Plantado à beira-mar e mantendo traços gerais que já não se encontram em muitos lugares, Portugal continua a oferecer excelentes perspectivas para os investidores internacionais. Falta-lhe um pouco de previsibilidade, muito de reformismo, mas quase nada em termos de segurança interna, robustez das instituições e serenidade social.
Nada melhor, pelo menos na Europa. Mesmo assim, o ano de 2024 vai ser desafiante, disse na Figueiredo, CEO Altice, no painel sobre ‘O mundo em 2024’, o primeiro do dia de trabalho da conferência Outlook 2024, que comemora os sete anos do Jornal Económico.
“É fundamental olharmos para as reformas. Como reformar e o que reformar”, disse a CEO da Altice – tendo em vista a “centralidade da economia portuguesa: na Europa mas perto do mundo”. As reformas são essenciais para ‘compor’ alguns dos padrões que a sociedade vai adquirindo e que são perversas: “somos uma sociedade envelhecida, o que vai afetar a produtividade: temos 75% da população acima dos 40 anos. Na Altive, em cinco ou dez anos muitos irão para a reforma. “Se não fizermos as reformas, estaremos ainda mais pessimistas daqui a um ano”.
Já para Miguel Farinha, partner da EY, “Portugal tem muito para dar ao mundo. Os investidores querem qualidade de vida, estabilidade política e uma força de trabalho cada vez melhor”, o que induz investimentos na área da educação. E depois “temos de cavalgar a onda digital e vendermos para todo o mundo”.
Indo um passo à frente, Bruno Ferreira, managing partner da PLMJ, “vale a pena pormos o que já temos a trabalhar. Os investidores privilegiam previsibilidade. As reformas não podem tirar previsibilidade”. E recordou que “boa parte das decisões de alteração de políticas não estão suportadas em análise suficientemente detalhada sobre o impacto das medidas”. Ou dito de outra forma: não basta ímpeto reformista: é preciso que as reformas tenham objetivos claros e meios suficientes, para serem eficazes.
Neste contexto – ou com a criação deste contexto, “os investidores vão continuar a apostar em Portugal, mas a história que lhes contamos tem de ter coerência”.
Para Álvaro Santos Silva, keynote speaker do encontro, os tempos difíceis – desafiantes, como agora diz a linguagem particular dos economistas, sempre à procura de eufemismos – são para ultrapassar. “a inflação é austeridade. Nem na crise de 2008 houve uma descida tão grande dos salários reais. O problema da inflação é que a forma mais eficiente de a controlar passa pelos bancos centrais” e “os bancos centrais vão continuar a ser conservadores”. Ou seja, para o responsável da OCDE, o preço do dinheiro não vai começar a descer por milagre, mas apenas quando os bancos centrais sinalizarem que a inflação está controlada. Ora, não está. Até porque com o dinheiro do PRR, “estamos a aumentar a procura”, o que vai colocar pressão nos preços.
Se houver reivindicações salariais tudo vai piorar, recordou, principalmente “se queremos fazer tudo num ano” em termos de recuperação do poder de compra. “Haverá pressão sobre a inflação”, o que quer dizer que as taxas altas vão ter de manter-se. A par da prudência fiscal – voltamos à linguagem: quer dizer que não há margem para descida dos impostos.
Outro tema abordado no painel foi o desafio dos “enormes investimentos nas telecomunicações”. Estaremos perante uma “consolidação do sector”? No sector digital e da tecnologia, “a Europa está a ficar para trás: no Top 10 das maiores empresas, 60% são norte-americanas e 40% asiáticas”. Alguma coisa terá de ser feita, recordou a CEO da Altice.
E esse “alguma coisa” poderá eventualmente passar pela consolidação europeia – “Em Portugal, a Altice já não pode consolidar”, recordou – “há quatro operadores nos Estados Unidos e 40 no espaço europeu. É preciso consolidação.
Seja como for, como disseram tanto Bruno Ferreira como Miguel Farinha, as operações de fusões & aquisições (M&A) estão em bom plano. “O M&A nunca reage bem às incertezas. Em Portugal, o mercado ainda não está a ser atingido. Há muita M&A a acontecer. Nas energias, por exemplo, estão a acontecer muitas transações”, disse o primeiro. O que evidencia um mercado que aprendeu alguma coisa com o passado: “em 2008 e 2009 deixou de haver M&A. Daí para cá, Portugal passou a estar no radar dos investidores. Energia é o sector mais dinâmico”. O imobiliário também, assim como as operações nas tecnologias de informação – num contexto em que “os investidores dos Estados Unidos são dos mais atentos”.
Para Miguel Farinha, “as energias renováveis, turismo (imobiliário)”, continuam a merecer o interesse dos investidores. “Há muito dinheiro dos fundos private equity para investir. Também há alguns edge funds. Estamos confiantes na continuação do interesse e neste nível de transações.
Ainda em relação ao imobiliário, Álvaro Santos Pereira disse que “os preços das casas vão baixando na Suécia, no Canadá e em outros países. Poderíamos esperar que aconteça em Portugal – não está a acontecer, em parte porque não há oferta suficiente. Pode falar-se em preços muito mais elevados tendo em linha de conta o rendimento disponível”. O resultado: “os nossos filhos vão conseguir entrar no mercado [comprar casas]? É um dilema de muitas famílias”. E a resposta é “não”.
Tema igualmente consensual, ou quase, foi o afastamento crescente entre as economias ocidentais e a China. Um tema especialmente próximo da Altice – que viu, por uma medida, digamos, administrativa, perder uma série de fornecedores com que trabalhava.
“Quando há redução de fabricantes, é uma má notícia”, disse Ana Figueiredo. O nível de concentração aumenta. No final do dia, aumentam os custos. “São decisões tomadas ao nível da Europa, com um objetivo de fazer sair a China. Não discuto a geopolítica da decisão, mas preocupa-me ter menos fornecedores”. Seja como for, “abre a oportunidade a outros. Por exemplo a Altive Labs, a partir de Aveiro”.
E abre também a porta à reindustrialização da Europa – um tema especialmente querido de Álvaro Santos Pereira quando era ministro da Economia e do Emprego (2011-2013) e em que foi visionário, obviamente incompreendido.
Para Migue Farinha, “todo o mundo percebeu que havia que pensar as cadeias de distribuição. Esse caminho tem sido feito. Portugal pode beneficiar muito disso. Há operações M&A para criar indústria em Portugal”.
Bruno Ferreira segue na mesma direção: “as tensões políticas com a China vão agravar-se. Vão haver pontos de conflito adicionais”, desde logo quando for necessária a “verificação da origem das matérias-primas”. “Tudo isto vai criar focos de tensão adicional” – o que induz que a reindustrialização é o caminho mais seguro para escapar da irrelevância.