Corria o início do século XXI e a diocese de Lisboa, em conjunto com a Congregação das Servas de Nossa Senhora de Fátima, fechava um dos seus mais lucrativos negócios: o loteamento da agora urbanização Jardins do Cristo Rei. O feito rendeu aos cofres da diocese cerca de 5 milhões de euros.
Os terrenos, próximos daquele onde se insere o Seminário Maior de Cristo Rei, na Portela de Sacavém, eram pertença da Igreja e a diocese precisava de capital para fazer obras no comummente conhecido por Seminário dos Olivais. Fechou negócio com a construtora Obriverca e restaurou o edifício.
Anos mais tarde, em 2007, novo negócio rentável: as Estradas de Portugal encheram os cofres do patriarcado com 1,2 milhões de euros. Em causa estava a expropriação de um terreno na Buraca para a construção da Circular Regional Interior de Lisboa (CRIL). Dinheiro que certamente deu jeito à diocese, uma vez que já tinha sido construído o Centro Espiritual do Turcifal, na região Oeste, que custou 8 milhões de euros.
Na época, D. José Policarpo, cardeal-patriarca de Lisboa, explicou que tinha usado o dinheiro dos terrenos de Cristo Rei e as verbas destinadas à construção de uma nova basílica para financiar as obras.
A nova basílica ainda espera para existir – depois dos adiamentos veio a crise, e agora ainda não é hora, diz a diocese – e os seus cofres estão mais vazios.
Em 2015, a diocese de Lisboa reportou receitas na ordem dos 1,8 milhões de euros. O valor foi, em Janeiro deste ano, avançado à revista Sábado pelo Pe. Álvaro Bizarro, responsável diocesano pelas finanças. Na ocasião, adiantou ainda que as poupanças se situavam ente os 500 mil e os 800 mil euros. Uma “almofada” para eventuais necessidades.
Em entrevista à FORBES (ver a partir da página 29), o cardeal-patriarca de Lisboa confirmou os números, e salientou que as despesas atingiram 2,2 milhões de euros – deixando a diocese com um saldo negativo de 400 mil euros. Foi a primeira vez que a diocese revelou estas informações, uma vez que não há qualquer obrigatoriedade de o fazer. É que, ao abrigo da Concordata, a Igreja Católica tem direito a confidencialidade eclesiástica.
Esta é, aliás, a razão pela qual as respostas das restantes dioceses pouco adiantaram – a diocese do Algarve, por exemplo, explica que não tem orçamento geral. “Cada Paróquia gere na medida das suas possibilidades os donativos que vai recebendo. De facto, as paróquias prestam contas, mas, neste momento, os dados não estão disponíveis na sua totalidade”, disse fonte oficial da diocese à FORBES.
Na verdade, os números em termos nacionais não estão agregados em lugar algum – o Vaticano terá a parcela mais relevante da informação, mas ainda assim, incompleta – o que dificulta a tarefa.
“Jesus acrescentou: «Se queres ser perfeito vai vender tudo o que tens e dá o dinheiro aos pobres. Ficarás assim com um tesouro no céu. Depois vem e segue-me.»” (Mt 19:21)
Em Portugal há duas dezenas de dioceses e ainda o Ordinariato Castrense, que é a diocese das Forças Armadas. A FORBES contactou todas, mas apenas cinco deram resposta. Todas elas referiram que não podiam divulgar os números, embora fonte oficial da diocese de Évora tivesse acrescentado que “vive com bastantes dificuldades”.
Entre as várias despesas que as paróquias têm de assegurar está, por exemplo, o salário dos presbíteros, que ronda os 800 euros ilíquidos por mês – com os descontos, menores que os normais, fica em cerca de 700 euros –, e a prestação de ajuda sócio-caritativa à zona em que se insere. Variando consoante as necessidades de cada paróquia, isso pode incluir a manutenção de um Banco Alimentar, de uma cantina social, apoio domiciliário, gabinetes de enfermagem de utilização gratuita.
