A liderar projetos no Médio Oriente há 10 anos, Pedro Ribeiro foi nomeado Diretor-Geral do CBRE Group na Arábia Saudita. O português será responsável pelas operações da empresa nesta nação árabe, com foco no desenvolvimento de todas as linhas de serviço e apoiar o rápido crescimento da CBRE no país.
Inserido na Visão 2030, parte do programa de transformação do governo saudita, Pedro Ribeiro está envolvido em projetos como o The Line, uma construção de 170 km de empreendimentos tecnológicos, ou o Neom, que visa construir uma cidade do dobro do tamanho de Nova Iorque no meio do deserto.
“Em Portugal, ou mesmo na Europa, não existem projetos desta dimensão [dos da Arábia Saudita]”, diz: “Assumir a liderança do mercado com maior taxa de crescimento a nível mundial é uma honra e uma responsabilidade muito grande”.
À Forbes, este especialista imobiliário aborda as oportunidades de investimento na Arábia Saudita, país que tem atualmente vários projetos, como a construção de 12 cidades, avaliados em um trilião de dólares, apenas para a conclusão da primeira fase, expectando-se um valor total de três triliões de dólares.
Pedro Ribeiro lidera uma equipa com cerca de 120 profissionais, entre a sede em Riade e a cidade de Jeddah, afirmando ter presente as palavras que Belmiro de Azevedo, uma referência para si pelo modo como fez crescer o Grupo Sonae, diz ter-lhe dirigido uma vez que se cruzou com ele em 1999 e que lhe servem de máxima: “Trabalha com muito esforço e dedicação para alcançares os teus sonhos, e quando os alcançares encontra sonhos novos”.
Como conseguiu um português chegar à liderança do ramo imobiliário da multinacional CBRE num país como a Arábia Saudita?
Pedro Ribeiro (PR): Chegar aqui foi, antes de mais, um processo com muito trabalho, dedicação e vontade de evoluir. Comecei a trabalhar cedo, quando ainda estava a tirar o curso de gestão, e as oportunidades foram surgindo e a responsabilidade aumentando nas empresas por onde passei. Primeiro em Portugal, nos grupos Neinver e Multi Coorporation e, em 2012, quando se vivia uma profunda crise económica em Portugal, tive um convite da McArthur + Company para liderar dois grandes projetos no Qatar: o Mall of Qatar e a nova zona industrial de Doha. O negócio imobiliário estava em alta e seguiram-se vários outros projetos no Qatar.
Depois, em 2017, começou o bloqueio diplomático e económico ao Qatar pelos países do Golfo Pérsico e adivinhava-se uma crise no país. Nesse momento mudei-me para a Arábia Saudita, que economicamente estava em forte crescimento, para gerir um portfólio de 25 centros comerciais.
Consegui elevar o nível de gestão do meu portfólio e concluir dois projetos novos que tiveram a honra de ser premiados pelo Middle East Council of Shopping Centres: o Riyadh Park Mall foi galardoado como o melhor novo centro comercial no Médio Oriente em 2018 e o Panorama Mall foi distinguido como o melhor projeto de reformulação.
Depois fui convidado pela empresa concorrente da CBRE e trabalhei vários projetos de referência até surgir o interesse da CBRE no meu perfil e na minha experiência. Conheceram-me e convidaram-me. Aos 46 anos é o meu maior desafio profissional e o de maior responsabilidade.
A Arábia Saudita é um mercado pujante do ponto de vista do imobiliário. Quais são as características principais deste mercado que enumeraria?
PR: A Arábia Saudita é uma das economias em maior crescimento no mundo e a maior economia do Médio Oriente com um mercado consumidor de 35 milhões e com previsão de crescimento do PIB. Neste momento está a ser implementada uma profunda reforma económica, fiscal e de desenvolvimento nacional a decorrer até 2030, intitulada Visão 2030. Este projeto tem como objetivo de reduzir a dependência da economia da produção de petróleo, apostando noutros setores, sobretudo no imobiliário, infraestruturas e turismo. O plano ambicioso de modernização do país é ímpar no mundo, levando consigo a data de 2030 para a execução de inúmeros projetos de grande envergadura, como os giga projetos Neom e The Line.
Estão a ser planeadas e construídas cidades de raiz de enorme dimensão, o que faz com que a Arábia Saudita seja, atualmente, a maior área de construção no mundo.
O impacto na atual oferta faz com que os preços de alguns ativos imobiliários de classe A e alguns de classe B sejam elevados com tendência a aumentar, tendo em conta o ciclo necessário para que os futuros ativos sejam efetivamente concluídos.
“Estão a ser planeadas e construídas cidades de raiz de enorme dimensão, o que faz com que a Arábia Saudita seja, atualmente, a maior área de construção no mundo”.
