O cultivo da vinha e do vinho na região onde se insere Portugal é mais antiga do que a própria nacionalidade portuguesa. A história dos vinhos nacionais remonta há mais de 4 milénios, quando este apreciado produto servia como moeda de troca na cultura dos povos Tartesso – uma mistura de fenícios e gregos que surgiu na Península Ibérica – e dos celtiberos. Mesmo durante o período da ocupação árabe, permaneceu uma importante cultura na região, tendo florescido após a reconquista cristã, ganhando força como cultura monástica.
O vinho entrou assim nos hábitos peninsulares, tendo surgido em 1756, por decreto régio, a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, criando a primeira região demarcada do país. Hoje, existem já 14 regiões demarcadas, 14 regiões geográficas protegidas e 31 denominações de origem protegida (DOP). Não é à toa que Portugal detém o maior número de vinhas velhas do planeta, representando grande valor para o desenvolvimento do enoturismo e para a valorização deste produto nacional.
Portugal é o quinto produtor do mundo com o vinho mais valorizado – com um valor médio de 2,82 euros – e é o nono país do mundo com maior área de vinha plantada, sendo quarto país da União Europeia.
O nosso país dispõe um potencial vitivinícola privilegiado, já que é dotado de um clima mediterrânico único para o cultivo da uva. Segundo os dados recolhidos pelo estudo realizado pela Universidade Nova para a ACIBEV – Associação de Vinhos e Bebidas Espirituosas, Portugal é o terceiro país do mundo com maior variedade de castas, ficando à frente até de França e de Itália, sendo dotado de vinhos únicos, devido a um clima mediterrânico que favorece solos ideais para a cultura do vinho, solos apenas encontrados em 2% do planeta. É possível fazer, no território nacional, vinhos de uma lista de 350 castas, maioritariamente tintas, sendo que 261 delas são autóctones. As castas mais utilizadas são as Aragonez, a Touriga Franca, a Touriga Nacional, a Fernão Pires, a Castelão e a Trincadeira.
Segundo o retrato feito por esta associação – o mais recente, embora os dados sejam relativos a 2021 – Portugal é o quinto produtor do mundo com o vinho mais valorizado – com um valor médio de 2,82 euros por litro – e é o nono país do mundo com maior área de vinha plantada, sendo o quarto país da União Europeia.
Exportações portuguesas foram de 230 milhões de litros
O setor do vinho a nível mundial atingiu os 237 mil milhões de litros em 2023, sendo que este foi um ano de quebra histórica de produção a nível mundial – em 2022, a produção global foi de 240 mil milhões de litros. Esta quebra pode explicar-se, sobretudo, pelas alterações climáticas, que atingiram, de várias formas, alguns dos maiores produtores mundiais. Portugal, curiosamente, esteve em contraciclo, pois registou um crescimento, em 2023, face ao ano anterior, produzindo cerca de 750 milhões de litros, segundo os dados mais recentes da OIV – Organização Mundial do Vinho e da Vinha.
Assim, apesar de ter uma produção pequena em volume, quando comparada com outros mercados, como a Itália – o maior produtor do mundo em volume, que registou, em 2022, uma produção de quase 5 mil milhões de litros -, está bem posicionado em termos mundiais. Assim sendo, Portugal é o décimo maior produtor mundial em termos de volume, sendo que exporta para 150 mercados. Em termos europeus, é o quinto maior produtor entre os países da Europa. O ranking mundial é liderado pela Itália, pela França e pela Espanha.
“As microempresas são mais de 70% do mercado. São pequenas quintas, com pequenas produções, e algumas já começam a exportar para alguém mercado, mas a maioria vende no mercado regional”, refere Frederico Falcão, da ViniPortugal.
Mas, apesar exportar boa parte da sua produção – em 2023, as exportações foram de 320 milhões de litros – o consumo interno é de 550 milhões de litros, o que demostra que há um desequilíbrio no mercado nacional. “Se somarmos as nossas exportações com nosso consumo alcançamos um valor de 870 milhões de litros. Ora, isto é inferior ao que produzimos, pelo que estamos a produzir efetivamente abaixo daquilo que precisamos”, refere Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal. Esta associação, fundada em 1996, é uma organização interprofissional do vinho de Portugal, reconhecida pelo Ministério da Agricultura, sendo a entidade gestora da marca Wines of Portugal, com a missão de promover os vinhos portugueses além-fronteiras.
