Tecnicamente falida. É assim que o presidente do conselho de administração da Luís Simões, a maior empresa nacional de logística e transporte rodoviário, descreve à FORBES o estado da empresa no início da década de 1980. O ambiente revolucionário do pós-25 de Abril de 1974 desvanecera-se.
Depois dos cravos, a vida continuou com contornos diferentes. Portugal tinha novas perspectivas de futuro. Contudo, em 1983, chega a crise financeira e, com ela, o resgate do Fundo Monetário Internacional (FMI), que acabou por deitar a empresa abaixo. “Foi um problema brutal”, conta José Luís Simões, e “causado por nós”.
Nessa época, “não tínhamos feito bem o trabalho de casa. O FMI fez-nos mal porque não estávamos preparados”, constata.
José revela que, na altura, a empresa realizou investimentos para os quais não tinha balanço, além de que “envolvemo-nos demasiado no sector de suporte à construção civil”, como no transporte de materiais da refinaria de Sines e de materiais pesados na área das celuloses e do cimento, explica. Dependência que acabaria por revelar-se problemática.
A empresa fundada em 1948 por Fernando Luís Simões e Delfina Rosa Soares, pais do actual presidente executivo, poderia ter terminado ali. Porém, a história foi outra.
A Luís Simões foi à luta num contexto novo, num Portugal democrático. Ganharam quota de mercado e adoptaram uma nova abordagem. Hoje é líder no mercado nacional de logística e tem forte presença em Espanha, contando actualmente com 20 centros logísticos em toda a Península Ibérica.
Em 2015 facturou mais 220 milhões de euros e transporta quase 8 mil milhões de toneladas por ano.
Voltemos a 1983. À época, não foi uma troika, mas uma comitiva liderada pela economista do FMI Teresa Ter-Minassian que obrigou Portugal a apertar o cinto.
José recorre às palavras de Ernâni Lopes, ministro das Finanças à época, “meu particular amigo durante anos, um homem desapaixonado nestas coisas, que constatava à época, fatalmente: ‘não há dinheiro.”
A construção civil, sustento da Luís Simões, parou. “Não afrouxou, parou!”, sublinha. “O Estado era o único a investir, não havia mais ninguém. Metade dos nossos clientes faliram e a outra metade deixou de pagar. Começámos por ter de pagar as dívidas das próprias empresas do Estado aos bancos que eram do Estado”, recorda, com uma gargalhada.
À época, José e os irmãos Jorge e Leonel, também hoje gestores da empresa, deparando-se com a secura do investimento em Portugal, pensaram em passar para lá da fronteira à procura de negócio.
Entre 1984 e 1990, ano da criação da empresa de direito espanhol, começaram a fazer transportes de forma regular para regiões como o País Basco e Catalunha.
“Nesse tempo, os transportes internacionais eram condicionados a licenças bilaterais”, explica José.
A empresa conseguiu, neste esforço de internacionalização, esgotar, em 1990, “todas as licenças desse ano. Não eram as nossas, eram a do país!”.
A partir daí, “criou-se um precedente interessante” com a decisão posterior de se analisarem ad-hoc pedidos de licença que fossem além do plafond inicial.
A Luís Simões acabou por se instalar em Espanha por entre pneus rebentados, vidros partidos e motoristas no hospital, numa resposta inicial de desagrado de motoristas espanhóis à entrada em mercado alheio. Mais uma vez, eram as contingências da época, reconhece José Luís Simões.
E nada mais havia a fazer, além de lidar com elas, diz. Anos volvidos, a Luís Simões enfrentou muito melhor o resgate de 2011, explica o gestor. “Entre 2008 e 2014, o grupo Luís Simões subiu as vendas em quase 50 milhões de euros e reduziu a dívida para metade”, detalha. “Fizemos o trabalho de casa. Na altura não tínhamos feito.”
A diplomacia dos negócios
Há algo de comum a todas as peripécias narradas por José Luís Simões à FORBES: para gerir é preciso antecipar, entender e aceitar o espírito do tempo.
E quando o espírito do tempo implica ter reuniões com militares barbudos que se fazem acompanhar por armas de guerra, é preciso encarar o facto com uma certa tranquilidade.
Afinal, eram os tempos pós-revolucionários de 1975, época de convulsões que pôs um ponto final em quatro décadas de Estado Novo.
Um episódio que ilustra o facto de, para gerir bem, é preciso compreender o zeitgeist.
Antes disso, a empresa já operava havia décadas. A Luís Simões começou por ser de transporte de produtos hortofrutícolas da região Oeste para os mercados de Lisboa e da Malveira. Em 1948, Fernando Luís Simões, o fundador, juntamente com a sua mulher, Delfina Rosa Soares, adquirem o primeiro camião e começa oficialmente a história da empresa.
Nessa época, o transporte ferroviário mostrava as suas profundas limitações no que toca à distribuição de mercadorias numa Europa que iniciava uma espectacular recuperação da Segunda Guerra Mundial. Era preciso levar os bens de forma célere de um ponto ao outro num país que tinha um novo impulso na industrialização através dos Planos de Fomento implementados pelo Estado Novo, explica o gestor.
“A CP então tinha mais de 80% de quota de mercado. Neste contexto, não servia as necessidades de outro tempo, outras exigências. O mercado era mais dinâmico, mais rápido”, detalha José.