Os arranha-céus são a imagem-tipo de muitos dos novos projetos imobiliários em grandes e economicamente ricas cidades árabes. Isso também é assim nas metrópoles sauditas?
PR: A paisagem da capital, Riyadh e da cidade de Jeddah já é predominantemente marcada por arranha-céus arquitetonicamente futuristas. A famosa Kingdom Tower é o cartão-de-visita da capital, assim como a torre do globo – Al Faisaliyah Tower. Tal como estas torres, há outros projetos interessantes em desenvolvimento noutras cidades onde o pipeline a ser entregue contempla alguns dos maiores e inovadores arranha-céus do mundo.
É o caso do megaprojeto de Neom, no meio do deserto, a noroeste da Arábia Saudita, onde está projetada uma megacidade futurista e tecnológica. Também o novo projeto The Line será uma eco-cidade em forma de dois arranha-céus espelhados que se vão estender por uma faixa de 170 quilómetros e que terá 500 metros de altura e 200 metros de comprimento.
Foi a dimensão fora do comum da realidade imobiliária saudita – e quase sem paralelo face à realidade europeia – que o seduziu neste projeto?
PR: O que me seduz é a capacidade de inovar, apostar na diferença e fazer parte de projetos que serão um legado no futuro. Estou há 10 anos no Médio Oriente e o meu mote sempre foi esse. Gosto de desafios e sem dúvida que chegar até aqui e liderar uma empresa como a CBRE, que é a maior empresa mundial na oferta de serviços de commercial real estate e investimentos, número 1 mundial em vendas de propriedades, leasing, outsourcing, gestão de ativos imobiliários e maior avaliadora, é para mim muito motivador. A CBRE é uma empresa Fortune 500, votada há 20 anos consecutivos, pela Lipsey Company, como Top Brand em real estate, há nove anos consecutivos nomeada pela Fortune’s como “Most Admired Companies” e há três anos que ocupa o primeiro lugar no sector de real estate.
Enquanto português é uma honra ter sido escolhido para esta posição aos 46 anos.
Em Portugal parece-me que teria pela frente uma carreira infindável se quisesse chegar ao topo da mesma e nunca teria projetos desta dimensão.
Os projetos imobiliários que florescem na Arábia Saudita são maioritariamente de luxo, seja de habitação, de turismo ou escritórios?
PR: Acredito que possa ser essa a perceção a nível internacional, tendo em conta que alguns dos projetos são muito conhecidos no nicho de luxo e do turismo, como Al Ula e The Red Sea.
Mas não são só empreendimentos de luxo. Aliás, a ambição do governo Saudita visa também alargar a oferta de habitação a todas as classes sociais e em todas as áreas do país, mesmo nas menos desenvolvidas. Existem programas nacionais com objetivo de construir habitação acessível no sentido de fixar a população, proporcionando uma maior e melhor qualidade de vida. Estes projetos conjugam habitação familiar com formatos comerciais e entretenimento.
Diria que estamos numa fase de grande desenvolvimento e expansão do setor do imobiliário em todas as suas vertentes, direta e indiretamente.
Neste momento, há uma “corrida” entre a Arábia Saudita e o Dubai para conseguirem ser a referência imobiliária de luxo no mundo?
PR: São dois países muito diferentes a todos os níveis, desde logo cultural e geograficamente.
O Dubai está completamente ocidentalizado, aberto ao mundo e oferece um estilo de vida ímpar a nível mundial, onde vários fatores contribuem para a sua afirmação de destino de luxo, enquanto a entrada na Arábia Saudita ainda exige a aprovação de um visto e a lei sharia impõe um código que tem disposições sobre todos os aspetos da vida cotidiana, incluindo direito, negócios e finanças.
A cidade do Dubai foi planeada e construída para se afirmar nos Emirados Árabes Unidos como a mais aberta e ocidentalizada, comercial e turisticamente, e foi pensada há 20 anos com esse objetivo. A população no Dubai é de cerca de 3 milhões de residentes enquanto a Arábia Saudita tem 35 milhões de habitantes.
Pela densidade populacional e características geográficas do país – que é o quinto maior da Ásia – com uma vasta área ocupada pelo deserto, montanhas e zonas áridas, o desafio do reino é o de dotar de infraestruturas todas as cidades e regiões de difícil acesso. Em linha com a Visão 2030, a maioria dos 15 giga projetos, que já estão em construção, destinam-se a criar novas cidades onde pouco ou nada existe, preservando a natureza e a biodiversidade. Ora se estamos a começar cidades do zero porque vamos fazer cidades normais? O que acontece é que os projetos divulgados internacionalmente, as mega eco-cidades futuristas nas zonas de Neom e em toda a costa banhada pelo Mar Vermelho, chamaram a atenção do mundo e é sobretudo aí que vão nascer novos destinos turísticos de luxo que irão rivalizar com os vizinhos Emirados Árabes Unidos.
