Licenciado em Organização e Gestão de Empresas pelo ISCTE-IUL, Pedro Rocha e Silva exerce atualmente o cargo de CEO da Neves de Almeida HR Consulting, uma consultora de gestão especializada em Recursos Humanos, dedicada ao desenvolvimento de pessoas e focada em ajudar as organizações a atingir os seus objetivos de negócio.
Com uma visão informada e atualizada dos desafios e tendências do mercado de recrutamento, Pedro Rocha e Silva explica à Forbes o que é que o mercado mais está a pedir, as competências mais procuradas e os setores mais ativos. O CEO da Neves de Almeida HR Consulting “abriu” ainda as portas da sua empresa para explicar um pouco o modo como uma empresa vocacionada para a gestão de talento trabalha. E aborda a questão crítica da retenção e da fuga de talentos.
Que setores estão, neste momento, mais ativos em termos de recrutamento?
Pedro Rocha e Silva: No momento atual, os setores mais ativos são os tecnológicos, logística e operações, energia/renováveis, saúde e serviços profissionais.
Que tipo de profissionais estão a ter maior saída junto das empresas e que as organizações mais procuram?
De forma notória, tudo o que são profissionais com valências ao nível da transformação digital, cyber-segurança e compliance. Profissionais das áreas de atração/desenvolvimento de pessoas estão igualmente a revelar uma forte procura por parte do mercado.
E em termos de skills, o que é que o mercado mais valoriza?
Ao contrário do que possa parecer, são cada vez mais as competências comportamentais que fazem a diferença e que as empresas procuram, para além das competências técnicas. Aspetos como a comunicação, a capacidade de transmitir energia positiva e de desenvolver relações positivas, a iniciativa e proatividade, a resiliência e a liderança remota são cada vez mais críticos nos processos de seleção.
“São cada vez mais as competências comportamentais que fazem a diferença e que as empresas procuram”
Quando alguém é contratado para uma empresa, através do vosso apoio, a prestação do vosso serviço termina aí? Ou continuam a acompanhar a evolução desse profissional?
O nosso apoio não termina no momento da contratação, asseguramos um acompanhamento do profissional nos primeiros meses na nova empresa, por forma a potenciar o sucesso do processo de onboarding. Ao longo dos anos, vamos igualmente mantendo um acompanhamento regular de todos os profissionais que colocamos. Gerimos os nossos candidatos como um dos principais stakeholders determinantes para o nosso sucesso.
“Ao longo dos anos, vamos igualmente mantendo um acompanhamento regular de todos os profissionais que colocamos”
Como é que acompanham e promovem o crescimento profissional desses profissionais?
Fundamentalmente através de aconselhamento de carreira, nomeadamente nos momentos em que surgem oportunidades de mudança, ponderando em conjunto vantagens e desvantagens e os impactos em termos de empregabilidade futura de cada decisão e facilitando uma análise de impacto ao nível dos drivers motivacionais de cada um.
As empresas são os vossos principais clientes. Ou seja, são mais as empresas que vos procuram nos processos de contratação do que os profissionais que, através do vosso expertise, ensejam um determinado posto de trabalho. Mas o número de profissionais que procuram os vossos serviços têm vindo a aumentar ou ainda é um segmento com pouca expressão e sem crescimento?
Os nossos clientes são as empresas que têm necessidades de recrutamento. Temos todo o gosto (e interesse) em conhecer e receber profissionais que procuram um novo desafio de carreira, mas não existe aí qualquer relação profissional remunerada, serve única e simplesmente para reforçar o conhecimento do talento existente no mercado e dessa forma aumentarmos a nossa capacidade de resposta aos desafios que os nossos clientes (empresas) nos colocam.
Quais são as estratégias que a Neves de Almeida HR Consulting utiliza para procurar identificar candidatos com potencial de crescimento e desenvolvimento de carreira?