Quando às paróquias falta dinheiro para pagar o salário do padre, a diocese atribui mais paróquias àquele sacerdote ou, no limite, paga o valor em falta. Por seu lado, fazem parte das despesas diocesanas os salários dos funcionários, a manutenção dos espaços e os seus serviços pastorais – catequese, juventude, seminários entre outros –, além do dinheiro que é aplicado em obras de caridades.
Podem ser ajudas pontuais e individuais ou projectos maiores. Por isso mesmo, D. Manuel Clemente, actual cardeal-patriarca de Lisboa e presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, justifica que os números certos são difíceis de calcular.
As 21 dioceses agregam, entre si, 4378 paróquias nas quais trabalham mais de 3 mil padres, segundo dados do Anuário Católico Português. Se multiplicássemos, de uma forma simplista, as receitas da diocese de Lisboa por 21 estaríamos a falar de receitas de quase 40 milhões de euros.
Acredita-se, no entanto, que este número seja bastante mais elevado. Além de as dioceses serem todas muito diferentes na sua composição (a do Porto, por exemplo, tem 477 paróquias, quase mais 200 que a de Lisboa, enquanto Aveiro se fica pelas 101), as paróquias são também elas de diferentes proporções e rendimentos: a FORBES sabe que num fim-de-semana, uma das maiores paróquias de Lisboa chega a angariar 2500 euros em ofertas, enquanto uma outra não passa dos 100 euros.
“Cada uma tem a sua administração específica e própria. Está claro que tutelada pela diocese, mas o dinheiro que é daquela paróquia pertence e é administrado por aquela paróquia, com autonomia”, reforça D. Manuel Clemente.
A equação dos milhões da igreja é muito ampla. Tem várias ramificações, diferentes origens e “donos” distintos. Basta pensar, por exemplo, no dinheiro gerado pelo Santuário de Fátima e pelas ordens religiosas, que reportam às suas casas-gerais e não às dioceses, como é o caso dos Franciscanos, dos Jesuítas ou das irmãs Dominicanas, só para dar alguns exemplos; e ainda nos valores recebidos pelas Instituições Particulares de Solidariedade Social, muitas das quais são ligadas à Igreja.
Mas certa e objectiva é a forte influência que a Igreja tem no seio da sociedade portuguesa. Segundo um estudo do Instituto Português de Administração e Marketing, em 2015, nove em cada dez portugueses afirmava ter preferências religiosas, e desses, 97,1% afirmavam ser católicos.
No entanto, 87,5% dos inquiridos afirma que a escolha é determinada por tradição e não obrigatoriamente por fé. Dos crentes que frequentam locais de culto (72,6%), cerca de 45% diz que o faz uma vez por semana: qualquer coisa como 2,9 milhões de pessoas. Contas feitas, quantas são afinal as pessoas ajudadas ou servidas pelas obras sócio-caritativas da Igreja Católica? “Extravasa as nossas contas”, admite D. Manuel Clemente.
“Vendam o que têm e dêem o dinheiro aos pobres. Arranjem bolsas que nunca se estraguem e depositem no céu uma riqueza que não se esgota. Ali não chegam os ladrões, nem a traça.” (Lc 12:23)
Ainda que grande parte dos números esteja no segredo dos anjos, sabe-se que as receitas do Santuário de Fátima se terão mantido estáveis nos últimos 11 anos. De acordo com estimativas da FORBES, terão ultrapassado os 19 milhões de euros em 2016. Recorde-se que até 2005 a instituição divulgava as contas.
Nesse ano, o relatório e contas do Santuário revela que a construção da basílica da Santíssima Trindade – orçamentada em 70 milhões de euros – ainda penalizou a balança, deixando prejuízos de cerca de 3 milhões de euros.
No entanto, o actual reitor do Santuário, Pe. Carlos Cabecinhas, garante à FORBES que “financeiramente o Santuário está bem. A basílica esta completamente paga bem como os investimentos” que foram feitos entretanto – o novo presbitério e o novo túnel rodoviário de acesso ao Santuário. E não há sinal de que tenha havido uma redução do valor ofertado pelos peregrinos, à época rondando os 9 milhões de euros e que, segundo o reitor, terá estabilizado.
