A CEGOC é a organização em Portugal da multinacional francesa CEGOS, especialistas em formação e desenvolvimento. À FORBES, Ricardo Martins, Diretor Geral da CEGOC, olha para o modo como o tecido empresarial português se está a adaptar a novas tendências de organização que estão a surgir e o que podem os líderes das empresas fazer para não ficarem para trás.
As empresas nacionais estão a capacitar, através da formação, os seus recursos humanos para serem capazes de enfrentar os desafios que têm pela frente?
Genericamente, creio que sim. Aliás, um dos aspetos que identificámos no estudo “Transformations, Skills & Leaning” do Observatório CEGOS, em que a CEGOC participa e que foi divulgado em Portugal muito recentemente, é uma maior consciencialização dos decisores empresariais portugueses para temas relacionados com mudanças tecnológicas ou sociais que, inevitavelmente, exigem maior atenção e um grande investimento na capacitação e desenvolvimento das suas pessoas.
Os dados referentes ao nosso país apontam, expressamente, temáticas como a transformação digital (referida por 60% dos inquiridos), as novas formas de trabalho (56%) e a cibersegurança (35%), como os aspetos mais desafiantes que, neste momento, se levantam no núcleo das nossas empresas.
Ora, isso vai muito ao encontro daquilo que temos vindo a verificar, na nossa experiência diária junto de clientes e parceiros, com um número crescente de projetos formativos a incidir sobre modelos de trabalho híbridos, novas tecnologias e sistemas de informação e transformação das dinâmicas de lideranças para um mundo mais remoto e digital.
Em suma, os nossos gestores estão cada vez mais cientes da necessidade de formar as suas pessoas, de lhes dar valências adequadas para enfrentar um contexto em mutação acelerada e, assim, indo ao encontro das tendências a nível global, assegurar o talento necessário para competir no século XXI.
“Transformação digital, novas formas de trabalho e cibersegurança são os aspetos mais desafiantes que, neste momento, se levantam no núcleo das nossas empresas”
Quais são as grandes lacunas do tecido empresarial português, em matéria de recursos humanos?
Muitas das minhas conversas com decisores empresariais apontam para dois grandes problemas: dificuldade em aceder a recursos para competir à escala global, especialmente em estruturas pequenas, como é o caso da maior parte do tecido empresarial português, onde mais de 97% das organizações são PME’s, e a inevitável dificuldade destas em atrair e reter talento, para poder crescer de forma sustentada, face à elevada complexidade dos tempos em que vivemos.
Assiste-se, de resto, a uma maior, mas ainda insuficiente preocupação das nossas organizações e respetivas lideranças em encontrar novos pontos de equilíbrio entre as necessidades da empresa e as novas exigências dos seus recursos, com receios de perder os seus melhores colaboradores, e quadros mais valiosos, para empresas globais, com políticas remuneratórias mais agressivas e capital reputacional mais elevado.
Talvez por isso, haja hoje uma crescente procura de ofertas formativas em competências transversais, que melhoram as relações interpessoais e aproximam as equipas em contexto de trabalho. Intervenções formativas de duração mais prolongada, que, espaçadas ao longo do tempo, fomentam a colaboração e potenciam formas mais criativas de resolver problemas em equipa, para alcançar melhores resultados.
Na maior parte das vezes, as lacunas mais significativas que me são dadas observar surgem quando, em organizações que até são capazes de observar que o mundo e o mercado de trabalho à sua volta estão a mudar, encontramos lideres que continuam, ainda assim, a preferir abordagens mais tradicionais e recusam colocar em prática os modelos e formas de intervenção mais arrojadas, que apostam no desenvolvimento de um forte sentido de propósitos e de novos modelos de colaboração, assentes em relações de maior confiança entre as pessoas, que em última instância potenciem significativamente a eficiência e o sentido de pertença dos seus colaboradores.
“As lacunas mais significativas que me são dadas observar encontramos lideres que continuam a preferir abordagens mais tradicionais e recusam colocar em prática os modelos e formas de intervenção mais arrojadas”
Que novos modelos de liderança surgiram nos últimos tempos e quais é que se perspetiva que se afirmem nos próximos tempos?
A liderança é, inquestionavelmente, o maior impulsionador do desempenho organizacional, ou não tivéssemos identificado que 70% do envolvimento e motivação de uma equipa depende do seu líder. Para além disso, sabemos hoje que as organizações que investem mais no desenvolvimento de competências de liderança dos seus líderes apresentam resultados em média até 27% acima, por colaborador, do que as que não investem.