No âmbito de cada processo de recrutamento, utilizamos variadas fontes, que vão desde a pesquisa direta e levantamento de estruturas, até à consulta de bases de dados e recorrendo a um processo de referenciação junto de stakeholders chave em cada setor ou cada área funcional. Ao longo do ano, vamos igualmente recebendo e analisando profissionais que mostram interessem em dar-se a conhecer e que podem ser determinantes para solucionar uma necessidade de um cliente uns tempos mais tarde.
Em matéria de atualizações salariais, qual é o retrato que se pode fazer do país? Que setores demonstram maior proatividade nesse campo e quais revelam uma maior incapacidade de gerar essa satisfação dos seus quadros?
Diria que o retrato é de um país que viveu muitos anos confortável num cenário de baixos salários e atualizações pouco impactantes e pontuais e que de repente acordou para a necessidade urgente de assegurar uma maior competitividade salarial, mas que não é possível resolver num curto espaço de tempo. A preocupação é transversal a praticamente todos os setores, nomeadamente nas franjas mais jovens, em que impera a escassez de talento, a globalização de mercados e uma maior propensão para a mobilidade, o que traz enormes desafios às organizações.
“Assegurar uma maior competitividade salarial não é possível resolver num curto espaço de tempo”
O que é que os colaboradores exigem e dão mais valor, atualmente?
Flexibilidade é a palavra de ordem e aquilo que mais mudou nos últimos anos, nomeadamente em termos de horário e de local de prestação do trabalho, com os impactos óbvios ao nível do equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. Mas naturalmente continuam a exigir outros aspetos determinantes como oportunidades de desenvolvimento, de crescimento na carreira, boas condições salariais, um bom ambiente de trabalho, uma boa relação com a chefia e colegas.
Há diferenças a apontar em relação ao que os funcionários valorizam face a um passado recente, inclusive pré-pandémico?
A flexibilidade, claramente.
Quais são as tendências atuais em termos de programas de formação e desenvolvimento de funcionários?
O contexto pandémico veio claramente acelerar uma tendência que já se vinha desenhando de forte aposta em ferramentas digitais, que permitem o acesso ao conhecimento de forma mais rápida e abrangente, sem restrições de espaço ou tempo, facilitando a assimilação desse conhecimento ao ritmo e disponibilidades de cada um.
“Aposta em ferramentas digitais permite o acesso ao conhecimento de forma mais rápida”
Como é que o mercado está a lidar com os desafios relacionados à diversidade e inclusão?
É claramente um tema na agenda de uma boa parte das organizações, nomeadamente nas de maior dimensão, onde podemos encontrar já programas interessantes de recrutamento inclusivo. Atendendo ao que é o nosso mercado, naturalmente representam uma minoria e estão ainda numa fase relativamente embrionária de concretizações, embora, como referi, seja um tema que está na agenda.
“Programas de recrutamento inclusivo ainda representam uma minoria”
Que tipo de medidas podem ser implementadas para garantir um ambiente de trabalho inclusivo e equitativo?
A promoção da diversidade na construção das equipas é claramente um fator que contribuiria em muito para esse ambiente de inclusão. E estou a referir-me a diversidade num conceito abrangente que envolve dimensões como o género, a idade, as deficiências, a formação académica, a nacionalidade, até ao próprio perfil comportamental. Acreditar que a diversidade traz efetivamente mais valias a uma equipa e ter isso sempre presente nas decisões de composição das equipas é determinante.
“Acreditar que a diversidade traz mais valias a uma equipa e ter isso sempre presente nas decisões de composição das equipas é determinante”
A que tipo de estratégias podem as empresas socorrer-se para reterem talentos e evitar a rotatividade de funcionários? Que conselhos daria?
No contexto atual, é ilusório ter a expectativa de níveis de retenção como os que existiam no passado, uma vez que o mercado mudou (tornou-se muito mais global, a todos os níveis) e a própria forma como os profissionais encaram uma carreira mudou também. O conceito de “empresa para a vida” está em vias de extinção, e cada vez mais os profissionais procuram (nomeadamente nos primeiros anos) um somatório de experiências que os façam crescer e os realizem. Posto isto, há naturalmente estratégias que podem e devem ser desenvolvidas quanto mais não seja para minimizar o impacto dessa rotatividade.