Carlos Cabecinhas ressalva que não é da sua responsabilidade a decisão de divulgar ou não o resumo das contas, remetendo-a para o Conselho Nacional do Santuário de Fátima (CNSF), a entidade eclesial a que reporta, e que é constituída pelos Arcebispos de Braga, de Évora e pelo cardeal-patriarca de Lisboa, no papel de responsável pela diocese e de presidente da Conferência Episcopal Portuguesa.
E explica que “a partir da data da assinatura da Concordata (em 2004), houve uma série de questões fiscais que ficaram por esclarecer”, o que levou o CNSF a decidir que “até que essas questões estivessem dirimidas, não havia apresentação do resumo de contas”. Refere-se, mais concretamente, à obrigatoriedade de a Igreja pagar 20% de IRC sobre os juros de depósitos bancários, mesmo sendo de doações. Mas garante que todos os anos submete o relatório a uma auditora independente, e que são esses os números apresentados ao Conselho Nacional.
Por seu lado, D. Manuel Clemente garantiu apenas que “tudo é feito com muito rigor”. Ambos os responsáveis realçam que tanto receitas como custos são elevados: “Se começarmos a somar as parcelas – obras, manutenção, pessoal… – já podemos calcular para onde irá o dinheiro. Além dos contributos que Fátima presta à vida das dioceses portuguesas e à Conferência Episcopal, a serviços conjuntos da Igreja.
Tudo isso vai-se escoando”, atira o bispo de Lisboa em jeito de justificação. Já o reitor do Santuário confirma que a grande fonte de receitas provém das ofertas dos peregrinos, que se juntam depois à actividade da loja de artigos religiosos, da livraria e dos alojamentos do Santuário – três casas. E elenca as despesas com a manutenção das estruturas do Santuário: cerca de 300 colaboradores e os alojamentos, que são regularmente oferecidos aos doentes, aos bispos e aos voluntários do Santuário.
Além das receitas do Santuário, é preciso ter em conta a forma como Fátima tem feito mexer a economia da zona Centro, ao afirmar-se como paragem obrigatória para o Turismo Religioso. Em 2015, os proveitos da região no que diz respeito ao turismo rondaram os 150 milhões de euros: só o município de Ourém foi responsável por 17 milhões de euros. A revelação foi feita por Pedro Machado, presidente do Turismo do Centro que, em conversa com a FORBES, se mostrou optimista em relação ao impacto “directo e indirecto” que a visita do Papa Francisco, em conjunto com as celebrações do Centenário das Aparições, vai ter na região.
As expectativas estão em alta para 2017: é que até ao mês de Março as reservas em unidades hoteleiras naquela zona já tinham ultrapassado as do acumulado do ano passado – que era de 4,9 milhões. No entanto, contrariamente ao que foi veiculado por vários meios de comunicação social lo- go no início do ano, este aumento da procura não terá levado a uma substancial subida dos preços das dormidas, pelo menos durante os dias 11 e 13 de Maio, as datas em que o Sumo Pontífice estará em Portugal.
No final de Março, a FORBES visitou e contactou vários hotéis da região, e em Fátima não encontrou um que tivesse subido os preços. Aliás, os responsáveis das unidades hoteleiras falam a uma só voz: as dormidas para estes dias ficaram esgotadas a meio de 2016, como todos os anos, e foram reservadas pelas mesmas pessoas de sempre. “Creio que 90% dos meus colegas não subiram os preços”, afirma António Pereira, director do hotel Avenida de Fátima, onde o preço por quarto duplo ronda os 70 euros. “Mas se o fizessem, era perfeitamente normal. Além disso, as pessoas não são obrigadas a comprar”, atira. E ex- plica que os preços que têm sido divulgados são de motores de busca onde já só estão a ser vendidos quartos em overbooking. “Mas já lhes vendemos os booklets. Não está nas nossas mãos”, justifica.
Em 2005, último ano em que o Santuário de Fátima divulgou as contas, os donativos dos peregrinos somavam 9 milhões de euros.
