificial (IA) da Amazon, em Xangai. A decisão foi atribuída às crescentes tensões entre os Estados Unidos da América (EUA) e a China, numa rivalidade que, há muito, deixou de ser apenas comercial para se tornar também tecnológica. Não obstante, este episódio não é caso isolado: as restrições à exportação de chips, o controlo de algoritmos e a aposta em sistemas operativos alternativos revelam algumas das peças deste puzzle global.
A tecnologia, tal como a geopolítica, parece estar a fragmentar-se em blocos. De um lado, os EUA e os seus aliados; do outro, a China e a sua rede de parceiros. Pelo meio, a União Europeia procura erguer alguma autonomia através do AI Act, a primeira regulação ética para a IA, embora permaneça dependente de inovações desenvolvidas fora das suas fronteiras.
Um dos pontos-chave desta disputa são os chips de IA, fundamentais para criar e executar modelos avançados. A Amazon tem vindo a desenvolver processadores próprios, concebidos para treinar e otimizar sistemas de IA. Na China, devido às restrições impostas por Washington, empresas como a Nvidia adaptaram os seus chips ao mercado local, habilitados a operar modelos complexos com menos unidades. Estas tecnologias ilustram como a geopolítica afeta diretamente a disponibilidade e produção de componentes críticos para a IA.
Portugal, à semelhança de outras economias periféricas, não está no centro desta corrida, contudo, sente-lhe os efeitos. A dependência de infraestruturas e chips implica que qualquer avanço ou recuo das potências tecnológicas se repercute rapidamente na economia e na sociedade portuguesa. O dinamismo cultivado pela competição entre gigantes tecnológicas pode ser vantajoso para certos setores, porém também aumenta a vulnerabilidade do país perante falhas, ruturas ou restrições impostas nos mercados internacionais.
No plano global, esta guerra tecnológica altera o ritmo e a direção da inovação digital. Empresas e laboratórios de investigação veem-se pressionados a escolher entre padrões distintos, enquanto a corrida ao domínio da IA aprofunda a assimetria entre os países produtores de tecnologia de ponta e aqueles que consomem produtos finais. A fragmentação ameaça reduzir a cooperação científica mundial e complica a resolução de desafios globais que dependem de soluções de IA, como a saúde, as alterações climáticas ou a cibersegurança.
A IA ultrapassou a sua função de mera ferramenta de produtividade ou de crescimento económico para se afirmar como um vetor de poder estratégico, capaz de condicionar economias e relações internacionais. Decisões empresariais estão cada vez mais enredadas em jogos geopolíticos, cujas repercussões atravessam o mundo inteiro, independentemente da dimensão ou da força tecnológica do país.
Num contexto fragmentado, o futuro da IA será marcado por desigualdades e escolhas políticas imprevisíveis. Países como Portugal encontram-se simultaneamente expostos aos benefícios de inovações importadas e aos riscos da dependência externa. Não é quem ocupa a liderança na IA que importa, mas o peso desta posição em influenciar a economia, a sociedade e a soberania tecnológica das nações. Quando dois gigantes lutam, o mundo sente o abalo.
Miguel Gomes,
Diretor Financeiro da JUNITEC – Júnior Empresa do Instituto Superior Técnico