O Papa Francisco, eleito em março de 2013, está há uma década a levar as periferias para o Colégio Cardinalício, que vai passar a integrar, a partir de sábado, o novo bispo de Setúbal, Américo Aguiar.
Os quatro cardeais portugueses que poderão eleger o Papa num futuro conclave, e também podem ser eleitos, têm-se destacado em várias áreas, como a história, a teologia ou a cultura.
O consistório para a criação de novos cardeais, incluindo o futuro bispo de Setúbal, Américo Aguiar, no sábado, é o nono do pontificado de Francisco, que já nomeou outros três portugueses como cardeais.
“São todos muito diferentes entre si”, começa por dizer à agência Lusa o padre Paulo Terroso, diretor de Comunicação da Arquidiocese de Braga e membro da Comissão de Comunicação do Sínodo, a propósito do consistório de sábado, no qual vai ser criado cardeal Américo Aguiar, futuro bispo da Diocese de Setúbal.
Américo Aguiar juntar-se-á a Manuel Clemente (patriarca emérito de Lisboa), António Marto (bispo emérito da Diocese de Leiria-Fátima) e Tolentino Mendonça (prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação) como cardeais eleitores.
Segundo Paulo Terroso, Manuel Clemente “é um homem que interpreta a Igreja e a sociedade portuguesa numa perspetiva histórica”.
“É uma personalidade reconhecida pela Igreja em Portugal e pela sociedade portuguesa pelas suas intervenções assertivas, capacidade de diálogo e tolerância”, afirmou o sacerdote, realçando que o agora patriarca emérito é, também, “um homem de oração”.
Já em António Marto, Paulo Terroso reconheceu “um teólogo ao bom estilo dos padres da Igreja”, capaz de “tornar acessível a todos os conteúdos mais complexos da fé”, além de um “homem humana e espiritualmente muito sensível”.
De Tolentino Mendonça destacou as suas facetas de escritor, poeta e ensaísta, para o descrever como “um homem com um sentido raro para ler ‘os sinais dos tempos’”.
“Talvez, por isso mesmo, consegue, como poucos em Igreja, compreender o mundo contemporâneo e dialogar com ele, iluminando-o com a luz do Evangelho”, adiantou.
Sobre Américo Aguiar, presidente da Fundação Jornada Mundial da Juventude (JMJ) Lisboa 2023, Paulo Terroso apontou-lhe a qualidade de “hábil pragmático”.
“Um ‘fazedor’, com tudo o que isso implica. De verbo fácil e com uma grande capacidade comunicativa”, sustentou o padre Paulo Terroso.
A professora catedrática Teresa Toldy acrescentou que será interessante ver qual a dinâmica que Américo Aguiar “consegue imprimir à Diocese de Setúbal”, que teve uma “figura extraordinariamente marcante”, o bispo Manuel Martins (1927-2017).
“Espero, sinceramente, que o bispo que vai para Setúbal mantenha essa atitude (…), sobretudo a preocupação da justiça e da proximidade com os mais pobres”, declarou Teresa Toldy.
Assinalando a dinâmica que Américo Aguiar imprimiu à JMJ, a docente da Universidade Fernando Pessoa notou que o futuro conselheiro do Papa “parece ser uma pessoa com muita iniciativa e isso para a Diocese de Setúbal é importante”.
Quanto a Tolentino Mendonça, Teresa Toldy observou a “capacidade que tem de interlocução com o mundo, com o mundo intelectual em Portugal que lhe reconhece autoridade derivada não do facto de ser cardeal, mas da qualidade que ele tem nas obras que produz”.
A professora catedrática, que foi aluna de Manuel Clemente, disse, por seu turno, que o patriarca emérito é uma “pessoa extremamente culta” que “veio da área da História”, recordando a sua “vocação tardia” (entrou no seminário aos 24 anos).
Sublinhando que António Marto é “também um incondicional do Papa Francisco e isso é muito importante”, Teresa Toldy alegou, sobre estes dois prelados eméritos, que “a sabedoria das pessoas que são mais idosas é muito importante na Igreja, mas também é importante que essas vozes compreendam, oiçam com muita atenção as vozes daqueles que são mais jovens”.
O padre jesuíta Nuno da Silva Gonçalves, professor na Pontifícia Universidade Gregoriana, considerou, igualmente, que os cardeais “são pessoas muito diferentes e cada uma está presente, a seu modo, na Igreja portuguesa”, sendo que em Manuel Clemente e António Marto se encontra “o testemunho da experiência pastoral e da profundidade intelectual”.
