Oito anos após o início da Democracia em Portugal, Carlos Gonçalves convenceu o pai a criar uma empresa. “Um homem de 60 anos, doente, e um rapaz de 15 anos a dizer que queria trabalhar em vez de estar a estudar. Assim nasceu a empresa, com o meu pai e comigo, a fazer vinagre de figo. Havia em Portugal vinagre de vinho branco e vinho tinto, e nós queríamos fazer diferente com produtos da nossa terra”, conta o cicerone da visita da FORBES à fábrica da Golegã.
Mais de três décadas depois, a Mendes Gonçalves caminha para os 30 milhões de euros de facturação, inaugurou este ano uma fábrica em Luanda e estuda outra para o Irão, Marrocos ou Argélia. Diversificou os tipos de vinagre, alguns mais evoluídos, estagiados em adega, e lançou-se nos molhos. “Uma empresa não podia crescer, ter este caminho, com um só produto”, nota o presidente executivo da empresa, que anteviu a expansão do negócio numa mostarda ali fabricada para um cliente: Paladin. A Mendes Gonçalves acabou por adquirir a marca.
“Tínhamos a Peninsular, nome comprido, muito ligado ao vinagre, e a Paladin entra como o salto que a empresa pretendia para se internacionalizar. E mudámos tudo. Passámos a ser também uma empresa que tem uma marca forte e com ela vai potenciar o crescimento e suportar toda a inovação – somos uma das três empresas nacionais alimentares com núcleo de investigação e desenvolvimento certificado”. Nos últimos três anos, desde a aposta na Paladin, a facturação da Mendes Gonçalves mais que duplicou e esta marca mais que triplicou as receitas, diz-nos Carlos. Sobre a Paladin assentam a inovação e a expansão além-fronteiras. A internacionalização vale cerca de 30% e o plano é atingir a fasquia dos 40% a 45% antes de 2020.
Os mais atentos terão observado ultimamente um aumento da presença da marca Paladin em eventos. Foi assim nos Santos Populares, em Lisboa, por exemplo. Um dos produtos mais badalados do momento é o “Ketchup à Portuguesa”, vencedor de uma competição do Gulfood Dubai. Com embalagem preta, em contraste com a tradicionalmente vermelha, é o orgulho de Carlos. Na Golegã nascem outros ketchups, como o da marca Rio Bravo, mas o da Paladin tem uma fórmula distinta, menos doce e com toque de refogado, entre outros segredos.
“É o produto que está nas mãos das maiores multinacionais de molhos, o mais igual no mundo inteiro. Uma empresa portuguesa dizer que [o seu ketchup] é feito com tomate português, à portuguesa, e conseguir ganhar em tão pouco tempo [ao prémio no Dubai soma-se o da Ahresp] é absolutamente notável. Temos orgulho nisso. Estamos num mercado em que o concorrente a seguir a nós deve ser umas 100 vezes maior”, destaca.
Outro motivo de satisfação para o líder da empresa são os molhos, que incluem coentros e alhos, alho frito, iogurte e hortelã, azeitonas e orégãos, entre outros. “Desafiamos criando novos sabores, novos produtos, novos hábitos alimentares”.
Da fábrica da Golegã, com capacidade de produção de 12 toneladas de molhos por hora, também saem massa de alho e de pimento, mostarda, maionese (cruzamo-nos com frascos das “marcas brancas” da Auchan e da cadeia angolana Mega) e o molho de batatas vendido nos restaurantes da McDonald’s. “Temos muito negócio da restauração, com produtos para as cadeias de restauração”, além de marcas próprias para supermercados de Portugal, Angola, Suíça e Israel, explica Carlos. Nesta visita à fábrica anotamos duas peculiaridades: a tulha de figos para o vinagre que é o produto original da empresa, e os depósitos de vinagre certificados com os selos Kosher (relativos à aprovação para venda segundo as normas judaicas, necessários para venda em Israel e algumas comunidades no mundo) e Halal, termo que significa lícito, para os seguidores do Islão.
Desejo de inovar
Depois do centro logístico – indispensável para gerir as mais de 1400 referências de produtos –, erguido no ano passado junto à outra fábrica, a de embalagens, a Mendes Gonçalves irá alargar o centro de investigação e desenvolvimento (I&D) de novos produtos. Estes, após serem concebidos pela actual equipa de 10 pessoas do I&D que cria cerca de 300 produtos por ano, passam por um painel de provadores com cerca de 200 indivíduos, alguns da própria empresa. No final, à volta de 50 produtos vêem a luz dos supermercados e dos restaurantes.
Sobretudo com a marca Paladin. Mas também com a insígnia Creative, destinada a mercados evoluídos, com ofertas como a redução de vinagre com fruta. Ou ainda a Peninsular, marca da Mendes Gonçalves para restauração e produtos de acesso.No centro de I&D encontramos alguns dos licenciados da empresa, os quais complementam a formação feita na Academia “de trabalho”, que Carlos salienta ter como elemento principal do seu curriculum.
