Depois do travão a fundo imposto pela pandemia em 2020, a transação de portfólios de crédito malparado (na sigla inglesa, Non-Performing Loans, NPL) acelera em Portugal, estimando-se a conclusão de operações no valor de €3.500 milhões em 2021, considerando os negócios já concluídos e os processos atualmente ativos e com conclusão prevista até final do ano.
Este valor triplica face aos menos de €1.000 milhões transacionados no total de 2020, mas fica ainda assim abaixo (-56%) dos €8.000 milhões registados em 2019, no pré-COVID. Contudo, as expectativas para 2022 são bastante otimistas, prevendo-se um crescimento acentuado nas transações à medida que o mercado continue a acelerar a sua reativação ao longo dos próximos meses e novas carteiras surjam em oferta.
Venda de malparado em Portugal triplica para €3.500 milhões, mas mantém-se abaixo da fase pré-COVID.
Estas são algumas das principais conclusões da edição de 2021 do estudo anual “Investing in NPL in Iberia”, produzido pela Prime Yield, parte da Gloval.
Em linha com a tendência europeia, o volume de malparado na posse da banca portuguesa (a partir de análise da Prime Yield aos dados divulgados pela EBA-European Banking Authority, o regulador Europeu da Banca) continuou a reduzir ao longo do último ano, diminuindo cerca de €5.400 milhões entre junho de 2020 e junho de 2021, o que significa ter passado de €14.200 milhões para €8.800 milhões nesse período de 12 meses.
Da mesma forma, o rácio de NPL (isto é, o peso do malparado no conjunto do volume total de crédito concedido) também continuou a comprimir, reduzindo de 5,7% para 4,2% no período em análise.
O rácio de NPL (isto é, o peso do malparado no conjunto do volume total de crédito concedido) passou de 5,7% para 4,2%. Ainda assim, Portugal tem o 5º rácio mais elevado da Europa.
Ainda assim, e apesar destas melhorias, o nosso país continua a deter o 5º rácio de NPL mais elevado da Europa, sendo apenas superado pela Grécia (14,8%), Chipre (9,1%), Bulgária (6,4%) e Polónia (5,2%), e quase duplicando os 2,3% da média europeia.
No que respeita à colocação de carteiras de NPL para venda, o estudo conclui que não é para já possível avaliar o real impacto do final das moratórias no sistema financeiro português e em que medida isso irá resultar, ou não, numa nova vaga massiva de malparado no mercado.
De qualquer forma, ainda que o impacto do final das moratórias deva ser mais claro apenas no próximo ano, Portugal mantinha no 2º trimestre de 2021 cerca de €27.000 milhões de crédito sob moratória, o que representa 13% do total dos empréstimos concedidos pela banca nacional. Este volume apresenta, apesar de tudo, uma redução de 37% face aos €42.900 milhões contabilizados em igual período do ano passado.
Dificuldades à vista
“Nesta fase, além de ainda não ser evidente qual será a extensão do impacto das moratórias ao nível do aumento do malparado na posse da banca, persiste também um conjunto de fatores macroeconómicos – que tem na base a atual crise no fornecimento e na cadeia de produção de matérias-primas, bens e serviços, e cujo final não se avizinha para breve – que deverá ter um impacto negativo neste cenário, resultando numa maior dificuldade quer de pessoas quer de empresas em cumprir os compromissos financeiros e, consequentemente, a um aumento do malparado”, afirma a Prime Yield.
Na perspetiva destes especialistas, estes indicadores mostram que há ainda um longo caminho a percorrer em direção à melhoria da qualidade das carteiras de crédito na posse da banca portuguesa e que uma das soluções mais eficazes continuará a ser, precisamente, através da venda de carteiras de NPL.
“As estimativas para 2022 são que que o mercado acelere consideravelmente na transação deste tipo de carteiras, provando que 2020 foi um ano atípico e fortemente afetado pela conjuntura pandémica”, estima a Prime Yield.