“Em linha com a Visão 2030, a maioria dos 15 giga projetos, que já estão em construção, destinam-se a criar novas cidades onde pouco ou nada existe”
Lidera uma equipa de 120 pessoas. É uma equipa multinacional? É composta por profissionais de que áreas?
PR: Lidero uma equipa com 120 profissionais e a crescer. Pretendemos ser uma equipa de 300 pessoas ou mais. Multinacional e multidisciplinar. Áreas distintas como a financeira, investimentos, avaliação de imóveis, consultoria, transações financeiras, aquisição, planeamento, design, arquitetura, gestão de portfólios, conceção e definição de estratégia comercial, leasing, capital markets, análise e planeamento de master plans, estudos de viabilidade financeira, industrial e logística. O objetivo é, desde A a Z, poder fornecer, em qualquer atividade e em qualquer região da Arábia Saudita, os mesmos serviços que colocaram a CBRE a nível mundial na liderança do sector de real estate.
É a equipa mais vasta que comandou até agora? Como tem sido gerir tantas pessoas?
PR: Diretamente sim. Tem sido muito gratificante aprender com todos os profissionais de diversas áreas, diferentes zonas do mundo e de diversas religiões.
Por norma, tento compreender primeiro a pessoa na sua individualidade, as suas expectativas e ambições, para depois poder proporcionar a todos os profissionais e a todas as equipas os meios necessários para que possam crescer e ter sucesso. Eu comecei a minha carreira pela base da pirâmide e acho que isso foi essencial para que, ao chegar ao lugar de topo, saiba compreender toda estrutura da nossa organização. Considero mesmo que todo o administrador de uma empresa, CEO ou chairman, deveria, nem que fosse por um dia, viver a realidade de base da sua empresa de forma a poder compreender a sua essência.
Para mim tem sido uma experiência muito gratificante e de crescimento pessoal e profissional.
“Todo o administrador de uma empresa, CEO ou chairman, deveria, nem que fosse por um dia, viver a realidade de base da sua empresa de forma a poder compreender a sua essência”
Como é que se define como gestor?
PR: A definição é feita pelas empresas, pelas pessoas com as quais tive a honra de trabalhar e todos os Chairman ou Board Members a quem reportei. Sou um gestor que alcança os objetivos delineados, potenciando, no processo, todos os profissionais que trabalham comigo. Lidero pelo exemplo, chegando primeiro que todos ao local de trabalho, acompanhando a equipa de perto e tendo por base os princípios de convivência empresarial, respeito, ética, integridade, excelência. Sou um gestor de trato fácil mas rigoroso e, acima de tudo, versátil. O meu mote é simples: para ganhar, é preciso apostar na diferença, é preciso trabalhar.
Face à realidade portuguesa, quais foram as maiores diferenças em termos de gestão do trabalho com que se tem confrontado?
PR: A realidade dos orçamentos é a maior diferença, sendo na ordem dos biliões atualmente no Médio Oriente. A dimensão dos vários projetos em que estou envolvido no planeamento de cidades – os giga projetos – não têm paralelo na Europa. Também as equipas que trabalham comigo diretamente são maiores em termos de C-Level.
Destaco também a abertura e disponibilidade que há para se discutir projetos por parte de qualquer governante, ministro, família real, enquanto em Portugal somos todos muito ocupados e pouco disponíveis, o que nos trava no nosso próprio percurso de crescimento.
Que desafios se lhe têm apresentado, quer do ponto de vista pessoal, quer do ponto de vista do gestor, dadas as realidades culturais diferentes de Portugal e da Arábia Saudita?
PR: A dificuldade de implementar um sistema de gestão com processos e procedimentos internacionais e auditados com que sempre trabalhei, o tempo que leva a serem aceites e implementados, e o facto de o mercado não ser tão maduro são os maiores desafios enquanto gestor com que me venho deparando no Médio Oriente.
Culturalmente tive de me adaptar a um país que tem o islão como religião oficial, em que 90% da população é muçulmana e os costumes estão intimamente ligados ao islamismo. No entanto, nos últimos anos, tem-se sentido uma mudança de mentalidade e identidade do país, menos centrada na religião e mais focada na sua história e nos valores nacionais, desde logo com a libertação das mulheres das restrições da lei islâmica para nutrir uma força de trabalho mais criativa e dinâmica. Os sauditas tornaram-se cosmopolitas, as novas gerações estudam na Europa e nos Estados Unidos, já fazem parte do mundo globalizado e regressam depois a casa como agentes de mudança na construção de um novo reino, sem abandonarem as suas raízes e os seus valores culturais.
A nível pessoal o maior desafio é a distância da minha família e o clima.