Assistimos ainda hoje, porém, em muitas organizações, cujo perfil de liderança do respetivo responsável máximo acaba por ser primordial para as restantes lideranças da organização, a um estilo excessivamente executor e centralizador.
Este perfil de liderança, assente no paradigma do líder heróico – salvador da pátria –, tende a tornar-se tóxico e, por isso, está a cair em descrédito, e esgotar-se-á, à medida que as novas gerações cheguem ao mercado de trabalho e, gradualmente, ocupem posições de poder nas organizações.
Os modelos de liderança modernos, assentes numa deriva humanística e servidora, pressupõem o exercício de uma liderança mais distribuída, mais empática, mais cuidadora, mas que também se desenvolve continuamente e procura desenvolver a sua equipa com vista à otimização sistémica da organização e respetivos stakeholders. É também exercida por alguém inclusivo e ágil, que não é nebuloso, ao nível de valores e comportamentos.
Ou seja, bastante diferente daquilo que ainda se verifica, mas que já vai mais ao encontro do que começa a ser tendência nas organizações que ambicionam ter um alcance e uma agenda mais globais.
Esta mudança, cuja aceleração está em curso, no mindset das organizações terá impactos transversais nas respetivas chefias e equipas operacionais, o que permitirá que este período de transição seja mais célere. Aproximamo-nos rapidamente da necessidade de encontrar novas formas de encarar a gestão das pessoas nas organizações, e isso, creio, trará ganhos relevantes para todos.
“Os modelos de liderança modernos assentam numa deriva humanística e servidora”
A sustentabilidade e as questões do ambiente são já, efetivamente, premissas-base para as empresas e as suas equipas? Ou é um assunto que ainda está a “entrar” no mindset de gestores?
Essa é uma matéria preponderante nas organizações. É, de forma inegável, um fator de diferenciação que ganha um grande protagonismo a este nível. Cresce o número de profissionais que, antes de aceitar uma proposta de emprego, analisa previamente a estratégia de ESG da empresa em questão. Ou seja, aspetos decorrentes da necessidade de ter uma ideia estruturada para a consecução de ações voltadas para a sustentabilidade social, económica e ambiental, têm que estar perfeitamente integradas na cultura organizacional das empresas, sob risco destas perderem capacidade de recrutamento e retenção dos melhores talentos e quadros.
Identificamos uma crescente preocupação das empresas em saber comunicar estes princípios, em trabalhá-los em conjunto com os as suas equipas e acionistas, no que se pretende que seja um fator de diferenciação organizacional, que crie um sentimento de pertença e nos leve a “vestir a camisola”.
Isto não acontecerá do dia para a noite, mas já se percebe a tendência. A título de exemplo, no nosso estudo “Transformations, Skills & Leaning”, 21% dos responsáveis de Recursos Humanos em Portugal considera a transição ecológica e a mudança climática entre os principais desafios que as organizações enfrentam atualmente. Valor ainda longe da média global do estudo, a rondar os 31%, mas que já representa uma atenção importante e crescente dos decisores empresariais, para o tema. Fruto disso, creio que no futuro próximo teremos melhores empresas, com melhores valores e pessoas na sua gestão.
Há “uma crescente preocupação das empresas [para que a estratégia ESG] em saber seja um fator de diferenciação organizacional, que crie um sentimento de pertença e nos leve a ‘vestir a camisola’”.
O teletrabalho ganhou um incremento significativo nos últimos dois anos, com a pandemia. Como avalia a digitalização do trabalho e o que falta fazer em Portugal?
Os resultados do Índice de Digitalidade da Economia e da Sociedade são claros: Portugal ocupa o 15.º lugar entre os 27 Estados-Membros da UE na edição de 2022. Existem 127 milhões de Euros referentes ao Mecanismo de Recuperação e Resiliência alocados para reformas e investimentos no domínio digital e não podemos deixar passar esta oportunidade.
A pandemia veio dar um empurrão significativo para a efetivação de um modelo de trabalho remoto e a apropriação de competências fundamentais para podermos trabalhar de forma colaborativa à distância. Mas, e apesar das diversas medidas que o país tem vindo a implementar para reforçar essas competências, expandir a conectividade e apoiar a adoção de mais e melhores tecnologias nas empresas, há ainda um longo caminho a percorrer.
