A história do restaurante e da pousada G começa com uma grande dose de coragem. Quando os irmãos Óscar e António Gonçalves decidiram avançar com o projecto, Portugal atravessava um período de crise financeira e as perspectivas de negócio, principalmente no interior do país, não eram as melhores.
Poucos acreditavam e a maioria chegou mesmo a aconselhar os irmãos a desistirem da ideia e optarem pelo litoral, mas, ainda que esse fosse o caminho mais fácil na perspectiva de Óscar, hoje está feliz por ter ficado. “Fizemos história e estamos a lutar pela nossa região”, afirma Óscar, o chef do restaurante, realçando que, assim como recebem, as pessoas também têm que dar às regiões onde vivem.
E os irmãos Geadas, como são conhecidos, deram. A constelação de estrelas Michelin portuguesa já é extensa, mas há muitos anos que na rota não existia um desvio que levasse o guia até ao interior do país.
Este ano Bragança entra para a constelação, que divide com regiões como Lisboa, Porto, Funchal ou Algarve, e deve-o ao G que conquistou a sua primeira estrela.
Não há uma fórmula específica para a obtenção do título máximo da gastronomia mundial, assim sendo, Óscar acredita que a escolha se prendeu com o facto de terem dado aos inspectores “acolhimento, matéria-prima e um produto final de qualidade”.
“Fizemos história e estamos a lutar pela nossa região”, afirma Óscar, o chef do restaurante, realçando que, assim como recebem, as pessoas também têm que dar às regiões onde vivem.
O G proporciona uma experiência e esta foi brindada com uma estrela que, segundo Óscar, representa “um doce amargo que tem de se saber gerir muito bem”.
Um dos primeiros pensamentos do chef foi “e agora?” e confessa que nos primeiros cinco dias após receber a distinção entrava na cozinha com o mesmo medo que sentiu na primeira vez que liderou uma equipa sozinho.
Para retomar a normalidade foi necessário pensar que se o fez até agora, será capaz de o fazer daqui para a frente. Foram gentes de Trás-os-Montes que, a partir de Trás-os-Montes, ajudaram a meter no mapa gastronómico mundial sabores como a alheira ou o porco bísaro.
O chef descreve a carta do G como uma carta de produtos portugueses e transmontanos, mas principalmente “uma carta de saudade”, muito pelo poder que tem de transportar os clientes para a comida dos pais ou avós. “Quando fazemos lembrar o prato de alguém que nos é querido para mim é a maior satisfação”, diz.
Trabalhar num restaurante é inevitavelmente lidar com pessoas e os seus sentimentos e humores. Quando um cliente entra no espaço, o chef ou qualquer outro membro da equipa desconhecem o cenário em que essa pessoa se encontra: pode estar triste ou contente, estar prestes a fazer um negócio ou ter terminado um, chateado ou não com alguém.
Sendo assim, da parte do restaurante a missão passa também por melhorar o estado de espírito das pessoas que os visitam. “Se uma pessoa vem chateada por qualquer motivo, se lhe dermos uma comida boa acho que vai ajudar a minimizar o estado de espírito que a pessoa traz”, afirma Óscar.
Tal pai, tal filho
Muitos dizem que o restaurante está inserido na Pousada G, mas na realidade é ao contrário. António, licenciado em Gestão Hoteleira, conta que a ideia passou sempre por fazer “um restaurante com quartos e não quartos com restaurante”.
As antigas pousadas foram a grande inspiração, pois estas começaram por existir exactamente nessa lógica: um local onde havia um restaurante e poucos quartos. “Foram grandes sítios de excelência gastronómica”, realça António.
Ainda que Óscar esteja mais focado na cozinha e António na gestão do espaço, ambos estão envolvidos em tudo o que diz respeito ao G. “Se for preciso eu tiro a jaleca e vou para a recepção ou para a sala”, afirma o chef.
Os irmãos Geadas não chegaram a este ramo vindos do nada. Os pais são donos do restaurante “O Geadas” e Óscar garante que foi deles que ele e o irmão receberam a essência do bem saber e do bem cozinhar. Tratam as panelas, os vinhos ou os cafés por tu porque cresceram no meio deles: “Um bocado por força das circunstâncias, fomos trabalhando e apanhando o gosto pela hotelaria, desde novos”, diz o chef.
Ainda que Óscar esteja mais focado na cozinha e António na gestão do espaço, ambos estão envolvidos em tudo o que diz respeito ao G.
Actualmente trabalham muitas horas por dia e dividem esse tempo entre a recepção de mercadoria, liderança da equipa, seleção de produtos, entre outras coisas.
Uma das maiores dificuldades que enfrentam está relacionada com a matéria-prima. A maioria dos produtos que usam são locais e sazonais, mas é quando se trata de peixe que a dificuldade aumenta. Obtê-lo não é difícil, mas o preço que têm de pagar por ele é muito superior por estarem no interior. “O preço da interioridade tem outro valor por causa do transporte que tenho de ser eu a pagar” afirma Óscar que paga actualmente 40 euros pelo quilo de robalo do mar e 60 euros pelo de cavaco dos Açores. “Se tivesse em Lisboa seriam menos 20% ou 25%”, diz.
Começaram o projecto com 15 pessoas e hoje já são 30. Emocionado, Óscar garante que são as pessoas e o companheirismo que se sente entre chefs que mais o marcaram na jornada que o levou a receber uma estrela Michelin.
Para António, nada parou e os momentos memoráveis estão relacionados com o facto de conseguirem continuar a ir mais além no mundo da alta gastronomia e, acima de tudo, continuarem a conseguir afirmar a portugalidade.
O interior, e em particular Bragança, ganham também um estímulo para a economia. Qualquer pessoa que visite o G e fique mais do que um dia poderá dormir na pousada ou num outro hotel da região, fazer uma refeição no restaurante e optar por fazer as outras nos restantes restaurantes da cidade e esse turismo gastronómico só dá a ganhar a Bragança.
Vence o G, a cozinha portuguesa, o interior e a descentralização.