Na altura em que estas criadoras de conteúdo começaram a publicar nas plataformas digitais, nenhuma conseguia sequer imaginar que estava a iniciar aquilo que seria o negócio das suas vidas. De repente, o que partilhavam sobre as suas experiências, gostos e dia-a-dia tornou-se uma profissão e o lifestyle chegou com força ao Youtube, Instagram e outros websites.
“No digital diria que nessa altura éramos cerca de cinco, seis pessoas na comunidade em Portugal, pelo menos na altura do meu conhecimento. Éramos talvez no máximo 10 pessoas”, conta Inês Rochinha, que começou o canal em 2011, à FORBES.
O estilo de vida é algo muito pessoal, mas, no final do dia, há sempre grupos que se identificam com a forma como cada um vive, seja porque faz parte da sua realidade ou porque desejam que assim fosse. Quando isso acontece nasce uma comunidade e foi exatamente isso que Inês, Adriana da Silva, Catarina Filipe e Yolanda Tati conseguiram fazer nas redes sociais.
“É aquele teu amigo que tem uma vida totalmente diferente da tua ou que achas interessante e a quem vais perguntar coisas. Aquele teu amigo que sobe os Himalaias e tu vais perguntar como é que é subir os Himalaias. Acho que o lifestyle é isto, é partilhar experiências, visões diferentes. Eu adoro seguir a malta do lifestyle mesmo por causa disso, adoro ver vidas diferentes”, diz Catarina à FORBES.
Não é tarefa fácil visto que é inevitável encontrar o momento em que o profissional se cruza com o pessoal. Aliás, inicialmente tratava-se mesmo de uma partilha pessoal, mas quando se chega a mais de 769 mil pessoas, o conjunto de seguidores das quatro influenciadoras no Youtube, é necessário traçar uma linha de separação. Ainda que umas o façam mais do que outras.
“É difícil, mas é necessário, é vital. Até mesmo porque essa linha no final se vai cruzar com permissões e com valores, vai-se cruzar com o espaço que nós definimos como o espaço privado e o espaço onde as pessoas podem entrar. E se elas entrarem elas podem opinar, se elas opinarem isso pode pôr em causa a nossa saúde mental caso não tenhamos as coisas bem pré-estabelecidas, ou pode pelo menos distrair-nos daquele que é o nosso real objetivo.”, afirma Yolanda à FORBES.
No fundo, tiveram que aprender pelo caminho. Estas e outros influenciadores viram nascer uma profissão e tiveram que ser os primeiros a definir muitas coisas associadas a ela, porque não tinham livros ou professores que lhes ensinassem o caminho. Hoje, é uma das profissões mais desejadas e já ninguém estranha quando se pergunta a uma criança “o que é que queres ser quando fores grande?” e esta responde “youtuber”.
“Há uma criadora de conteúdo estrangeira que eu sigo que diz uma frase e eu concordo: “A internet é a rua mais movimentada do mundo”. Como é que nós nos vamos fazer destacar nesta rua?”, questiona Adriana à FORBES.
Curiosamente, uma dessas formas de destaque foram buscá-la ao tradicional. Depois de anos dedicados ao digital, as influenciadoras escolhem optar também por se associar a outros negócios. Criam marcas próprias, lançam projetos artísticos ou vão trabalhar por conta de outrem, mas não esquecem de onde vieram e o que é que lhes permitiu fazer tudo isso.
O que é que acontece depois da influência? A influência continua, mas as possibilidades tornam-se infinitas e estas profissionais não fecharam os olhos a isso.
As joias de Inês Rochinha
Começou no digital há 11 anos, numa altura em que nem alguns dos maiores nomes do Youtube a nível mundial estavam na plataforma. Quando tomou a decisão de criar uma marca própria, Inês escolheu a área da joalharia. “Foi juntar uma paixão, angariar neste caso um investidor que quisesse fazer parte deste projeto e criar esta marca”, diz.
Na ‘By Inês Rochinha’, seja nas vendas online ou em lojas físicas, os valores variam entre os 12,90 euros, no caso dos piercings, e os 99 euros, um relógio. Estão disponíveis colares, pulseiras, brincos, anéis, entre outros. “Nós normalmente fazemos coleções limitadas, é esse o core da nossa marca. Acabamos por comunicar cerca de sete coleções por ano”, conta.
Importante é também a associação da marca a momentos, sendo que foi essa a estratégia que Inês optou por utilizar.
“Criar aqui uma relação e uma história. Podemos todos vender o mesmo sapato vermelho, mas a forma como comunicamos esse sapato vermelho depende muito. No final do dia, acho que o marketing passa muito por isso, é contarmos uma história, fazermos uma associação e mostrar essa necessidade ao cliente. O que é que este produto me vai trazer? É felicidade? Associação a um momento especial da minha vida?”, diz.
O projeto de Inês explica de uma forma clara esta junção entre o trabalho no digital e uma área mais tradicional. São obviamente possíveis um sem o outro, mas em conjunto tornam-se a dupla perfeita. A visibilidade no digital ajuda nas vendas da marca, uma vez que já há um público fidelizado, mas a marca também contribui para a credibilidade no digital. Trata-se de “demonstrar que os números não são apenas números e que efetivamente existe uma conversão”.