“As novas gerações estudam na Europa e nos EUA e regressam depois a casa como agentes de mudança na construção de um novo reino”
Que tipo de ensinamentos entende que a realidade imobiliária da Arábia Saudita lhe tem vindo a transmitir e que poderia ser útil se fosse replicado em Portugal?
PR: Desburocratizar, simplificar e modernizar o estado. É preciso dar agilidade, transparência, eficiência e eficácia nos processos para que os projetos sejam céleres e se desenvolvam.
Outro ponto interessante é que no Médio Oriente começamos a ter uma supervisão à forma como os gestores e líderes de projetos gerem as suas empresas.
Neste momento, os principais projetos imobiliários que está a desenvolver na Arábia Saudita estão relacionados com o projeto The Line, uma construção de 170 km de empreendimentos tecnológicos, e o Neom que visa construir uma cidade futurística do dobro do tamanho de Nova Iorque no meio do deserto. Esses ambiciosos projetos estão já a ser implementados? Qual o valor dos investimentos?
PR: Quem está a desenvolver os projetos é governo saudita através do PIF – Fundo de Investimento Público (Public Investment Fund), procurando também atrair grupos de investimento internacionais.
Ora quanto maior o projeto, maior o número de empresas envolvidas, e é neste ponto que a CBRE com a minha liderança pretende crescer.
As duas novas cidades Neom e The Line já se encontram em fase inicial, em linha com a Visão 2030. Pela dimensão e especificidades tecnológicas dos projetos é estimado que a primeira fase da cidade de Neom venha a custar 320 biliões de dólares. O projeto The Line tem um custo inicial estimado para a sua infraestrutura de 200 biliões. A primeira fase está projetada para ser concluída em 2025. Estima-se que o investimento para estas duas novas cidades seja de 1 trilião de dólares no total.
“É estimado que a primeira fase da cidade de Neom venha a custar 320 biliões de dólares. O projeto The Line tem um custo inicial estimado para a sua infraestrutura de 200 biliões”
A sua participação nestes dois projetos em que é que se traduz de forma concreta?
PR: A fase atual é de planeamento, análise financeira e validação. A CBRE tem estado envolvida em algumas das fases dos vários projetos ligados à Visão 2030 e eu pretendo aumentar esse envolvimento trazendo e implementando a nossa experiência a nível mundial para a Arábia Saudita, em todas as nossas valências.
O próprio crescimento orgânico da CBRE KSA visa responder de forma imediata às necessidades dos giga projetos, encontrando soluções e contribuindo para a implementação conforme inicialmente planeado.
Há investimento português imobiliário relevante na Arábia Saudita?
PR: Há empresas portuguesas que identificaram novas oportunidades de negócio na Arábia Saudita, mas o investimento ainda é pouco porque não é fácil penetrar neste mercado.
Há oportunidades no ramo imobiliário na Arábia Saudita para os portugueses investirem ou trata-se de um segmento difícil de entrar?
PR: Estão a ser criadas condições para facilitar o investimento estrangeiro num futuro próximo, mas atualmente ainda se trata de um segmento difícil de entrar apesar das oportunidades existentes no mercado. Considero que o mercado apresenta oportunidades de negócio para empresas portuguesas porque este é um grande momento de expansão em todos os setores, não só no segmento do ramo imobiliário e da construção, como também nos setores alimentares, minerais, máquinas e minérios, papel, químicos, turismo, plásticos, saúde, energias renováveis, tecnologias de informação e comunicação.
“O mercado apresenta oportunidades de negócio para empresas portuguesas”
Trata-se de um mercado dominado por investidores de que nacionalidades?
PR: Na sua maioria empresas sauditas. Algumas empresas têm alguns empreendimentos em conjunto com investidores dos Emirados Árabes Unidos, outras com empresas líderes a nível mundial mas onde a participação é sempre maioritariamente saudita.
Baseado na sua experiência, que conselhos daria a quem pretende investir no imobiliário na Arábia Saudita?
PR: Quem pretende investir no imobiliário na Arábia Saudita deverá procurar um aconselhamento de consultoras que conheçam bem as particularidades deste mercado. A escolha do parceiro local também é crucial, e não se precipitar na estratégia, na escolha dos ativos, a classe dos mesmos e do veículo financeiro. A duração destas operações de investimento também é diferente e mais lenta quando comparadas com a realidade em Portugal ou na Europa, importante para se ter em conta quando a operação é de saída rápida.
Inversamente, os investidores imobiliários na Arábia Saudita consideram Portugal no seu portefólio de investimentos ou o nosso país não tem expressão para os investidores sauditas?
PR: Sim consideram, eu conheço alguns investidores que olham para Portugal como uma oportunidade interessante. Inclusive já estive em Portugal para analisar uma operação de investimento na ordem de centenas de milhões de euros. Cabe ao governo e ao setor privado encontrarem formas de facilitar e agilizar tais operações.