Em tempos idos, vieram da vila à beira-mar de Vieira de Leiria, no município da Marinha Grande, para as margens do Tejo à procura do peixe que não conseguiam apanhar no mar. Iam no Inverno e regressavam no Verão. Foi assim durante largos anos até que resolveram fixar-se na zona da lezíria ribatejana. Aí mantiveram uma cultura muito própria à beira-rio nas suas aldeias de casas sustentadas em estacas. Os avieiros, povo de pescadores que ainda hoje conserva a tradição, fascinaram Madalena Mello Viana, uma forasteira, para que fundasse a Ollem Turismo, uma empresa de tours pelo rio.
A paixão pelo esqui aquático levou-a à beira-Tejo. Procurou um sítio onde poderia fazer este desporto, em que o praticante é puxado por uma lancha. “Quando me trouxeram aqui ao rio, apenas a 10 minutos de casa, nem queria acreditar. Como é que era possível esta beleza natural aqui completamente inexplorada?”, conta à FORBES em Valada, aldeia junto ao rio onde a empresária fundou a Ollem. Esta é uma região que dá muito fruto graças ao rio que galga a terra. “São as terras mais férteis de Portugal. Os agricultores aqui são ricos, têm as suas casas com os seus vinhos, os seus cavalos, as suas culturas”, assegura Madalena. E lamenta: “São pessoas vocacionadas para a agricultura e não para o turismo.” O que também revela o quão intocada e pura está esta região.
Tudo aqui é tranquilidade. É um Portugal real que encontramos nestas margens do Tejo, por ondem andam garças e abelharucos em bandos e cavalos lusitanos a galope.
Um Portugal intocado
A Ollem dedica-se a mostrar os encantos do rio Tejo desde 2005 e das aldeias avieiras que estão na sua margem. Com uma pequena frota de três barcos faz passeios pelo rio a pequenos grupos, guiados pela própria ou por um dos colaboradores da Ollem, seguindo três rotas distintas: rota das aves, que inclui visita a “santuários” de aves e uma demonstração de voo de falcão na Falcoaria Real de Salvaterra de Magos; rota dos avieiros, que inclui uma visita guiada às aldeias avieiras de Valada, Escaroupim e Palhota; e ainda a rota das aves, que além da viagem de barco pelo Tejo inclui a visita a uma quinta de criação de cavalo lusitano, com demonstração equestre, almoço e prova de vinhos. A FORBES aproveitou um dia solarengo de Fevereiro para conhecer a lezíria do Tejo através da rota dos avieiros.
Do cais de Valada, entramos pelo rio adentro para desfrutar de uma paisagem deslumbrante, tipicamente ribatejana. Do barco vêem-se garças e abelharucos em bandos. Cavalos lusitanos galopam e bebem água nas margens. Nos ramos dos salgueiros e dos choupos e nos mouchões – as pequenas ilhas existentes no meio do rio – pousam aves que fazem as delícias dos observadores de pássaros. Pescadores lançam as bateiras ao rio calmo da manhã. Tudo aqui é tranquilidade. É Portugal, um Portugal real, que encontramos nestas margens do Tejo. Uma das aldeias avieiras, Palhota, mantém-se genuína, muito longe da normalização do turismo de massas. É lá que, guiada por Madalena, a equipa FORBES encontra moradores desta pequena localidade palafítica, sustentada por estacas no rio, onde o escritor Alves Redol permaneceu durante alguns meses e colheu informação para escrever o romance “Avieiros”, de 1942.
No início, conta Madalena, “os pescadores [de Vieira de Leiria] quando vinham para aqui, traziam os seus barcos em carros de bois ou fabricavam-nos aqui. Ao princípio viviam nos barcos. Na proa, punham um oleado por cima. Depois começaram a construir estas aldeias. Começaram pelo chão, como eles dizem, a construir estas casas em palafita por causa das cheias”, inevitáveis na zona. E ficaram por lá. Ao longo da década de 1940, a região começou a receber os primeiros pescadores, que nas duas décadas seguintes se fixaram em força. Mas depois, a partir da década de 1970, começaram a emigrar e a trabalhar na terra. “Deixaram esta vida, que é duríssima”, sublinha Madalena, referindo-se à necessidade de todos os dias enfrentarem a maré, viverem sem patrões e numa comunidade muito fechada. Os “ciganos do rio”, nas palavras de Alves Redol.
Regressados ao barco, passamos ao largo da aldeia de Escaroupim, na outra margem, já no concelho de Salvaterra de Magos. Requalificada pelo município, é um exemplo de como a tradição é “renovada” de forma a potenciar a atractividade turística. Aí já há um restaurante típico e uma “casa avieira” reabilitada para resgatar a aparência original, de forma a receber eventuais visitantes. Mas é no meio do rio, na embarcação, que se experiencia a verdadeira tranquilidade. A calmaria de navegar em águas fluviais num dia de sol faz-nos sair da embarcação num torpor agradável.
“Os rapazes das consultoras quando vêm aqui nem querem sair do barco”, assegura Madalena, numa referência aos jovens profissionais habituados a grandes e stressantes jornadas de trabalho. É que ali recordam outra forma de viver a vida, outra concepção de tempo.