O empreendedorismo é a base de qualquer economia saudável, globalizada e competitiva, pois é através deste que se cria emprego e crescimento sustentável. Em Portugal, muito se tem falado nos últimos anos de empreendedorismo associado ao ecossistema de startups, mas este conceito vai muito mais longe do que falar apenas na criação de empresas de raiz tecnológica e com elevado potencial de crescimento. Em termos gerais, e segundo o GEM – Global Entrepreneurship Monitor, o maior estudo sobre empreendedorismo no mundo, este pode definir-se como qualquer tentativa de criar um novo negócio ou uma nova iniciativa, tal como a criação de o próprio emprego, de uma nova organização empresarial ou até a expansão de um negócio existente, por parte de um individuo ou uma equipa. As vantagens para a economia não deixam margem para dúvidas: criação de novas empresas com o respetivo retorno no emprego e nas contribuições ficais para o Estado, maior investimento, promoção da competitividade e melhoria da capacidade de correr riscos, incrementando a criatividade e a inovação de um país. Educar para o empreendedorismo foi colocado como uma prioridade, reconhecida pela União Europeia, para todos os estados-membros que deverão criar uma verdadeira cultura empreendedora europeia.
“Há um interesse crescente de empresas multinacionais em instalarem em Portugal os seus centros de competências”, afirma Alexandre Meireles, da ANJE.
De facto, Portugal é reconhecido como um país de empreendedores, mas com muito caminho ainda por trilhar. Segundo o relatório da SPI – Sociedade Portuguesa de Inovação, que coordenou, em parceria com a PACT – Parque do Alentejo da Ciência e Tecnologia, da Universidade de Évora, a parte nacional do GEM 2019/2020, último estudo em que Portugal participou, “a atividade empreendedora tem vindo a evoluir de forma positiva nos anos mais recentes, apoiando o desenvolvimento da atividade económica do país e contribuindo para a criação de uma cultura empresarial dinâmica, e que permite a geração de mais emprego e investimento”. Através de sondagem a mais de duas mil pessoas entre os 18 e os 64 anos, foi possível retirar diversas conclusões sobre o perfil do empreendedor português, nomeadamente no que diz respeito à atividade empreendedora, análise esta que se debruça sobre vários parâmetros associados à criação e cessação de negócios, dando origem ao principal índice do GEM, a Taxa de Atividade Empreendedora Early Stage Total (TEA). Esta taxa mede a proporção de indivíduos nesta faixa etária que estão envolvidos na criação e gestão de negócios que geraram remuneração por um período até 42 meses. Assim, em 2019, dados anteriores ao impacto da pandemia, Portugal registou uma taxa TEA de 12,9%, um resultado bastante superior ao registado em 2016, que se ficou pelos 8,2%. Esta evolução sugere um crescimento do empreendedorismo no país que acompanha a mesma tendência de alguns países referência nesta área, nomeadamente nos Estados Unidos e no Canadá. Esta taxa TEA era, à data, relativamente alta dentro do grupo das economias de rendimento alto, posicionando-se na 20ª posição, um crescimento de 22 lugares face à ocupada em 2016.
Criação de empresas acelera a partir do ano 2000
A criação de empresas é, pois, um dos indicadores que podemos utilizar para avaliar o nível de empreendedorismo de um país. Nos Estados Unidos, um dos países mais empreendedores no mundo, são criados, em média, cerca de 4,4 milhões de novos negócios anualmente. Também em Portugal existe algum dinamismo na criação de novas empresas: segundo o Instituto Nacional de Estatísticas (INE), nasceram, em 2021, cerca de 187 mil empresas, sociedades e em nome individual, o que equivale a um crescimento de 21,2% face a 2020, para um número total de 1.359.035.
Curioso é notar, num plano mais longo, que, em 1990, o país apenas tinha 389 mil empresas, e uma década depois quase que duplicava este número, para perto de 700 mil, crescimento que se manteve similar nos 10 anos seguintes. Além do crescimento das novas aberturas, em 2021, foram encerradas menos 24% de sociedades face a 2020, ano do início da pandemia.
Destas empresas, muitas delas são apenas negócios individuais ou que geram poucos postos de trabalho – convém lembrar que cerca de 99% do tecido empresarial português é composto por Pequenas e Médias Empresas (PME), sobretudo pequenas e micro -, motivados muitas vezes pela falta de oportunidades laborais. “Em Portugal coexistem, dois perfis de empreendedores muito distintos, cujas diferenças resultam, em grande medida, do nível de qualificação e da apetência pela inovação. Porém, ainda predominam os pequenos negócios e serviços de proximidade, muitas vezes motivados pela dificuldade de integração no mercado laboral. Trata-se, neste caso, de iniciativas desenvolvidas, sobretudo, por empresários pouco qualificados, sem a ambição de serem inovadores ou de internacionalizarem as suas atividades”, explica à FORBES Alexandre Meireles, presidente da ANJE – Associação Nacional de Jovens Empresários. Estas iniciativas não deixam de ser, por isso, menos relevantes no panorama nacional. “Paralelamente, verifica-se a emergência de empreendedores mais qualificados, que criam startups baseadas no conhecimento e com grande intensidade de inovação. Por terem mais qualificações científicas, mais competências digitais, maior espírito cosmopolita e menor aversão ao risco, estes empreendedores estão a dinamizar o tecido empresarial com modelos de negócio baseados em tecnologias disruptivas e a apostar na internacionalização das suas empresas”, explica, a propósito, este responsável.