“O conceito de ‘empresa para a vida’ está em vias de extinção, mas há estratégias que podem ser desenvolvidas para minimizar o impacto desta rotatividade”
Tudo o que sejam programas que potenciem de forma integrada e estruturada o desenvolvimento dos colaboradores, que promovam o crescimento na carreira e diferentes desafios, que assegurem bons níveis de competitividade salarial, que garantam um contexto de trabalho que permite um saudável equilíbrio entre a vida pessoal e profissional e que promovam um forte envolvimento do colaborador com a sua equipa e com a empresa, são naturalmente ações que contribuirão para que a decisão de saída seja mais ponderada. Para que isto funcione de forma adequada, é absolutamente crítico assegurar um acompanhamento próximo dos colaboradores, aferindo regularmente os seus níveis de motivação e compromisso e avaliando os seus interesses e expectativas.
A cultura organizacional de uma empresa que pretende contratar é decisiva no processo de recrutamento? Como é que influencia na atração e retenção de talentos?
É determinante. E muitas vezes é um aspeto descurado pelos profissionais no momento da decisão. São os chamados erros de casting. Sejam cometidos pela empresa, que não fez uma correta avaliação do perfil do candidato, seja por parte dos próprios candidatos que muitas vezes tomam a decisão com base apenas em critérios como o salário ou o cargo, negligenciando outros aspetos e a cultura organizacional é um deles. Tem tudo a ver com os drivers motivacionais de cada um. Se eu for um profissional que valoriza muito a autonomia e o fazer acontecer e aceitar o convite de uma grande organização com uma cultura muito hierárquica, seguramente irei sofrer e dificilmente terei sucesso. Se for um profissional que valoriza muito o acesso a conhecimento, inovação, formação regular, práticas avançadas e estruturadas, provavelmente serei infeliz ao aceitar um bom cargo e um bom salário numa empresa cuja cultura não esteja assente nestes pilares.
“A cultura organizacional é, muitas vezes, um aspeto descurado pelos profissionais no momento da decisão. São os chamados erros de casting”
Que setores revelam maior dificuldade em encontrar talento?
Existem naturalmente setores cujos níveis de atração já foram mais altos (banca, telecomunicações), mas não consigo afirmar que têm mais dificuldade em encontrar talento do que os outros. Mais do que ser um tema de setores, diria que atualmente as dificuldades se prendem mais com determinadas funções, em que a procura é claramente maior que a oferta.
Isso deve-se a que razões?
Estamos a falar de funções relacionadas com a tecnologia/transformação/cyber-segurança, funções relacionadas com compliance e tudo o que se prende com atração/desenvolvimento/retenção de pessoas. Essa dificuldade prende-se exatamente com a lei da procura e da oferta. São áreas tremendamente críticas atualmente nas empresas e o mercado de talento, nomeadamente de perfis “já com provas dadas”, é ainda curto.
A Inteligência Artificial está a ser usada já nos RH? De que forma?
Diria que estamos ainda na fase da curiosidade, mas acredito que será algo que muito rapidamente passará a ter relevância prática, em todas as áreas de gestão de pessoas, desde o recrutamento até à identificação de riscos de saída de colaboradores.
Para remate de conversa, que tendências se estão a destacar no domínio dos recursos humanos?
Para além da inteligência artificial, quatro grandes tendências: 1. Flexibilidade: no onde, no quando; 2. Figura do gestor de colaborador: à semelhança da figura do gestor de conta/cliente que vemos há muito nas áreas comerciais, cada vez mais iremos ter profissionais cuja função é similar, ou seja, assegurar o acompanhamento, prestar todo o apoio necessário, estar disponível, promover a retenção; 3. Adequação das estruturas: Cada vez mais percebemos que o foco da gestão de pessoas está no triângulo Atração/Desenvolvimento/Retenção, mas continuamos a assistir a modelos de governance e estruturas das áreas de RH maioritariamente orientadas ao processo, com cada vez mais honrosas exceções; 4. Felicidade: incontornável.