“Em paralelo às vendas concluídas e em processo estimadas para 2021, é evidente uma corrida ao mercado nesta reta final do ano, com vários processos de venda a serem lançados e que colocam as expectativas em alta para o próximo ano, em que se estima que os níveis de transação possam retomar ou até superar os padrões pré-COVID”, complementa a sua análise esta empresa.
“É evidente um esforço da banca portuguesa em alienar o NPL que ainda tem em stock, legado do pré-COVID”, diz Nelson Rêgo.
“Não temos dúvidas que a atividade transacional de carteiras de malparado irá aumentar de forma sustentada em 2022 quer em Portugal quer em Espanha, confirmando que este é um setor que continua a atrair investidores”, refere Nelson Rêgo, CEO da Prime Yield. “Há a clara evidência de que as quebras na atividade em 2020, que em Portugal foram de 90%, resultaram da paralisação pandémica. Este ano há uma reativação muito forte do mercado, ainda que em níveis inferiores ao pré-COVID, e 2022 deverá trazer um novo impulso a este mercado no nosso país”, nota este executivo.
“A dinâmica observada nesta reta final do ano é um sinal dessa possível aceleração. Nestes últimos dois meses, temos registado muitos portfólios de NPL a entrar ou a estudar entrada no mercado para venda, sendo evidente um esforço da Banca portuguesa em alienar o NPL que ainda tem em stock, legado do pré-COVID. Esta estratégia permitirá aos bancos prosseguir as suas metas de redução de malparado, mas funciona também como prevenção para uma eventual nova vaga de NPL que possa surgir nos próximos dois anos devido à moratória e ao enfraquecimento das condições económicas. Posto isto, em 2022 antecipamos um forte aumento no volume de vendas de NPL em Portugal, que poderão atingir os níveis observados no pré-Covid ou mesmo superá-los”, conclui Nelson Rêgo.
A realidade em Espanha
Este cenário é comum a Espanha, outro dos mercados analisados neste estudo, mas onde, contrariamente a Portugal, o volume de NPL detido pela banca aumentou no último ano.
No final do 2º trimestre, o malparado no sistema financeiro espanhol totalizava €83.100 milhões, traduzindo um crescimento de 5% (+ €3.800 milhões) face aos €79.300 milhões registados no final de junho de 2020 e um rácio de NPL de 3.1% (+0.1 p.p. face ao 2º trimestre de 2020).
Correspondendo a 19% do stock agregado de malparado da Europa, este valor coloca a Espanha em segundo lugar entre os países europeus com o maior volume de NPL no seu sistema financeiro; colocando pressão adicional na banca para acelerar processos de venda.
O rácio espanhol NPL é de 3,1%. Contudo, os €83.100 milhões de malparado colocam Espanha em segundo lugar entre os países europeus com maior volume deste indicador.
A Prime Yield recorda que, tal como em Portugal, a venda de carteiras de malparado caiu a pique em Espanha em 2020, recuando para o valor mais baixo dos últimos cinco anos: €6.900 milhões, numa queda de 65% face aos cerca de €20.000 milhões transacionados em 2019.
“As projeções para 2021 são, contudo, bem mais animadoras, estimando-se um volume de vendas em torno dos €12.000 milhões, tendo em conta os negócios já concluídos e os processos de venda ativos e com conclusão prevista até ao final do ano. E, atendendo ao facto que as previsões da Autoridade Bancária Europeia são para continuação de crescimento do stock de malparado no país, podendo vir a ultrapassar os €100.000 milhões já no próximo ano, antecipa-se um boom de vendas em 2022, com a entrada de várias carteiras de NPL de pequenas e médias empresas no mercado ao longo dos próximos meses ao mesmo tempo que a vários bancos espanhóis estão a retomar os seus planos de venda de NPL, o que aporta boas perspetivas para um aumento da atividade transacional ao longo do próximo ano”, conclui a empresa.