“Temos vouchers no valor global de 90 milhões de euros, a distribuir por 3 mil startups e vouchers de 20 milhões de euros para incubadoras” diz António Dias Martins, da StartUp Portugal.
Ou seja, nem só de startups, apesar de serem estas o grande motor de crescimento, vive a economia nacional. Conforme nos explica Paulo Santos, diretor de Incubação e Aceleração do Instituto Pedro Nunes, criado pela Universidade de Coimbra em 1991, esta instituição também incuba as chamadas turtles, “empresas de lifestyle, que não têm um enorme potencial de crescimento, mas que são uma forma de realização profissional dos seus promotores sem necessariamente ter a ambição de vir a ser unicórnios, mas que são importantes para o tecido empresarial numa lógica de empreendedorismo”. Além destas e das startups, a incubadora apoia ainda as chamadas gazelas, empresas que o INE define como sociedades não financeiras jovens de elevado crescimento. Existiam, em 2021, 554 sociedades gazelas, menos 3,8% do que em 2020. “Costumo dizer que apoiamos o empreendedorismo de uma forma geral, porque se fosse só para incubar empresas de elevado potencial fazíamos como Israel que tem um processo de seleção muito mais rigoroso e as incubadoras até são geridas por fundos de capital de risco. Esta startup nation está noutro patamar e já não precisa promover o empreendedorismo de base. Portugal ainda não está neste campeonato, temos ainda de promover a cultura do empreendedorismo, do assumir de riscos e isso acontece também ao nível do auto-emprego”, explica Paulo Santos.
Israel é o exemplo de nação pequena, com pouco mais de 7 milhões de habitantes, que apostou todas as fichas num ecossistema de empreendedorismo sustentado em startups, e conseguiu fazê-lo com sucesso. Portugal está a dar os primeiros passos neste sentido, criando algumas das condições necessárias para aumentar o dinamismo nesta área. “Nas duas últimas décadas, assistimos a um extraordinário desenvolvimento do ecossistema empreendedor português. O país dispõe atualmente uma moderna rede de incubadoras, bons programas de aceleração, talento com mentalidade empreendedora, universidades com predisposição para a inovação e centros de I&D capazes de desenvolver novos produtos e tecnologias”, sumariza Alexandre Meireles.
Startups receberam 1,4 mil milhões em 2021
“O ambiente do empreendedorismo está a melhorar significativamente nos últimos anos e a evidência disso é que o peso da startups, das tecnológicas e dos unicórnios na economia portuguesa é crescente. Em 2021, atingimos um valor recorde de investimento em capital de risco de mais de 1,4 mil milhões de euros, mais do dobro do registado em 2020, que, por sua vez já tinha sido o dobro do ano anterior”, afirma António Dias Martins, diretor executivo da Startup Portugal.
Segundo o estudo Building a Startup Nation, desenvolvido pela IDC para a Startup Portugal, existiam no país, confirmadas pela Dealroom (plataforma internacional de startups), em 2022, 2039 startups e scaleups, que empregam quase 50 mil pessoas, numa avaliação total de 34,5 mil milhões de euros. No entanto, as estimativas apontam para que o número seja superior, e atinja na realidade as 3.880. Portugal classifica-se na 28º posição no Global Startup Ecosystem, ranking de 100 países, e Lisboa arrecada a 83º lugar no Global Startup Ecosystem no top das mil cidades, ambos da Startup Blink.
“Portugal registou uma evolução muito significativa, pois o ecossistema em 2010 era praticamente inexistente, era desconhecido no mundo da startups, e nos últimos anos conseguimos criar um ecossistema relativamente consistente. Isto quer dizer que avançamos muito, que passamos para o pelotão da frente, mas temos visto outras cidades e outros países a investir muito no seu ecossistema e, nesse sentido, como o nível de aceleração também aumentou muito a nível global, precisamos fazer mais”, explica Gabriel Coimbra, country manager da IDC em Portugal, que alerta ainda para alguma desaceleração no ritmo de crescimento sentida em 2022.
Segundo António Dias Martins “esta desaceleração é fruto do enquadramento macroeconómico internacional que veio criar mais alguma contenção nos processos de investimento. Isto não quer dizer que não exista dinheiro disponível, o que acontece é que os investidores estão mais cautelosos, demoraram mais tempo ou adiam decisões”, explica este responsável. Para ele, isto só mostra a grande resistência e resiliência destas empresas inovadoras, de base digital, que têm uma capacidade de escalar muito significativa, e são aquelas que melhores condições têm para dar a volta e entrar num ciclo de crescimento de forma rápida.