Voltando ao retrato realizado pela ACIBEV sobre o impacto na economia nacional, o setor do vinho atingiu um peso de 2,7% no PIB nacional em 2021, 3,4% no emprego e 1,9% na receita fiscal. A viticultura representa já 10,5% do valor de produção agrícola do país, sendo que a indústria do vinho representa 55% da produção total da indústria de bebidas.
“Este é um setor que, para além, da importância que tem internamente, dá visibilidade internacional ao país. Quando vendemos uma garrafa de vinho português, estamos a vender a vender a imagem de Portugal”, refere Frederico Falcão.
No total, esta atividade gera receitas, de forma direta a e indireta, de 10,3 mil milhões de euros, com um peso de 4,9 mil milhões de euros no VAB (Valor Acrescentado Bruto), empregando qualquer coisa como 168 mil trabalhadores. Destes trabalhadores, a viticultura e a produção de vinho são responsáveis por 43 mil empregos diretos, maioritariamente no interior do país – este setor é responsável por 10% ou mais do emprego em cerca de 43 municípios do interior do país.
Este estudo identifica a existência de 1.009 empresas a operar neste mercado, maioritariamente de pequena dimensão. “São cerca de 600 as empresas que trabalham connosco. Depois há muitas empresas de pequena dimensão. As microempresas são mais de 70% do mercado. São pequenas quintas, com pequenas produções, e a maioria vende para o mercado regional”, refere o responsável da ViniPortugal.
Como exportar a marca Wines of Portugal
“Este é um setor que, para além, da importância que tem internamente, dá visibilidade internacional ao país. Quando vendemos uma garrafa de vinho português, estamos a vender a vender a imagem de Portugal”, refere Frederico Falcão. E acrescenta: “A nossa principal missão é criar uma imagem de Portugal enquanto produtor de vinhos de excelência, facilitando a venda exterior aos nossos produtores de vinhos”. Questionado sobre o papel da Viniportugal na criação de uma imagem externa forte, Frederico Falcão explica que “estamos a criar uma marca forte, mas não estamos a crescer à velocidade que gostaríamos”. A marca Wines of Portugal é pública, pertence ao Estado, mas o seu gestor é a Viniportugal, que faz a promoção no exterior. Centra-se sobretudo em 21 mercados internacionais, e, analisando a presença nacional nesses mesmos, Portugal tem sido, segundo este responsável, o país que mais cresce em termos de vendas.
Apesar da pequena dimensão do nosso território, o que limita o crescimento da produção e, logo, das próprias exportações, a ViniPortugal fez as contas e nota que, numa média a 10 anos, Portugal já exportou cerca de 46% da produção total nessa mesma década. Por não ser possível que o país se transforme num grande produtor, o objetivo principal não é crescer em quantidade, mas sim em valor, suportado em preço médio, explica Frederico Falcão.
De facto, a nossa quota do mercado mundial é de apenas 2,6%, mas esta diverge muito de mercado para mercado. “Quando vamos para Angola, por exemplo, temos 96% de quota de mercado, no Brasil, temos quase 16%, e na Polónia já temos quase 9% de quota de mercado. Isto quer dizer que em alguns mercados estamos a crescer muito e muito depressa”, explica Frederico Falcão.
Na Polónia, o interesse pelos vinhos portugueses partiu muito da presença da Jerónimo Martins, dona da cadeia polaca Briedronka, embora na altura o produto fosse associado a uma cadeia de preços baixos. “O que tem acontecido é que começamos a investir na promoção dos vinhos portugueses na Polónia em 2015 e temos notado que estamos a crescer mais e em preço. Descolámos de uma imagem de país de vinhos baratos, para uma imagem de vinhos de qualidade”, explica Frederico Falcão.
Este responsável destaca ainda a Coreia do Sul, país onde a venda de vinhos portugueses mais cresce, tal como no Japão, na Suécia e na Finlândia. “A marca de vinhos tintos mais vendida na Finlândia é uma marca portuguesa”, revela o presidente da ViniPOrtugal. Ainda que o responsável se tenha escusado a dizer qual é a empresa e a marca a que se refere, a Forbes Portugal sabe que há duas empresas, na região de Alenquer, com forte presença no mercado finlandês, a DFJ e a Sociedade Quinta do Conde, esta última que afirma que o vinho tinto “Duas Uvas” é o mais vendido naquele mercado.
Um dos motivos para que isto aconteça passa muito pelo crescimento do turismo em Portugal. Ou seja, os turistas que provam o nosso vinho, quando regressam ao seu país de origem querem comprar a mesma bebida, para que assim possam reforçar as memórias das suas férias. “Já fizemos alguns estudos com isto, com o Brasil, com os Estados Unidos e não temos dúvidas de que há uma ligação entre o crescimento das vendas de vinhos para esses países e o crescimento do fluxo dos turistas desses países para Portugal, ou seja, as curvas de crescimento são quase paralelas”, refere o responsável.