O presidente da empresa ressalva, contudo, que lá por não ter avançado nos estudos (não chega a revelar-nos as suas habilitações académicas) não entra “em demagogias” de dizer que o trabalho é que é a verdadeira escola. Daí a diversidade de currículos dos quase 250 trabalhadores. Entre estes está um cientista, Cristiano, proveniente da indústria farmacêutica, a quem está confiada a criação da primeira bactéria asséptica própria da empresa, para o processo de transformação do álcool em acidez, necessário aos vinagres.
Carlos ressalva que inovar não foi o mote logo desde início da empresa. Segundo o empresário, o facto de ter avançado com o vinagre de figo quando no país só havia vinagre de vinho teve mais a ver com o aproveitamento da matéria-prima da terra e não por qualquer rasgo de inovação. “O meu pai tinha trabalhado, a certa altura, numa indústria vinagreira e pensou em fazer algo diferente”, diz. Ainda hoje compram praticamente toda a produção de Torres Novas, concelho vizinho de onde provém o figo. “Há pessoas que há 34 anos nos vêm entregar os figos e não vamos virar-lhe as costas”, explica Carlos. Este aproveitamento do que já existe na produção nacional, como sucede com os vinagres de mel e de tomate do Ribatejo, ou ainda os de pêra-rocha e maçã de Alcobaça (em fase de lançamento) é lema para a empresa. E a norma para as matérias-primas é comprar primeiro o que é da Golegã, depois o ribatejano, a seguir o que é português e só depois importar.
Com perto de 90% de incorporação nacional, a Mendes Gonçalves apresenta-se como uma das primeiras empresas a aderir ao “Portugal Sou Eu”.
“Sempre esteve no nosso ADN, mas agora comunicamos isso. Somos uma empresa orgulhosamente da Golegã, Portugal, e é essa a nossa mensagem. Concorremos em qualquer parte do mundo, com qualquer multinacional. O mundo é o nosso mercado”, diz o empresário.
O conhecimento dos mercados internacionais é uma imposição nesta empresa, assegura o CEODI – “Chief Executive Officer of Dream and Instability” é a forma original como o seu cartão-de-visita o apresenta. Numa expansão que começou por Angola, em 1984, com exportação dos vinagres, a Mendes Gonçalves procura sempre conhecer o mercado antes de avançar. E assim aprendeu, por exemplo, que o ranço pode não ser defeito, mas sim feitio.
Falando-nos da maionese que vende em países da África Central e Médio Oriente, Carlos explica que “à semelhança da manteiga Ghi, é um produto com sabor rançoso. Para eles o sabor a ranço é sinal de qualidade. Nós, nalguns países, temos maionese rançosa. Seria impensável de vender em Portugal, mas lá tem de ser assim”.
Família, família, negócios à parte
Carlos assegura que, embora haja nuances de empresa familiar (o trato entre trabalhadores, por exemplo), a gestão é feita com “completa profissionalização”. Apesar de a Mendes Gonçalves ter nascido como empresa familiar e manter-se familiar no controlo accionista, “hoje já não somos tanto na maneira de pensar e estar. E queremos não ser mesmo nada no aspecto dos negócios”, enfatiza, salientando a “empresa profissional que tem de ombrear com as melhores no mundo inteiro, e fazer isso o melhor possível”, diz. Daí não ver a sua sucessão como dinástica, ao contrário do que aconteceu do seu pai para si. “É um erro grave projectar nos filhos algo que não querem fazer ou para que não estão preparados. É mau para a empresa e mau para eles”, defende Carlos, lembrando que viu fornecedores falirem por apostarem nesse modelo. “Hoje, a empresa é profissional e profissionalizada. Só se entra por mérito. É irreversível”, assegura o empresário de 50 anos, pai de três filhos. “Uma coisa é propriedade da empresa, outra é gestão”, diz.
Perto do final da visita à fábrica cruzamo-nos com um funcionário especial, Joaquim. Este é o primeiro empregado da empresa e já fez de tudo um pouco, incluindo ser motorista durante as suas próprias férias, diz-nos Carlos. Joaquim corrige o patrão, apenas para lhe dizer que ele sim é o primeiro. Carlos Alberto (o “fundador”, chama-o assim como que para o distinguir do pai, já falecido, sinal da convivência de décadas) deu serventia na construção das primeiras paredes de alvenaria da Mendes Gonçalves, conta-nos o funcionário. Até recentemente, “sabia fazer todas as funções da fábrica”, ressalva o empresário, orgulhoso, lembrando que durante 20 anos, antes do processo de fabrico de vinagre estar automatizado, alternou com Joaquim – sábados e domingos incluídos – o acompanhamento da evolução do produto.
Na génese da empresa, diz-nos Carlos, andou, com o pai, há 35 anos, a serrar as oliveiras do olival na Golegã onde esta mesma fábrica viria a ser erguida. Sobre o pai, destaca que “arriscou tudo o que tinha, nessa premissa de um cachopo de 15 anos a dizer ‘vamos embora’. Pôs tudo o que tinha nisto. Isso é que é arriscar. Agora é tudo mais fácil”. Carlos destaca que, “nessa altura, é que era difícil acreditar que um homem, já de idade, e um cachopo, poderiam fazer a empresa de sucesso que é hoje. O nosso percurso tem sido esse, mantermo-nos fiéis, neste caso eu, a esse compromisso que assumi com o meu pai e com a minha terra, acreditar que somos capazes, como provamos que somos”.