No Mercado Vermelho, o mais icónico de Macau, que reabriu esta semana ao público depois de dois anos encerrado para obras de remodelação, ainda há quem recorra ao português para atrair clientes.
Duas horas depois da cerimónia de inauguração das novas instalações, centenas de pessoas já percorriam os corredores do mercado, um dos mais antigos de Macau e o único classificado como património cultural.
Para muitos clientes regulares o dia foi de reencontro com os vendedores que regressaram às 118 bancas já hoje em funcionamento. Mas o Instituto para os Assuntos Municipais admitiu que 31 continuam vazias.
Alguns dos vendedores não resistiram à quebra no volume de negócios, devido à mudança para instalações temporárias na zona de Lam Mau e outras bancas mudaram de mãos.
No caso de Leong Yau Chan, a banca de peixe que estreou hoje era do pai, Leong Chi Pong, que chegou há mais de quatro décadas, com apenas 26 anos, de Zhongshan, uma cidade a 40 quilómetros de Macau.
“Há muito tempo que estávamos a tentar convencê-lo a reformar-se, porque já tinha quase 70 anos”, disse à Lusa.
Leong Yau Chan recorda-se bem do pai a tentar falar “um pouquinho de português” com qualquer rosto ocidental que subia ao andar de cima do Mercado Vermelho: “Amigo, quer salmão?” arrisca agora o filho.
Mas nos últimos anos, antes do encerramento, os clientes portugueses habituais da banca já não eram tantos como antes. “Muitos foram embora durante a pandemia, enquanto estivemos para aqui fechados”, lamentou o vendedor de 38 anos.
Durante quase três anos, Macau proibiu a entrada de pessoas sem estatuto de residente e impôs quarentenas, que chegaram a ser de 28 dias, à chegada à região semiautónoma, no âmbito da política ‘zero covid’, que também vigorou na China continental.
No andar de baixo, Ana Wong também lamenta que houvesse menos portugueses a visitar o Mercado Vermelho do que quando começou o negócio, há mais de 40 anos.
“Batata, tomate, cebola, alface, agrião, brócolos, couve-flor”, enumera a vendedora de 66 anos, enquanto aponta, um a um, os legumes na banca.
O português de Ana Wong, que não vai muito além dos nomes dos legumes e dos preços, aprendeu em aulas noturnas, que frequentou antes da transferência da administração de Macau para a China.
“Sabe porque é que até prefiro os clientes portugueses?” questionou a vendedora. “Porque não conseguem regatear”, acrescentou com uma risada, referindo-se ao facto da maioria dos portugueses radicados em Macau não falar cantonês, a língua dominante na cidade.
Mas Ana Wong ainda acrescentou que, ao contrário do que acontecia no passado, já começam a surgir “alguns portugueses que pedem os legumes em chinês”.
“Aqueles casados com macaenses”, explicou, utilizando a expressão em cantonês ‘tou san’ (filhos da terra), que se refere à comunidade euro-asiática, composta sobretudo por lusodescendentes, com raízes no território.
Construído em 1936, o Mercado Vermelho é um edifício de influência arquitetónica portuguesa e foi projetado pelo macaense Júlio Alberto Basto.
(Lusa)