O excesso de stocks nas adegas prejudica o preço
Neste momento, Portugal atravessa por uma dificuldade, que é o excesso de stock acumulado nas adegas. Como vimos, o território nacional é deficitário nas necessidades de vinho, pelo que importa a granel, para ser embalado e vendido. “O grande problema é que alguns players acabam por importar mais do que as suas necessidades. E assim acentuou-se este excesso de stocks em 2023, ano em que a produção foi maior e ainda houve uma redução de consumo em 50 milhões de litros”, explica Frederico Falcão.
Por isso há, neste momento, alguns problemas no setor, que se refletem em toda a cadeia, porque havendo vinho a mais, não se compram uvas a viticultores. “Esta é uma fase difícil do setor”, remata Frederico Falcão. No entanto, relembra que, no que diz respeito às exportações, o país está no bom caminho. “O volume exportado tem vindo a aumentar. No primeiro semestre deste ano aumentamos 8,6% das exportações em volume. Claro que é a custa de preço mais baixo, o que não é bom, mas como as adegas estão sobrecarregadas, é normal que se baixe o preço nesta fase, sobretudo no mercado interno”, remata o responsável.
Munícipios querem que vinho seja património imaterial da Humanidade
Um pouco influenciados pela rede europeia de cidades produtoras de vinho, a Recevin, vários municípios nacionais, ligados a este setor, constituíram em 2007 a AMPV – Associação de Municípios Produtores de Vinho. O objetivo principal desta associação é desenhar uma estratégia comum e trabalhar em rede aquilo que cada município já fazia para a promoção do vinho, trabalhando sobretudo a questão do território.
José Arruda, secretário-geral, refere à Forbes Portugal que uma das propostas da associação, já entregue ao novo governo, passa por considerar “que a vinha e o vinho possam ser declarados património cultural imaterial de Portugal tal como foi já a gastronomia, no ano 2000”. Refere que a associação está a propor que o Governo constitua um grupo de trabalho, que envolva vários ministérios.
“Trabalhamos muito a questão da paisagem do país. É impensável que a paisagem relativa à vinha desapareça. Somos um país vinhateiro”, diz José Arruda. Se inicialmente a associação foi criada com 18 municípios, atualmente já são associados 145, distribuídos por todas as regiões portuguesas. Este especialista refere que só há dois concelhos em Portugal em que não há plantação de vinhas: a Amadora e o Barreiro. Esta associação tem vários projetos em mãos, sendo um deles a rede de Aldeias Vinhateiras, sendo que já aderiram a esta iniciativa 270 freguesias. A partir desta rede faz-se o levantamento da oferta vinhateira que existe nestas aldeias, o que existe de eventos relacionados com o vinho, de turismo rural, de restauração, de adegas, numa perspetiva de oferta de enoturismo.
“Entregamos ao novo Governo uma proposta que vai no sentido de que a vinha e o vinho possam ser declarados património cultural imaterial de Portugal, tal como foi já a gastronomia, no ano 2000”, refere José Arruda, secretário-geral da AMPV.
Há vários municípios com um elevado peso do vinho na economia local e são prejudicados pela crise de excesso de stock. José Arruda refere que há muitos municípios que vivem quase exclusivamente do vinho, como Santa Marta de Penaguião, em que 80% da economia local resulta deste produto. Por exemplo, o município que produz mais quantidade de uva a nível nacional é o de Torres Vedras, apesar de que este tem muitas outras alternativas económicas. Se formos para concelhos mais pequenos, sobretudo no Douro, não haverá tantas alternativas. “Este é um problema que temos de enfrentar com seriedade e encontrar uma solução, pois não é sustentável”, refere o responsável.
Uma das soluções para escoar produto passa pelo incremento das ofertas enoturísticas, ainda que esteja já muito bem estruturada. “Esta é uma temática muito importante para o setor do vinho. A oferta enoturística funciona muito bem a partir do Porto e de Gaia, sendo que estas duas cidades representavam cerca de 60% dos enoturistas em Portugal. A oferta no Douro tem vindo a crescer, nos últimos seis anos demos um salto enorme. Há regiões a crescer como o Algarve, os Açores, no Pico, entre outras”, remata José Arruda.
(Texto originalmente publicado na edição outubro/novembro 2024 da revista Forbes Portugal)