A executiva portuguesa Paula Barriga liderou a filial da farmacêutica Novo Nordisk em Portugal entre 2022 e 2025, até ter sido convidada a ocupar a mesma função no mercado espanhol. Entretanto, a direção da empresa portuguesa foi ocupada por um espanhol, Nicolas Villar, que assumiu recentemente a liderança. A Forbes Portugal recorda aqui a história de vida de Paula Barriga, num artigo publicado na edição em papel, antes da gestora partir para Espanha (artigo foi atualizado apenas no início, ao nível do cargo ocupado neste momento).
Licenciada em Biologia e com especialização em Investigação, Paula Barriga assume que a sua entrada nesta indústria como delegada de informação médica lhe deu o conhecimento essencial, a partir das bases, para que hoje possa liderar uma companhia farmacêutica com presença mundial. A gestora está atualmente como diretora-geral da filial espanhola da farmacêutica de origem dinamarquesa Novo Nordisk, multinacional especializada na obesidade e diabetes, tendo anteriormente ocupado a mesma função em Portugal, desde meados de 2022. A sua carreira foi construída neste setor com pulso de ferro e o empenho que desde sempre a caracterizou, fosse qual fosse o desafio.
Alcançou, com passos determinados, a liderança da companhia que já foi a maior europeia cotada em Bolsa, com um valor de mercado superior a 635 mil milhões de dólares (cerca de 560 mil milhões de euros). No entanto, no final do ano iniciou um movimento descendente, e está, atualmente, na 4º posição do ranking europeu – mas mantêm-se à frente da francesa LVHM, em quinto -, com uma avaliação de perto de 300 mil milhões de dólares (cerca de 265 mil milhões de euros). Esta quebra dos títulos motivou, recentemente, a saída do CEO, Lars Fruergaard Jorgensen, alteração que não deverá ter impacto, para já, na equipa nacional.
Paula Barriga confessa que toda a sua carreira foi sendo construída com alguma sorte, mas que «a sorte dá trabalho». Nunca se candidatou a nenhum cargo, a não ser ao primeiro: todos os outros foram surgindo por convite. Sinal de que tudo o que fazia, fazia bem feito, com empenho, e essa entrega foi sendo reconhecida. Desde a sua entrada na Novo Nordisk implementou uma nova dinâmica organizacional, com crescimentos de resultados e maior visibilidade externa. A filial está atualmente muito bem posicionada dentro do grupo, estando até, nalguns casos, à frente de filiais com maiores recursos. E isto traz a possibilidade de conseguir projetos pilotos para o mercado nacional.
Sendo esta uma empresa que segue as melhores práticas laborais, a satisfação dos seus colaboradores é um dos seus pontos cruciais, explica a líder que assume ver com preocupação o retrocesso internacional nas politicas de DEI (diversidade, equidade e inclusão). “A companhia não tem intensão alguma de fazer qualquer tipo de retrocesso nas práticas de DEI, muito pelo contrário”, explica. Refere que equipa de liderança é composta por 50% de homens e 50% de mulheres e nos cargos intermédios há 75% de mulheres e 25% de homens. Além disso há várias nacionalidades e várias gerações a conviver dentro a empresa.
Apaixonada pelo tema da liderança, refere que o seu estilo é “colaborativo – acredito bastante na força da equipa –, muito orientado para o desenvolvimento transformacional e para os resultados”.
No entanto, a gestora também refere que, na construção da equipa, dá primazia à igualdade de oportunidades e em desenvolver as melhores pessoas, não tanto numa perspetiva de género. Entende que “a liderança feminina não é necessariamente melhor do que a masculina, é simplesmente diferente pelas características inerentes a ambos os gêneros”. Entende que o mais interessante é que atualmente “uma mulher num cargo de liderança já não precisa de funcionar como se fosse um homem. Houve alturas em que uma mulher líder tentava imitar características masculinas, o que era péssimo”. Ou seja, hoje é possível para uma mulher líder ser mais autêntica, e isso é a condição fundamental de uma boa liderança.
Apaixonada pelo tema da liderança, refere que o seu estilo é “colaborativo – acredito bastante na força da equipa –, muito orientado para o desenvolvimento transformacional e para os resultados”. E destaca a importância da liderança individual, “porque a primeira pessoa com quem temos de liderar somos nós próprios. Fiz isto ao longo de toda a minha carreira e talvez tenha sido um dos fatores que me permitiu fazer este percurso sólido, que foi começar pelo autoconhecimento”. Afirma, a propósito que a que a Paula de 2002 não é a Paula de 2025, porque “a liderança é uma viagem que não termina”. Teve a sorte de trabalhar em organizações e com líderes que nunca a fizeram sentir menos bem por ser mulher e quer deixar o mesmo impacto na empresa que lidera, “já que esta não é realidade para todas as mulheres”.
