Numa sociedade caracterizada pelo aumento das disparidades sociais e das desigualdades de género, o fundo Elas+ surge como um farol de esperança e progresso. Fundado no Brasil em 2000 por cinco ativistas de diferentes origens sociais e culturais, esta iniciativa pioneira tem desempenhado um papel fundamental no apoio a grupos liderados por mulheres.
As fundadoras do Elas+ – Amalia Fischer, Izabel Cristina Ferreira, Madalena Guilhon, Neusa das Dores Pereira e Raquel Martins Silva – reconheceram a necessidade urgente de apoiar grupos informais de mulheres. Desde o início, uma das principais características do fundo tem sido o compromisso de proporcionar acesso direto a recursos para uma ampla gama de organizações.
Uma das primeiras batalhas foi contra a pobreza e a fome, refletindo o compromisso da organização em abordar questões sociais urgentes. Ao falar em exclusivo à FORBES, sobre os primeiros dias, Amalia Fischer, uma das fundadoras, relembra como montaram uma assembleia diversificada de ativistas, incluindo mulheres negras e brancas, todas identificadas como lésbicas. O seu objetivo comum era desafiar as normas sociais e dar voz a grupos marginalizados. Como Fischer relata, “Estamos nisto há 23 anos até agora, e está funcionando”.
O fundo navegou nas transformações sociais rápidas ao longo dos anos, tornando-se uma organização consolidada e firme – uma raridade entre as entidades filantrópicas. Fischer discute como o poder político reage ao seu trabalho, enfatizando que o Elas+ mantém interações mínimas com o establishment político. Embora se envolvam com algumas parlamentares feministas para discutir a presença das mulheres na política, os estatutos da organização proíbem o apoio a partidos políticos, uma vez que a organização é composta por mulheres de várias afiliações políticas.
Mas a ativista, apesar do sucesso, garante que no seu trabalho continua a sentir-se “como uma Dom Quixote, sempre a lutar contra moinhos de vento”.
Expandir a visão Elas+
À medida que olha para o futuro, a organização pretende expandir o seu alcance para além do Brasil. Parceiro da Humanity Summit, que teve lugar esta semana em Faro e Lisboa, o Fundo Elas+ tem como próximo objetivo marcar presença em Portugal, concentrando-se no apoio a mulheres migrantes, mulheres negras, mulheres ciganas, pessoas trans e comunidades intersexo.
Através da colaboração com parceiros e partes interessadas locais, o Elas+ quer trazer o seu modelo filantrópico bem-sucedido para Portugal. A organização espera catalisar uma rede de fundos de mulheres em países de língua portuguesa, com grande enfoque em África, promovendo, em última instância, uma maior equidade de género e justiça nestas regiões.
“Queremos abrir a organização, mobilizar recursos e ajudar pessoas. É começar tudo de novo. Agora já com a experiência do Brasil com resultados positivos. E não será só em Portugal, queremos também chegar a África, que se abram fundos de mulheres na África onde se fala português. O nosso objetivo é que se faça uma federação de fundos de mulheres de língua portuguesa”, conclui.
Amplificar as vozes das mulheres
O Elas+ adotou uma abordagem única à filantropia, caracterizada pela defesa e pelo envolvimento direto. Amalia Fischer, 67 anos, explica como inicialmente participaram em conferências e eventos filantrópicos convencionais, onde levantavam a mão para fazer uma pergunta simples, mas profunda: “Por que vocês não apoiam as mulheres?”. Sempre destacando o facto de que as mulheres serem os principais agentes de transformação social no Brasil, chamando a atenção para questões como feminicídio, violência sexual e violência doméstica. “As nossas perguntas não tinham caráter confrontacional, mas visavam promover a reflexão”, recorda a mexicana-nicaraguense que está no Brasil desde a década de 1990.
Esta abordagem paciente e persistente – “um trabalho de formiguinha”, vinca – finalmente rendeu o reconhecimento da organização. À medida que os direitos das mulheres avançavam globalmente, organizações filantrópicas começaram a reconhecer a importância de apoiar iniciativas lideradas por mulheres. Fischer destaca que a ascensão das mulheres a cargos de liderança em diversos setores também contribuiu para que esse reconhecimento fosse real.
Catalisador para a justiça social
A iniciativa Elas+ representa o surgimento da filantropia de justiça social no século XXI. Organizações como esta são o coração da sociedade civil, efetuando mudanças e tornando o mundo um lugar mais justo e equitativo. A sua forma única de filantropia baseia-se na crença de que aqueles que compreendem as necessidades e realidades de uma comunidade são os próprios membros dessa comunidade. Como Fischer afirma com eloquência: “Elas sabem do que precisam. Nenhum fundo ou partido político pode impor essas necessidades. Apoiamos organizações de mulheres – registadas legalmente ou não, coletivos de pessoas trans e intersexo – com base no que elas expressam como sendo as suas prioridades e das suas comunidades.”