“Ter uma marca, conseguir fazer a gestão desse projeto e também conseguir ter números palpáveis que me permitam chegar a um cliente e dizer ‘eu consigo fazer isto’, é muito importante para depois conseguir desenvolver outro tipo de parcerias e associações. A marca também me gerou outras oportunidades porque consigo ter acesso a toda essa informação analítica que me permite mostrar os meus resultados e o poder da minha influência”, conta Inês.
A nível da dimensão do lucro as coisas variam, mas olhando para o ano passado a resposta é clara: “Em 2022 foi a questão da criação de conteúdos porque a marca acaba por exigir também um esforço financeiro maior, temos que investir dinheiro para depois termos retorno”. A influenciadora revelou que a marca fechou 2022 com cerca de 500 mil euros em vendas online e retalho.
O que não pode ter um valor exato é a “consistência e resiliência”, que Inês considera chave nestes negócios. A verdade é que uma conversa chega para se perceber que a Inês Rochinha nenhuma das duas faltam.
“Não pretendo, de todo, parar por aqui. Seria um bocadinho redutor para mim continuar constantemente no digital e achar que não consigo fazer também outras coisas. Acaba por ser uma progressão natural entre a captação de audiência no digital e poder converter isso em outro tipo de negócio”, diz.
A roupa de Adriana da Silva
“Sempre tive um espírito muito empreendedor”, considera Adriana da Silva. O primeiro projeto em que apostou foi a venda de biquínis, um negócio que criou em conjunto com a mãe. Mais tarde, em 2020, criou uma coleção cápsula em parceria com a marca da escola Maria Modista, onde fez um curso, e a partir daí não conseguiu ignorar o que estava mesmo na sua frente: o feedback positivo das pessoas.
“Na altura peguei um bocadinho nesse feedback e o meu bichinho para criar a minha marca de roupa já existia desde a altura em que fazia os biquínis, mas começou a ficar cada vez mais presente a partir do momento em que eu crio esta coleção cápsula e vejo a adesão por parte do meu público e das pessoas que me seguiam”, diz.
Em 2021 começou a trabalhar na sua própria marca de roupa, que criou em conjunto com os seus agentes do lado do digital: nasceu a FAMM. A junção das ambições a nível profissional da influenciadora e o facto de ter já uma plataforma que lhe dá visibilidade tornaram possível este projeto.
“Eu quis criar uma marca que fosse sustentável, que fosse feita em Portugal, que fosse acima de tudo inclusiva, e ao mesmo tempo não quis fazer uma marca em que o preço fosse com valores astronómicos, que muitas vezes é uma realidade para quem quer produzir em Portugal, com quantidades pequenas e tudo mais. Senti grandes desafios em conseguir que tudo ficasse dentro dos meus ideais”, admite Adriana.
Ainda assim, não baixou os braços. A FAMM conta com uma equipa de quatro pessoas, mas o cunho pessoal de Adriana está um pouco por todo o lado. “Tudo tem a minha mão, seja na comunicação, na identidade visual da marca, no tecido que é escolhido, nas cores, modelos”, diz. As coleções são todas limitadas, pensando no lado ambiental, e até hoje já foram lançadas três. A “it’s only the beginning” vai buscar os primeiros passos que deu neste universo, com o beachwear, e depois lançou o Drop 001 e o Drop 002.
O conceito? “Quase de mix and match das peças”, explica. “Temos a preocupação que quase todas as peças da coleção deem umas com as outras. Queremos quase que sejam coleções que todas elas conversem entre si. A FAMM é exatamente isso”.
Confiante de que o digital não tem um fim à vista, Adriana questiona se continuará relevante nos próximos anos ou se daqui a 20 anos vai continuar a querer trabalhar nas redes sociais. A marca, ainda que numa fase inicial, dá-lhe segurança no meio de algumas incertezas.
“A FAMM é uma startup, ainda não tem um ano, é uma marca que tem sete meses. Neste momento obviamente que o digital continua a ser a minha fonte de rendimento mais rentável”, diz, salientando que o objetivo passa por conseguir que a marca se torne “um negócio que vai ser tão importante quanto o digital”.
A música de Catarina Filipe
A ideia de ser artista não era nova, mas foi necessária muita reflexão para que Catarina Filipe tomasse a decisão de avançar no mundo da música. 2020 foi exatamente um ano para isso, entre muitas outras coisas, uma vez que significou que todas as pessoas passaram bastante tempo consigo mesmas.
“Acho que a pandemia foi assim aquele momento de reflexão de toda a gente, ficámos em casa demasiado tempo, tivemos demasiado tempo para pensar na nossa vida. Em 2020 cheguei à conclusão: ‘ok acho que já fiz mais ou menos tudo aquilo que gostava de fazer, já trabalhei com uma data de marcas que eu ambicionei e que nunca pensei que fosse trabalhar, já fui embaixadora de uma data de coisas, o que é que há mais?’”, questionou na altura.
