O Supremo Tribunal Federal brasileiro autorizou a polícia a levantar o sigilo bancário e fiscal do ex-presidente Jair Bolsonaro na investigação à apropriação e venda de joias recebidas durante o seu mandato.
A decisão foi tomada na quinta-feira à noite pelo magistrado Alexandre de Moraes e é extensiva à mulher do ex-presidente, Michelle Bolsonaro.
As autoridades brasileiras estão a tentar desvendar uma trama em torno de uma série de joias e objetos de grande valor que o chefe de Estado brasileiro, quando ainda estava no poder, recebeu durante as suas viagens ao estrangeiro como presentes e que legalmente tinha de entregar aos cofres do Estado quando deixou o cargo.
Ou seja, estes objetos de alto valor deveriam ser obrigatoriamente entregues ao acervo da Presidência da República – são bens públicos e não pessoais.
Em outubro de 2021, Marcos André dos Santos Soeiro, militar e ex-assessor do governo, mais concretamente do ministro Bento Albuquerque, tentou, de forma ilegal, entrar no Brasil com as joias.
A perícia da Polícia Federal indicou que o colar, o par de brincos, o anel e o relógio que transportava estavam avaliados em R$ 5,1 milhões, perto de 1 M€.
Como as joias não foram declaradas à Receita Federal no aeroporto de Guarulhos, São Paulo, foram apreendidas.
O resto da bagagem que era trazida (o cavalo de ouro) elevaria o valor para R$ 16,5 milhões (cerca de 3 M€), tudo sem ser declarado à Receita Federal. O vídeo refere-se a esse momento:
No entanto, de acordo com as investigações, Bolsonaro manteve vários desses presentes de luxo e, através de intermediários, vendeu parte deles nos Estados Unidos, embora alguns dos seus colaboradores os tenham comprado de volta mais tarde quando o Estado exigiu a sua devolução.
Em março deste ano, os advogados de defesa de Bolsonaro entregaram um conjunto de joias que estavam na posse do ex-presidente e não foram declaradas à Receita Federal. Trata-se de um conjunto da marca suíça Chopard, que inclui um relógio, uma caneta, um anel, dois botões de punho e um tipo de rosário conhecido como “masbaha”.
Sigilo bancário
A decisão do juiz de levantar o sigilo bancário surge em resposta a um pedido da Polícia Federal, que pretende investigar as contas de Bolsonaro e da sua mulher em busca de transações suspeitas e, em última análise, saber se o dinheiro obtido com a venda destas joias chegou ao ex-chefe de Estado, que nega qualquer tipo de irregularidade.
O juiz também deu luz verde para que a Polícia Federal peça aos Estados Unidos o levantamento do sigilo bancário dos investigados que têm contas naquele país.
Nessas investigações, pode ter um papel fundamental o ex-assessor de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, que, na quinta-feira, através do seu advogado, anunciou uma mudança de estratégia na sua defesa e disse que vai apontar diretamente o antigo Presidente como principal responsável pela trama.
O advogado Cezar Bitencourt disse à imprensa local que o seu cliente vai confessar à polícia que vendeu nos Estados Unidos as joias recebidas por Bolsonaro em várias viagens oficiais, que transferiu o dinheiro para o Brasil e que o entregou em dinheiro ao próprio Bolsonaro.
O advogado disse à revista “Veja” que Mauro Cid vai assumir os factos, mas que cumpriu “ordens diretas do então Presidente da República, que seria o líder” do esquema.
Essas ordens incluíam vender as joias que recebia no exterior como presentes e enviar o dinheiro obtido a Bolsonaro, segundo Bitencourt.
Entre os presentes dados por autoridades estrangeiras e que seguiriam para leilão (designadamente através da leiloeira Fortuna, cujo catálogo do leilão ainda pode ser encontrado na internet neste link) estão um kit da grife de luxo Chopard, dois relógios (um Rolex e um Patek Philippe) e duas esculturas folheadas a ouro.
No caso do conjunto da Chopard, a leiloeira Fortuna referia-se como pertencendo a um senhor (“property of a gentleman”):
Os itens de alto valor terão sido omitidos do acervo público e vendidos para enriquecer o ex-presidente.
A confissão de Mauro Cid pode complicar ainda mais a já delicada situação jurídica de Bolsonaro, que está a ser investigado em vários processos civis e criminais, incluindo a tentativa de golpe de 08 de janeiro, quando milhares de radicais invadiram as sedes da Presidência, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal numa tentativa de derrubar o Presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, que assumiu o cargo a 01 de janeiro.
As declarações de Mauro Cid surgem após um ‘hacker’ ter dito, num depoimento numa comissão parlamentar, que Bolsonaro procurou os seus serviços para tentar piratear os sistemas de votação eletrónica.
Walter Delgatti, conhecido por fazer escutas telefónicas de autoridades e outros crimes, disse que Bolsonaro lhe pediu para invadir o sistema do Tribunal Superior Eleitoral e até lhe prometeu um indulto caso tivesse problemas com a justiça.
* com Lusa