Gabriel Coimbra explica que há um conjunto de fatores que contribuíram para o crescimento deste ecossistema “os enablers de base, como a infraestrutura tecnológica e de comunicações bastante desenvolvida, o termos conseguido atrair investimento externo, o termos uma qualidade de vida que ajuda muito para atrair novos investimentos. E depois há a qualidade do talento. Se olharmos para o desenvolvimento das nossas escolas no ensino superior, houve um desenvolvimento muito grande e temos um posicionamento relevante, quer nas escolas de gestão quer das escolas mais tecnológicas”. O talento qualificado é, pois, um dos principais atrativos no mercado nacional.
Alexandre Meireles refere que, efetivamente, há mais investidores internacionais interessados no nosso ecossistema empreendedor. “Empresas inovadoras em áreas de ponta, como a internet das coisas, o big data, a realidade virtual ou aumentada, o blockchain ou a cibersegurança, por exemplo, são ativos procurados por investidores internacionais. Também em áreas menos high-tech, como a biomedicina, os materiais, o mar ou as energias, encontramos em Portugal empresas com potencial de valorização”, explica. Este responsável fala ainda no crescente interesse de empresas multinacionais em instalarem em Portugal os seus centros de competências. “Nos últimos anos, o nosso país acolheu vários os hubs tecnológicos, como o da Mercedes, da Volkswagen, da PWC, da Oracle, entre outras empresas internacionais”, afirma.
Melhorar para continuar a crescer
Para continuar a manter o ritmo de crescimento do ecossistema nacional, Gabriel Coimbra destaca quatro grandes desafios que o país tem de resolver: a questão da regulação fiscal, a necessidade de criar uma escala global – que permita às startups irem buscar financiamento para crescer para outros patamares -, a atração de talento e a atração de capital.
“O ambiente legislativo, fiscal e regulamentar tem de evoluir. Já no passado nos distinguimos de outros países pelas políticas públicas, em benefícios das startups, e precisamos fazer mais para nos continuarmos a distinguir, porque os outros países também evoluíram. Na área da legislação, na área da fiscalidade, na área da burocracia, na simplificação, na relação com o Estado, estas são áreas absolutamente críticas e onde temos de apostar”, refere António Dias Martins. A Startup Portugal desenhou um conjunto de medidas que propôs ao Governo e que deram origem a uma resolução do conselho de ministros, a chamada Lei das Startup e que é, segundo este responsável, “um bom primeiro passo para manter a tal competitividade que nos interessa para oferecer oportunidades a que novas startup sejam criadas e que as existentes se mantenham”. A definição de startup e de scaleup, que a nova lei esclarece, é fundamental para a definição de políticas ativas, assim como o novo regime fiscal das stock options porque é um mecanismo muito utilizado, para integrarem pacotes de remuneração para empresa tipicamente que têm escassez de liquidez e para a retenção de talento.
“O ambiente legislativo, fiscal e regulamentar tem de evoluir. Já no passado nos distinguimos de outros países pelas políticas públicas, em benefícios das startups, e precisamos fazer mais”, diz António Dias Martins.
Paulo Santos, do IPN alerta para a excessiva burocracia e demora na análise dos processos de candidatura a incentivos, uma situação que terá de ser melhorada. “O grande problema, que não conseguimos ultrapassar, é a forma como funcionam os incentivos, todo o mecanismo na prática deixa muito a desejar. Nunca são cumpridos os prazos de análise de candidaturas, e isto prende-se com a falta de técnicos suficientes. Depois toda a máquina emperra, porque são milhares de candidaturas, com alguma morosidade na análise e acaba por não haver capacidade para dar resposta a tudo. Isto gera frustração, desistência e um sentimento de quebra total de expectativas”.
A ambição de António Dias Martins para o futuro é que o número de startups aumentem tal como o seu peso na economia portuguesa. “Temos um conjunto de programas do PRR sobre gestão, que conta com um aumento do número de startups e incentiva que este tipo de empresas seja valorizado, temos vouchers no valor global de 90 milhões de euros, a distribuir por 3 mil projetos, o que dá um valor médio de 30 mil euros por startup. Temos vouchers para incubadoras no valor global de 20 milhões de euros e que vão permitir uma capacitação das incubadoras mais ambiciosa e temos um conjunto de outros programas com os quais colaborámos e ajudamos a conceber”, diz. Acrescenta que “julgamos que estão assim criadas as condições para que o peso destas empresas na economia seja crescente e para que se consolide a posição que já temos de hub tecnológico e de empreendedorismo em toda a Europa”. Uma aposta reforçada na internacionalização das empresas e um reforço do financiamento ao nível das sociedades de maior dimensão são as duas outras ambições. “Se, na fase inicial, temos vários instrumentos financeiros, públicos e privados, quando crescem têm de recorrer a investidores estrangeiros. Logo temos de criar condições para aproveitar esta fase de crescimento, que é fase em que começam a dar lucros, a pagar impostos e a transformar-se em empresas geradoras de resultados e o que acontece é que é precisamente nessa fase que são mais estimuladas a saírem de Portugal à procura de investidores de maior dimensão”, remata António Dias Martins.