No caso de Manuel Clemente, “olha para a realidade portuguesa com a sabedoria de um historiador, habituado a olhar para o país na atenção às suas raízes mais profundas”, notou, referindo que, “a essa sabedoria humanística, junta uma grande experiência pastoral como bispo diocesano no Porto e em Lisboa”.
“Penso que a Igreja portuguesa ainda poderá aprender muito da sua sabedoria, da sua proximidade às pessoas e do seu equilíbrio”, declarou Nuno da Silva Gonçalves.
Em António Marto, o sacerdote vê a “profundidade intelectual do teólogo, atento aos sinais dos tempos”, cuja “profundidade académica foi enriquecida pelo trabalho pastoral” nas dioceses de Braga, Viseu e Leiria-Fátima.
“Agora, como emérito, penso que o seu testemunho de abertura e o modo como nos ajuda a olhar para o futuro com confiança e coragem ainda poderão ser muito úteis à Igreja portuguesa”, defendeu.
Quanto aos cardeais Tolentino Mendonça e Américo Aguiar, dos mais jovens do Colégio Cardinalício, o jesuíta assinalou que o primeiro, “académico, poeta e ensaísta reconhecido e premiado”, tem “uma enorme capacidade de estabelecer pontes com realidades afastadas da Igreja, em particular no campo cultural e artístico”.
“Tem, por isso, o mérito de levar o Evangelho a todos, mesmo onde as portas parecem mais fechadas. Essas suas grandes capacidades de diálogo, de delicadeza e de proximidade estão, agora, ao serviço da Igreja universal, como prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação”, sublinhou Nuno da Silva Gonçalves.
Sobre Américo Aguiar, “demonstrou grandes capacidades de organização e de comunicação nas muitas missões que recebeu, quer no Porto, quer em Lisboa”, capacidades que, nos últimos anos, estiveram “bem patentes” na organização da JMJ, a que o Papa presidiu, “e a Igreja muito lhe fica a dever pelas qualidades que demonstrou”.
“Ao criá-lo cardeal, o Papa Francisco reconhece e premeia essas qualidades”, disse o sacerdote, defendendo que a nomeação como bispo de Setúbal “confirma que admira as suas qualidades de ação e de decisão e que o vê como um pastor dedicado e corajoso”.
Nono consistório do Papa em 10 anos de pontificado
O primeiro consistório presidido por Francisco, eleito em março de 2013, ocorreu em fevereiro de 2014, seguindo-se outro, um ano depois, no qual foi elevado a cardeal o então patriarca de Lisboa, Manuel Clemente.
Natural de Torres Vedras, Manuel Clemente, 75 anos, é doutorado em Teologia Histórica, foi bispo do Porto e depois patriarca de Lisboa (agora emérito). Em 2009, conquistou o Prémio Pessoa.
Novos consistórios realizaram-se em 2016, 2017 e 2018.
Foi em junho de 2018 que António Marto, à data bispo da Diocese de Leiria-Fátima, se tornou conselheiro do Papa.
Membro do Dicastério para a Causa dos Santos, António Marto, natural de Chaves, tem 76 anos. Foi aluno do Papa Bento XVI (1927-2022), que acolheu em 2010 no Santuário de Fátima, onde também recebeu Francisco, em 2017.
Fez o doutoramento em Teologia em Roma, foi bispo auxiliar de Braga e passou por Viseu antes de entrar na Diocese de Leiria-Fátima, em junho de 2006, onde agora é bispo emérito.
Em outubro de 2019, foi realizado outro consistório público para a criação de novos cardeais, tendo sido nomeado Tolentino Mendonça, à data arquivista e bibliotecário do Vaticano e agora prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação.
Tolentino Mendonça, natural da Madeira, tem 57 anos. É doutorado em Teologia Bíblica, antigo vice-reitor da Universidade Católica Portuguesa e um nome considerado essencial da poesia portuguesa contemporânea.
Francisco presidiu a mais dois consistórios (novembro de 2020 e agosto de 2022) antes do do próximo sábado, no qual vão ser criados 21 cardeais, 18 dos quais eleitores de um futuro Papa.
Quando anunciou este consistório, em 09 de julho, o Papa, citado pela Vatican News, salientou que a proveniência dos novos cardeais “exprime a universalidade da Igreja, que continua a anunciar o amor misericordioso de Deus a todos os homens da terra”.
África do Sul, Argentina, Colômbia, Estados Unidos da América, França, Hong Kong, Malásia, Tanzânia ou Sudão do Sul são algumas das origens dos futuros cardeais.
Américo Aguiar, presidente da Fundação Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023 e coordenador geral da organização da visita, em agosto último, do Papa Francisco a Portugal, é natural de Leça do Balio, Matosinhos.