Os primeiros anos de percurso profissional
Paula Barriga nasceu em Abrantes e foi estudar para a Universidade de Coimbra, cidade na qual concluiu a licenciatura em Biologia. Como acabou o curso com boas notas, conseguiu uma bolsa para fazer um doutoramento, que iniciou, mas não, porque, pelo meio esteve a dar aulas na Universidade de Ciências de Lisboa. “Foi uma forma de pôr em prática os conhecimentos que tinha adquirido. Foi algo muito interessante, já que era praticamente da idade dos meus alunos, e criou-se ali alguma empatia”, recorda. Depois desta experiência enveredou pela área da investigação, necessária para a tese de doutoramento, e acabou por perceber que a parte de laboratório não a preenchia completamente.
Foi nesta fase que decidiu mudar de direção. “Percebi então que a indústria farmacêutica seria uma boa opção. E assim foi”, recorda a gestora. Em 2003, Paula Barriga entrou para a MSD – Merck, Sharp & Dohme, como delegada de informação médica, função que manteve durante dois anos. “Com as qualificações que já tinha, muito provavelmente teria conseguido outro cargo, mas até acho muito benéfico ter começado pela parte comercial, porque me ajudou muito ter essa experiência de toda a hierarquia de uma empresa”, recorda. Algum tempo depois assume uma função interna na companhia como Junior Product Manager, cargo que lhe abriu as portas para a indústria farmacêutica. Integrou entrão um programa de talento da companhia e rumou aos Estados Unidos, para a sede. Foi uma experiência muito enriquecedora, já que a sua superior, uma gestora grega, que lhe proporcionou uma aprendizagem transversal do negócio. “Foi uma aprendizagem fantástica e eu funcionei como uma «esponja» e acabei por perceber muito cedo como é que funcionava realmente uma multinacional farmacêutica na sua plenitude”, explica. Recebeu, na altura, um convite para ficar, mas, apesar da vontade já sentia em fazer carreira internacional, não se sentia ainda preparada para isso e regressou Portugal. No entanto, esse «bichinho» ficou instalado, já que se sentiu muito à vontade com a diversidade cultural, com a multiplicidade de ideias e com o convívio com outras formas de ser e fazer.
A gestora defende que as carreiras internacionais são importantes, mas é fundamental haver a consciência de que nem tudo vai ser perfeito. “Temos de perceber que haverá imensos aniversários de família, por exemplo, nos quais não vamos estar presentes”, explica.
Esteve no Grupo MSD entre 2003 e 2009, altura em que decidiu aceitar um novo desafio, que representava uma progressão na carreira. Entrou assim na Novartis, para uma área terapêutica nova, a das neurociências, como Sales & Marketing Manager, para fazer o lançamento de um novo fármaco em Portugal. Passou depois a diretora da Unidade de Negócios de Neurociências cargo no qual esteve perto de cinco anos. Ainda na Novartis foi convidada para assumir uma função no Brasil, e seguiu rumo a S. Paulo. “Tenho alguns princípios pelos quais me sigo na gestão da minha carreira. Um deles é tentar não mudar tudo de uma vez. Porque é importante sair da nossa zona de conformo, mas manter alguma estabilidade”, afirma. Ou seja, estava a mudar de país, mas manteve a companhia e a mesma área terapêutica.
A gestora defende que as carreiras internacionais são importantes, mas é fundamental haver a consciência de que nem tudo vai ser perfeito. “Temos de perceber que haverá imensos aniversários de família, por exemplo, nos quais não vamos estar presentes”, explica. Porém, o facto de se ter a oportunidade de enriquecer a vida profissional, e também pessoal, tem de ser visto como uma missão e não com espírito de sacrifício. Partiu por um período de três anos, porém, antes de terminar o período acordado, a companhia desafiou-a então a rumar a Basileia, para trabalhar num lançamento a nível global na área de neurociências. “Esta foi a mudança mais extrema, numa perspetiva cultural, que já atravessei. Mas como me adapto bem, correu pelo melhor”, afirma. Como se afirma como uma pessoa mais directa na comunicação do que a média dos portugueses – no Brasil era necessário fazer mais introdução de contexto ao assunto – conseguiu integrar-se bem no espírito suíço.