Em 1973, já detentor de uma frota de 20 camiões, Fernando passa a gestão para as mãos dos filhos.
“O nosso pai disse-nos: ‘eu aqui cheguei, tenho consciência do que fiz até agora, mas o tempo é outro. Este é o vosso tempo. Eu subsisti até aqui e, daqui em diante, façam vocês’”, conta o filho do meio, agora ao leme. Os três irmãos, José, Jorge e Leonel, não suspeitavam, como qualquer um à época, naquilo que Portugal se tornaria em breve.
Um ano depois deu-se o 25 de Abril. José recorda-se, dessa época, de uma reunião, em 1975, com uma missão do COPCON (Comando Operacional do Continente, organismo militar criado no pós-revolução) com o objectivo de se proceder à criação da Associação Nacional de Transportadores Rodoviários.
“Um senhor com uma barba muito grande, algo que me fazia muitíssima confusão, chegou e pôs a espingarda em cima da mesa”, conta.
Recorda-se de um senhor, quadro da Luís Simões, entretanto falecido, e que disse ao militar: “o senhor, por educação, por respeito por nós, pode retirar a arma?”. “Fez-se um silêncio na sala durante mais de dez segundos. O militar então olhou para o senhor, olhou para a arma, pegou na arma, pôs-se em sentido”, conta. “Foi de uma educação. Foram correctíssimos connosco.”
No pós-25 de Abril houve muita agitação. “Diria que era preciso ter um bocadinho de estômago para pessoas com outras motivações ideológicas ou interesses económicos. Mas eu não vejo razão nenhuma para nos queixarmos. Vivemos esse tempo, tratamos tudo aquilo no seu tempo com as coisas que havia para tratar”, relembra.
O valor de uma boa parceria
Em 1988, após uma visita a uma feira da área dos transportes em Paris, José apercebeu-se que se aproximava uma mudança estrutural na Europa e que teria de por mãos à obra. Em Paris, numa visita a uma feira do sector, em 1988, observou, no stand da Iveco, um filme cuja mensagem principal era que “quem não fosse capaz de criar valor, teria de depender de outrem”, relembra.
Foi assim que antecipou a entrada em força de multinacionais que viriam a dominar um mercado em desenvolvimento. Não se enganou: primeiro bateu à porta o mercado único europeu e anos depois a moeda única. Para impedir ser esmagado por esta dinâmica, José parou, respirou fundo e embarcou numa nova aventura.
O modelo de uma empresa de transportes era já limitador e era preciso mais. Depois da recuperação da queda da década de 1980, José percebeu que se tinha atingido uma parede.
O modelo de negócio estava saturado e havia que “criar valor”, mais uma vez – o credo do presidente executivo da empresa. A logística foi o passo seguinte. Não sabiam nada de logística, reconhece. O primeiro passo foi, conta, procurar um parceiro que dominasse a área.
Em 1991, foram bater à porta da FDS, uma empresa francesa cujo modelo que consideraram que “se adaptaria mais à realidade portuguesa”, para estabelecer uma parceria que acabaria por transformar a Luís Simões num operador logístico. “Receberam-nos com muitíssimo respeito. Eram cinco vezes maiores do que nós e explicaram-nos isso”, conta.
Foi então constituída uma entidade detida a 60% pela empresa portuguesa a 40% pela FDS.
Foi designado um administrador da empresa francesa que dominava o espanhol para ajudar nas operações, trouxeram-se gestores franceses para Portugal, enviou-se gestores portugueses para França.
“Foi uma experiência muito interessante”, recorda. “Não foi fácil pegar nos camiões e, de repente, passar a fazer operações de armazém.”
A parceria terminou em 1994, com a compra da participação da FDS pela Luís Simões.
Novos horizontes (e novos desafios)
Um acto tão comum como o de ir a uma página especializada em compras on-line e encomendar uma gilette, apenas uma unidade, constitui um enorme desafio para as empresas de distribuição e logística.
Isto sucede porque estas companhias deparam-se actualmente com a necessidade de entregar bens cujo preço é muito inferior ao do próprio transporte. Trata-se de uma grande mudança face às típicas encomendas grandes e espaçadas no tempo de há décadas.
Esta é uma tendência de consumo que também se nota no retalho físico e tradicional, com a perda de popularidade das grandes superfícies e com a mudança de hábitos rumo a compras mais frequentes, mas com menor volume no comércio de proximidade.
Isto depois de “andarmos décadas a preparar-nos exaustivamente para optimizar os processos através de encomendas maiores em veículos maiores para reduzir os custos”, explica.
A adaptação tem sido “dura”, mas a Luís Simões está focada na mudança para responder a estes tempos. Entre as primeiras grandes mudanças destaca-se um primeiro investimento em sistemas de informação e a remodelação de unidades para as novas exigências na distribuição, explica José.
O investimento, esse, passa, como em outras empresas, pelo recurso também a financiamento externo. As relações com a banca foram ao longo dos anos, conta, “umas vezes mais tensas do que outras, mas não temos razão de queixa. Os bancos têm sido muitíssimo bons aliados”, afiança.
O presidente executivo da empresa também não põe uma eventual entrada em Bolsa totalmente de parte, mas refere que, “até ao dia de hoje, não encontrámos vantagem nisso”. Contudo, de cinco em cinco anos assume que é avaliada essa opção. E, em 2018, revela, lá estará para discussão essa hipótese em cima da mesa.