Catarina estreou-se com “Xeque-Mate”, o single que conta já com mais de um milhão de visualizações no mesmo canal onde, em 2015, se apresentou como criadora de conteúdos de lifestyle. O canal tem 248 mil seguidores. Desde então, já lançou também “Slow Mo”, “Malvadas”, “Dezasseis” e participou na música “Drunk Again”, da banda ÁTOA.
“Acho que o meu background influencia totalmente a forma como eu sou artista, até porque acabo por ter muitos papéis dentro do meu projeto musical que normalmente os artistas não sabem, nem sequer estão preocupados, há outra pessoa que vai tratar disso por eles. Acho que está totalmente ligado, esta minha veia de empreendedora não consegue desligar”, admite.
Mas se no caso de Adriana e Inês os negócios para lá da criação de conteúdos lhes trouxeram uma nova segurança, para Catarina não é bem assim. “Se calhar [a música] até é uma segurança menor que o digital”, diz, confessando ser “totalmente movida pelo sonho”.
“A minha questão não é tanto de querer ter uma segunda fonte de rendimento para já, mas sim de ter a certeza que enquanto tiver vontade de estar à frente do palco e das câmaras vou fazer tudo aquilo que tenho para fazer. Além disso, tenho outros investimentos que vou fazendo, que para mim são mais seguros, como o imobiliário, que é o que quero fazer depois mais tarde quando for um bocadinho mais velha”, afirma.
Catarina teve algum tempo sem se dedicar ao conteúdo de lifestyle, mas nos últimos tempos voltou a publicar o conteúdo que sempre fez.
“O Youtube acaba por ser o que sempre foi, que é o meu diário. Infelizmente não estou com a disponibilidade que tinha anteriormente, mas acho que vou sempre continuar a ter. Acho que vai ser sempre o meu diário não só de artista, mas da Catarina rapariga que tem uma vida normal como toda a gente. É a coisa que eu mais gosto, acima da música, acima de tudo, é estar com a minha câmara a fazer as coisas. É o que mais me dá prazer nesta vida”, garante.
A rádio de Yolanda Tati
Falar do lifestyle de Yolanda Tati é falar sobre causas e ativismo. Já era assim em 2016, quando começou a publicar vídeos no Youtube, e continua a ser assim hoje em dia.
“Um dos meus primeiros vídeos no Youtube é sobre feminismo interseccional. Hoje em dia acho que nem eu própria percebia a importância que tinha aquele vídeo para mim, a importância que tinha falar do feminismo, mas para todas. Eu identifico-me como sendo feminista e feminista negra, mas realmente falar sobre feminismo e começar por definir essa premissa é o que me traz hoje para a posição onde as marcas e a minha carteira de clientes me procuram”, conta.
Os vídeos no Youtube levaram-na inicialmente à televisão, onde participou num casting para se tornar um dos rostos da apresentação do programa “Curto Circuito”, mas foi na rádio que acabou por encontrar um lugar.
“Rádio era aquela única coisa que eu nunca tinha ponderado fazer. Aliás eu digo sempre que foi a única coisa que eu amei fazer e que foi outra pessoa a sugerir”, diz. “Foi um caminho fantástico onde eu sempre tive liberdade criativa para dirigir o meu programa e tive sempre espaço para conseguir gerir os meus conteúdos, mas também passando pelo ativismo, educação, militância”.
Cinco anos depois de chegar à rádio, Yolanda percebeu que, apesar de ter sido uma ótima oportunidade, a sua “progressão de carreira foi tecnicamente nula” e a nível de remuneração também não estava a conseguir evoluir. Foi aí que decidiu voltar a tempo inteiro para o digital.
“Foi o passo mais à frente que dei nos últimos cinco anos”, conta. “Em cinco anos de carreira tinha 80 mil seguidores, em meio ano a solo a fazer os meus conteúdos ontem acordei com 250 mil seguidores. Cresci 204% a fazer aquilo no qual eu acredito em seis meses”.
Yolanda começou na engenharia, passou para o digital, rádio, ainda esteve em televisão e, por fim, regressou ao digital. E garante: “A comunicação dá-me mais dinheiro do que a engenharia daria em Portugal”. Obviamente que tudo depende da empresa onde se trabalha, do setor, do cargo, mas olhando para a sua realidade como engenheira e criadora de conteúdos, Yolanda não tem dúvidas.
“O digital supera porque eu consigo ter mais projetos em simultâneo, com menos tempo despendido. Se tiver que fazer uma campanha que passe por um post e uns stories, é uma questão de fazer aquele conteúdo, editar, claro que tem que ser pensado, mas o retorno pode ir logo para entre os 2 mil ou 3 mil, digamos assim, uma campanha standard”, diz.
Neste momento, entre outras coisas, gere a sua própria empresa de comunicação, criação de conteúdos, marketing e publicidade, cresce no Instagram, tem vídeos no Tiktok que ultrapassam as 10 milhões de visualizações e é responsável por uma masterclass de comunicação para particulares e empresas.