Foi com base nesta experiência de delinear estratégias de interação global com várias filiais de várias regiões, a fim de se lançar um produto que a gestora percebeu que gostaria mesmo de enfrentar um cargo de liderança de topo. E, em 2019, depois de dois anos na Suíça, regressou a Portugal para assumir a função de directora-geral Vifor Farma Portugal, filial de uma multinacional, que agora se chama CLS ViFor, especializada em anemia e deficiência de ferro. “Ia lidar com áreas terapêuticas novas, uma vez mais, mas achei que já tinha um percurso muito sólido para avançar. Passei a ter responsabilidades na gestão mais local, mas numa perspetiva mais abrangente”, explica. Refere que todo o seu percurso anterior a ajudou a preparar-se ainda melhor para mais este desafio, sobretudo no que diz respeito a fazer a ligação entre a filial e a casa-mãe. “Uma filial não vive isolada. As multinacionais vivem do conjunto das várias filiais, quanto mais próximo conseguirmos estar das equipas globais, das equipas regionais, então mais bem-sucedidos vamos ser”, explica.
Liderar no universo de uma das maiores farmacêuticas do mundo
Depois de três anos à frente da Vifor Farma, surgiu então, em 2022, o desafio de liderar a Novo Nordisk em Portugal. A companhia dinamarquesa estava então numa fase de grande crescimento e o repto lançado foi o de pegar na organização e levá-la para um próximo patamar. A empresa já estava presente no nosso país desde 1984, mas não tinha ainda muita visibilidade como marca no mercado nacional. “Este é um dos pontos que começamos a trabalhar desde logo, porque a multinacional atuava de uma forma mais low profile. A empresa trabalha muito pelo seu propósito, que se mantém há mais de 100 anos, que é o de derrotar a diabetes, muito focado nas insulinas. Hoje mantemos esse legado, mas alargamos a outras áreas, como a obesidade”, explica.
A Novo Nordisk fornece cerca de 50% da insulina consumida a nível mundial, mas desenvolve ainda outras classes terapêuticas mais avançadas para o tratamento da diabetes. A marca expandiu-se também para áreas como a obesidade, uma vez que as duas doenças estão muito interligadas, e a área de doenças raras. Faturou o ano passado qualquer coisa como 42 mil milhões de dólares (cerca de 37 mil milhões de euros), o que resultou de um crescimento de 26% da sua atividade. O facto de se ter tornado a companhia mais valiosa em bolsa do mercado europeu deu mais visibilidade à marca, que se tornou mais reconhecida do grande público nos últimos três anos. “Isso traz-nos um grande orgulho, porque estamos a impactar mais pessoas com os nossos produtos. Além disso reforça o nosso propósito de «devolver à sociedade», que está na origem da nossa fundação”, refere Paula Barriga.

Quando foi fundada foi estabelecido o compromisso de que partes das receitas da comercialização do produto, descoberto no Canadá, seria revertido para fins humanitários e de investigação. Assim foi criada a Novo Nordisk Foundation, que é a principal acionista da Novo Nordisk ainda hoje, mantendo-se assim o sentimento de responsabilidade social. Certo é que mais de 13% das receitas são reinvestidas em Investigação e Desenvolvimento. Paula Barriga, que também está ligada à associação GRACE – Grupo de Reflexão e Apoio à Cidadania Empresarial, refere que as políticas da empresa também incentivam os colaboradores – a equipa está próxima de 100 elementos -, por exemplo, a participarem em ações de voluntariado.
Em Portugal a empresa também está a crescer a um ritmo acelerado. Segundo a executiva as vendas em território nacional cresceram 44% no ano. “Este ano até antecipamos que iremos eventualmente crescer mais do que o ano passado. Esta tem sido uma jornada transformacional do negócio e muito positiva. Temos uma estratégia muito bem definida para o país”, refere Paula Barriga.
Uma das principais áreas de investimento da Novo Nordisk são os ensaios clínicos. “Em 2023, investimos cerca de 10 milhões de euros em Portugal nesta área, o que representou nove vezes mais do que estávamos a investir em 2020”, explica a diretora-geral. A filial nacional também está também a investir muito no crescimento da sua equipa, nomeadamente nos ensaios clínicos. Refere que acha muito positivo o facto de que todas as funções da filial reportarem ao director-geral, ao contrário de muitas multinacionais, em que há uma reporte vertical de cada estrutura. “Acho isto muito interessante, não pela perspetiva do poder, pois não tem a ver com isso, mas pela perspetiva da equipa, por se ter uma visão única do negócio. O nosso lema para este ano foi precisamente «uma equipa, uma visão», e isso só acontece se estivermos todos alinhados”, explica Paula Barriga.
(Texto originalmente publicado na edição 80/junho/julho) da Forbes Portugal)