Com 49 anos, o novo bispo da Diocese de Setúbal é licenciado em Teologia e mestre em Ciências da Comunicação.
Ordenado sacerdote em 2001 e integrado na Diocese do Porto, nesta desempenhou vários cargos, como pároco ou vigário-geral. Foi também diretor do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais da Conferência Episcopal Portuguesa e presidente da Irmandade dos Clérigos, antes de ingressar na Diocese de Lisboa, onde foi, até agira, bispo auxiliar.
Com a criação de Américo Aguiar como cardeal, Portugal passa a ter quatro cardeais eleitores, incluindo Manuel Clemente, António Marto e Tolentino Mendonça.
Os cardeais Saraiva Martins e Monteiro de Castro, por terem ultrapassado os 80 anos, também integram o Colégio Cardinalício, mas não participam num futuro conclave.
Saraiva Martins, de 91 anos, é natural da Guarda. Em 1988, foi nomeado secretário da Congregação para a Educação Católica e, 10 anos depois, prefeito da Congregação para as Causas dos Santos. Foi criado cardeal por João Paulo II (1920-2005).
Monteiro de Castro, de 85 anos, é natural de Guimarães. Foi penitenciário-mor da Santa Sé e somou uma vasta experiência diplomática ao serviço do Vaticano. Foi elevado a cardeal por Bento XVI.
A celebração de sábado, presidida pelo Papa Francisco, começa às 10:00 (menos uma hora em Lisboa), na praça de São Pedro, no Vaticano, seguindo-se as sessões de cumprimentos dos novos cardeais.
À tarde, às 16:30, na Igreja de Santo António dos Portugueses, em Roma, Américo Aguiar celebra missa.
Já no dia 04 de outubro, às 09:00, festa litúrgica de São Francisco de Assis (o Papa escolheu o nome de Francisco para o pontificado inspirado neste santo), o líder da Igreja Católica preside, na Praça São Pedro, à missa com o Colégio Cardinalício, na abertura da Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos.
Papa está há 10 anos a levar as periferias para o Colégio Cardinalício
No início de março de 2013, antes de Francisco assumir a liderança da Igreja Católica, a maioria (60) dos então 115 cardeais eleitores, aqueles que podem eleger o Papa por terem menos de 80 anos, tinha proveniência europeia. Numa projeção a 30 de setembro, feita pela agência Ecclesia, dos 137 cardeais eleitores, 53 serão europeus.
No consistório, a Américo Aguiar, presidente da Fundação Jornada Mundial da Juventude (JMJ) Lisboa 2023 e futuro titular da Diocese de Setúbal, juntar-se-ão outros prelados, incluindo da Malásia e Sudão do Sul, países sem representação no Colégio Cardinalício, onde também vai passar a estar Hong Kong.
A professora catedrática da Universidade Fernando Pessoa, Teresa Toldy, considerou que a estratégia do Papa “é ir para as periferias, portanto, desequilibrar, no sentido positivo do termo, forças que fossem mais conservadoras e que ainda estivessem no Colégio Cardinalício”, cuja missão é aconselhar o Papa.
“Isso é um aspeto que é muito relevante nesta decisão”, afirmou à agência Lusa a professora de Ética doutorada em Teologia.
Jorge Bergoglio, que era arcebispo de Buenos Aires (Argentina) quando foi escolhido líder da Igreja Católica, é o primeiro Papa americano e, também, o primeiro Papa jesuíta.
Assim que foi eleito, sucedendo a Bento XVI (1927-2022), nas primeiras palavras que dirigiu à multidão que se encontrava na Praça de São Pedro, na Cidade do Vaticano, Francisco referiu que os cardeais foram buscar um Papa “ao fim do mundo”.
No mesmo mês, numa missa, exortou o clero a ir para “as periferias, onde se encontra o sofrimento”.
Além de Américo Aguiar, até agora bispo auxiliar de Lisboa, outros três cardeais eleitores portugueses (e que podem ser eleitos por terem menos de 80 anos) estão no Colégio Cardinalício: Manuel Clemente (patriarca emérito de Lisboa), António Marto (bispo emérito da Diocese de Leiria-Fátima) e Tolentino Mendonça (prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação).
Dois outros portugueses, Saraiva Martins e Monteiro de Castro, integram o Colégio, mas por terem ultrapassado os 80 anos não participam num futuro conclave.
Para Teresa Toldy, “o facto de haver mais cardeais portugueses terá a ver com a maior proximidade daquilo que é o espírito e que são as ideias centrais do Papa Francisco e a preocupação que ele tem tido em renovar o Colégio Cardinalício com direito a voto, isto é, em termos também de faixa etária”.