Maria Natália Neves, responsável pelo Hotel Alecrim, garante que os seus 53 quartos foram reservados por 60 euros por noite aos mesmos peregrinos de sempre. “Não sabemos quem são as pessoas que andam a praticar os preços de que se fa- la!”, diz ainda, afastando a ideia de que foi a vinda do Papa que provocou o aumento da procura. “Há 25 anos que recebemos os mesmos grupos” nos dias 12 e 13 de Maio.
Saindo de Fátima, houve efectivamente hotéis que duplicaram ou triplicaram o preço habitual. Em Leiria, a 30 quilómetros do Santuário, duas das cinco unidades hoteleiras fizeram-no: o Lisotel, à saída da cidade, e o Tryp Leiria Hotel. Ambos cobravam diárias acima dos 600 euros. Na Batalha e em Alcobaça, a 20 e 43 quilómetros de distância, respectivamente, os hotéis que não estavam esgotados cobravam mais do dobro dos preços habituais – fixando o valor nos 350 euros por quarto. Em Óbidos, a 80 quilómetros, a subida é me- nos acentuada no único hotel que ainda tinha vagas para as duas noites famosas de Fátima: o The Literary Man Hotel cobrava 140 euros por noite, ao invés dos habituais 90 euros.
Para Pedro Machado, a vinda do Papa Francisco poderá reflectir-se num aumento generalizado da procura durante todo o ano, mas o responsável acredita que a grande mais-valia tem estado na mudança de posicionamento do Santuário. Diz que tem havido um grande esforço por parte dos empresários da região e do próprio Santuário em “abrir-se mais à sociedade civil, se podemos dizer assim”. Concretamente, Pedro Machado refere-se às várias iniciativas culturais que o Santuário tem promovido e que têm ajudado os operadores turísticos a, muitas vezes, incluírem Fátima em roteiros que abarcam toda a região: uma visita aos mosteiros pode implicar uma passagem por Fátima; uma rota pelas maravilhas da natureza também.
O sinal de que portugueses e estrangeiros estão mais atentos a este posicionamento de Fátima como foco de turismo é a realização do Congresso Internacional de Turismo Religioso, que este ano levou àquela cidade mais de 700 profissionais de todo o país.
O reitor do Santuário, por seu lado, reforça que “Fátima é hoje, como já era há uns anos, o principal destino de turismo religioso em Portugal”. E que a mudança terá sido feita através de um trabalho mais continuado “de ir chamando a atenção de várias entidades envolvidas – até do corpo empresarial de Fátima – para a necessidade de se focarem no turismo religioso” no contexto português. Diz que se assiste “por parte das várias entidades da sociedade civil a um investimento grande na valorização do turismo religioso em Fátima”, mas também da parte do Santuário a uma maior “valorização de um conjunto de eventos culturais, que por um lado nos permitem levar Fátima mais longe, e por outro, atraem outros públicos. Procuramos outro tipo de linguagens”. Recusa, no entanto, que a propagação da mensagem de Fátima não seja a prioridade do Santuário.
Fátima e o turismo religioso foram responsáveis por grande parte dos 150 milhões de euros de proveitos do turismo na região Centro em 2015.
Este optimismo não se estende, no entanto, aos vendedores de artigos religiosos que habitam os pontos de venda em redor do local de culto. Olímpia Reis tem o seu posto de venda há 25 anos. “Até ver, não se nota grande diferença”, afirma. E recorda que a visita de Bento XVI, em 2010, não provocou aumentos nas vendas. “Vou continuar a comprar poucas coisas porque se vende muito pouco. Vamos ver”, lamenta.
A FORBES falou com vários proprietários de pontos de venda e de lojas, que acompanham o sentimento de Olímpia: Fátima até pode receber o milhão de peregrinos que as forças de segurança esperam, nos dias 12 e 13 de Maio, mas, para além dos hotéis e restaurantes, poucos lucrarão com o dinheiro dos peregrinos de 2017. Quase como num reflexo daquilo que diz a Bíblia, no Evangelho segundo São Lucas: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro”.