Opinião

“Picar o ponto” não é controlo, é confiança

Tiago Santos

Durante décadas, o registo de ponto foi associado a um gesto de desconfiança por parte das lideranças. Uma rotina cinzenta, mecânica, que reduzia as pessoas a presenças cronometradas. E, no entanto, este é um processo que se mantém, todos os dias, em todas as empresas, por ser uma obrigação legal, uma forma de garantir alguma ordem e porque, na verdade, a folha de Excel não se preenche sozinha. Mas e se o problema não for o registo em si, mas a cultura em que ele se insere?

Vivemos uma era em que falamos de autonomia, confiança, propósito e flexibilidade. Mas continuamos a medir o tempo com ferramentas e mentalidades que pertencem ao século passado. Esta é uma contradição que está a desgastar relações dentro das empresas e a alimentar uma narrativa nociva de “nós” (os colaboradores) contra “eles” (a gestão). Ainda assim, a verdade é esta: registar o tempo de trabalho pode ser um ato de confiança, mas, para isso, tem de deixar de ser uma arma de controlo.

Acredito que a autonomia e a responsabilidade não se excluem. De facto, o registo da jornada laboral, quando bem desenhado, protege ambas as partes. Dá clareza, evita abusos, reduz conflitos e garante que ninguém leva o trabalho para casa por obrigação implícita. Mas isto só acontece quando o sistema é pensado com cabeça e empatia. Não podemos falar de flexibilidade e depois exigir que todos piquem ponto da mesma forma, no mesmo local, à mesma hora. Não podemos pedir responsabilidade e depois criar obstáculos invisíveis que infantilizam os colaboradores. Confiar é permitir que cada pessoa escolha como cumprir as suas obrigações – e responsabilizá-la por isso.

Por outro lado, os próprios recursos humanos (RH) precisam de tempo para não serem os polícias do tempo. Quem trabalha nesta área sabe o que isto significa: horas perdidas a corrigir registos, responder a dúvidas e gerir exceções. Tempo que devia estar a ser usado para desenvolver líderes, acompanhar equipas e melhorar o clima organizacional. Neste ramo, a obsessão com o detalhe mata a estratégia e transforma os RH em fiscais, quando deviam ser aliados. Mas modernizar a forma como gerimos o tempo não é apenas uma questão tecnológica, mas também de visão. É entender que o tempo é um bem partilhado e que a sua gestão revela muito sobre a cultura de uma organização. Não se trata, por isso, de “picar o ponto”, mas de se saber onde colocamos o ponto final.

As empresas que perceberem que a forma como tratam o tempo diz muito sobre o valor que dão às pessoas serão as que mais irão evoluir nesta área. Refletir sobre este tema e encontrar soluções de gestão adequadas permitirão, assim, transformar as obrigações legais em experiências mais humanas, simples e justas para todos. Porque, no fim, o que está em causa não é só cumprir uma norma, mas criar contextos onde a confiança se mede, minuto a minuto.

Tiago Santos,
Vice-Presidente de Comunidade e Crescimento da Sesame HR

Artigos Relacionados