Para além das competências digitais, é necessário apostar em infraestruturas de conetividade (tecnologia 5G por exemplo), de forma a garantir serviços e aplicações inovadoras. A adoção da inteligência artificial e o desenvolvimento de tecnologias ligadas ao trabalho em rede através de um universo de realidade aumentada continuam a sentir-se de forma reduzida, por isso devem ser claramente uma aposta.
Que resultados mais o surpreenderam no estudo feito pela CEGOS junto de profissionais e gestores sobre o mercado de trabalho?
Sem dúvida os 78% (ativos profissionalmente) que afirmam estarem dispostos a considerar uma mudança completa na sua carreira. Uma pandemia como a que vivemos colocou tudo em perspetiva. A grande viragem para esta tomada de consciência, a meu ver, foi a possibilidade que o teletrabalho nos trouxe, no sentido de hoje ser possível a um trabalhador de um país periférico aceder ao mercado de trabalho global, trabalhando a partir de casa para um empregador. Quando até aqui exigiriam que uma mudança de carreira fosse acompanhada de uma mudança física do local de trabalho. Esta nova forma de “e-migração” alarga substancialmente o nosso espectro de alternativas, sem pôr em causa uma melhor conciliação entre a vida profissional e pessoal.
O estudo veio também confirmar que, findo o período pandémico, os recursos e percursos formativos à distância são, em todos os sentidos, uma mais-valia na eficácia, na gestão do tempo e, claro, na gestão dos seus recursos financeiros. É todo um novo paradigma que as empresas, direções de RH e equipas de L&D têm à sua disposição, e que poderão continuar a usar, para dar resposta aos muitos desafios que têm pela frente, no que ao desenvolvimento do seu talento diz respeito.
A pandemia O teletrabalho trouxe a possibilidade “de hoje ser possível a um trabalhador de um país periférico aceder ao mercado de trabalho global, trabalhando a partir de casa para um empregador”
Quais são as skills mais relevantes no atual mercado de trabalho?
As competências transversais (soft skills) que considero essenciais e que a meu ver são já muito procuradas, mas ainda escassas, e que, por isso, merecem a nossa atenção e aposta coletiva, são a Agilidade e Adaptabilidade, que de acordo com os resultados do estudo são competências multifuncionais consideradas prioritárias por gestores e diretores de RH, face à rápida transformação em curso e à necessidade de evoluir dos atuais para os novos postos de trabalho. A Organização Eficaz do Trabalho, que também é considerada como fundamental, pela diversidade de tarefas e responsabilidades associadas a um ambiente híbrido, desta feita também pelos colaboradores, é outra das competências soft que são chave para o futuro.
Mas o contínuo progresso tecnológico e social coloca-nos à prova, exigindo-nos um leque de novas competências transversais praticamente em todos os setores de atividade. Por isso, a estas competências juntaria também, e ainda, a Colaboração Remota, a Comunicação Digital, a Criatividade, o Espírito de Iniciativa e Empreendedorismo e, claro, a Capacidade de (Re)Aprender a Aprender.
“O contínuo progresso tecnológico e social coloca-nos à prova, exigindo-nos um leque de novas competências transversais praticamente em todos os setores de atividade”
O que deve fazer o tecido empresarial português para se adaptar a novas tendências organizativas?
Perante as mudanças em curso e o crescente interesse dos colaboradores em desenvolver as suas competências, as organizações devem apostar numa oferta formativa atual, dinâmica e claramente desenhada para dar suporte à transferência da aprendizagem para o contexto de trabalho.
É essencial que as empresas reconheçam a necessidade dos seus colaboradores assegurarem a sua mobilidade no mercado de trabalho, pelo que não devem esquecer que estes estarão particularmente abertos a oportunidades de reskilling. A questão central que se coloca a um colaborador e a uma empresa num contexto em transformação é a empregabilidade dos indivíduos e a atualização do seu saber fazer, por forma a poder dar um contributo válido para o desempenho da sua organização. Muitas empresas já estão a lidar diretamente com estas questões e isso é visível quando as apoiamos na construção e implementação de programas ambiciosos de upskilling, profissionalização e reskilling dos seus colaboradores. Mas há ainda muito por fazer e a aposta na qualificação das pessoas não pode esmorecer. Competimos, mais do que nunca, num mercado global, que aparentemente está a querer rever o seu paradigma de globalização. O capítulo que se segue é ainda uma incógnita, mas já dá para ter uma noção. O que não dá é para enterrar a cabeça na areia e esperar que a incerteza passe e tudo volte a ser como era dantes.