O assistente geral dos Missionários do Espírito Santo, padre Tony Neves, salientou que com os novos cardeais (21 no total, incluindo três não eleitores), “o Papa continua a ir às periferias”.
“E, sobretudo, continua a ler sinais do futuro para a Igreja”, disse, assinalando que, ao tornar Tolentino Mendonça seu conselheiro, “a ideia do Papa foi buscar alguém do mundo da cultura” e com “capacidade de entrar num mundo que, habitualmente, a Igreja não entra muito”.
Segundo Tony Neves, “foi esse o filão que o Papa quis explorar” com Tolentino Mendonça, sendo que, com a escolha de Américo Aguiar, Francisco “vai buscar um outro filão, que é também fundamental e para o qual a Igreja, sobretudo no Ocidente, está a afastar-se”, a juventude.
O espiritano lembrou que Américo Aguiar foi “capaz de pegar naquilo que, à partida, se achava que ia ser um pequenino evento com muito poucos jovens”, porque “Portugal é pequenino e a juventude em Portugal, segundo todos os indicadores, estava muito afastada da Igreja, ainda por cima com a questão dos abusos [sexuais] ficou pior”, e torná-lo num evento com 1,5 milhões de pessoas, referindo-se à JMJ.
“O Papa (…) percebeu que tinha ali alguém que o poderia auxiliar muito nesta necessidade e urgência que a Igreja tem de descer ao planeta jovem”, defendeu.
Papa está há 10 anos a levar as periferias para o Colégio Cardinalício
Frisando que as periferias não são apenas geográficas, Tony Neves destacou que Francisco “tem sido muito bom nesta capacidade” de “fazer das periferias o centro”, porque “é nessas periferias que se joga o futuro da Igreja”.
O padre jesuíta Nuno da Silva Gonçalves, professor na Faculdade de História e Bens Culturais da Igreja da Pontifícia Universidade Gregoriana, disse que haver quatro cardeais eleitores portugueses deve atribuir-se, “sobretudo, ao mérito pessoal e à confiança neles depositada pelo Papa”.
“É de reconhecer, claramente, que o número de quatro cardeais eleitores vai muito além do peso que se pode atribuir à Igreja portuguesa no conjunto da Igreja Católica. Por isso mesmo, temos de procurar outros critérios que não os da simples representação proporcional, baseada no número de católicos de um determinado país”, argumentou.
Realçando que não se pode esquecer que “a escolha dos cardeais é uma prerrogativa pessoal do Papa”, pelo que a confiança é, no seu entender, “o critério decisivo”, o sacerdote, que a partir de domingo passa a ser diretor da revista La Civiltà Cattolica, publicação dos Jesuítas e uma das mais antigas do mundo, sublinhou que Francisco tem “privilegiado este critério da confiança, manifestando uma grande liberdade nas suas escolhas”.
“Basta vermos que tem escolhido como cardeais bispos de dioceses consideradas ‘secundárias’, em detrimento de grandes dioceses cujos bispos tradicionalmente eram criados cardeais”, declarou.
Na opinião do padre Paulo Terroso, diretor de Comunicação da Arquidiocese de Braga e membro da Comissão de Comunicação do Sínodo, este é “um momento excecional na História da Igreja em Portugal, dada a dimensão de país e o facto de Portugal já não ser sinónimo de Império”.
“Basta comparar Portugal com a nossa vizinha Espanha que, embora tenha seis cardeais, tem quase cinco vezes mais população do que Portugal. Ou então com a França, que tem neste momento tantos cardeais como Portugal, quatro”, exemplificou.
Para Paulo Terroso, as escolhas de Francisco têm “mais a ver com a relação e o conhecimento que o Papa tem com os escolhidos e do que eles podem contribuir como [seus] conselheiros” do que com a geografia, “ainda que esta não seja desconsiderada ou irrelevante”.
O sacerdote referiu que, “quanto mais cardeais eleitores um país tiver, maior será sua influência no próximo conclave para eleger um Papa (…), mas depende muito do entendimento dos cardeais entre si”, admitindo que, “basicamente, significa que Portugal, melhor, a Igreja em Portugal, pode desempenhar um papel significativo na direção futura da Igreja Católica”.
“Para a Igreja em Portugal, o mais relevante, na minha perspetiva, para além do prestígio que o cardinalato significa, não é ter mais ou menos cardeais que altera a realidade interna. É muito mais importante, porque determinante, o perfil do bispo e a relevância eclesial e social da diocese que lhe foi confiada”, acrescentou.
com Lusa