Em 2007, numa das muitas salas do Instituto Universitário de Lisboa (IUL), o professor Jorge Paulo Esperança prepara-se para distribuir os temas do projecto final do curso de Finanças aos vários grupos da turma. Na mão tem um saco com papéis onde estão inscritas ideias vindas dos mestrandos e doutorandos da faculdade de Ciências que os alunos da escola de Gestão deveriam tentar converter em negócios. Miguel Pina Martins, líder de um grupo de oito alunos, chega-se à frente e tira uma “rifa” onde se lia “Kits de física – material de laboratório para vender em escolas”. “A reacção foi horrível”, diz o então finalista do ISCTE. O grupo ainda tentou convencer o professor a alterar o tema do projecto, mas sem sucesso. “Façam alguma coisa. Vão à faculdade ver os kits, pode ser que se inspirem”, disse o professor. E assim fizeram.
Os materiais dos kits eram caros e pouco apelativos, mas houve um pormenor que chamou a atenção dos estudantes: a insígnia da faculdade de Ciências. Como aproveitar a marca da universidade? Brinquedos, concluíram. Afinal, o símbolo de uma faculdade num brinquedo dá credibilidade e os pais gostam de ver.
Decidiram então assentar o plano de negócio em três vertentes – kits de física, brinquedos e organização de actividades como campos de férias e aniversários – e correu bem. O grupo teve uma das melhores notas da turma, mas ninguém se apercebeu de que naquele projecto de final de curso estava o esqueleto da empresa que é hoje a maior fabricante nacional de brinquedos educativos, a Science4you.
Do papel para a realidade
Com o mercado de capitais ao rubro, o mercado de trabalho escoou facilmente o grupo de alunos do ISCTE. Miguel ingressou no Banco Big, mas não gostou. “Na sala de mercados, uma pessoa faz basicamente três coisas: compra acções, vende acções, ou não faz nada. É sempre assim, até ao fim dos nossos dias. No primeiro mês foi giro, mas depois…”, desabafa. Até então, o jovem de 21 anos tinha feito tudo “certinho”. Nunca tinha chumbado um ano e tinha arranjado emprego, mas faltava-lhe algo. “Achei que estava na altura de arriscar e tentar fazer algo giro”, explicando que a definição de “giro” era ter uma empresa, um sonho que vinha da infância em paralelo com o desejo de vir a ser primeiro-ministro, embora tenha desistido deste último quando percebeu que não existia um local para onde enviar o currículo.
Miguel nunca tinha chumbado um ano e tinha arranjado emprego, mas faltava-lhe algo. “Achei que estava na altura de arriscar e tentar fazer algo giro”, explicando que a definição de “giro” era ter uma empresa.
Despediu-se ao fim de três meses de trading e procurou apoio na Audax, a incubadora de empresas do IUL, onde trabalhava um dos membros do grupo do projecto dos “kits de Física”, que lhe prometeu ajuda no financiamento. E bem precisava. Na altura, o programa “Finicia” estava disposto a testar o conceito de negócio com um apoio de 45 mil euros, se Miguel entrasse com 5 mil – um valor demasiado elevado para um recém-licenciado. Com 1125 euros na conta, sem pais ricos, zero experiência, juventude de sobra, e uma ideia (que nem era nada revolucionária), restou-lhe procurar a confiança dos professores. “Pedi dinheiro a toda a gente. Acho que as pessoas viam o empréstimo como a fundo perdido e davam-me o dinheiro só para eu não os chatear mais”, diz Miguel. Jorge Paulo Esperança, o professor que lhe atribuiu a rifa de onde saiu a Science4you foi um dos visados, emprestou-lhe 250 euros. Hoje, segundo Miguel, a posição do professor está avaliada entre 50 mil e 70 mil euros.
A sorte protege os tenazes
Durante nove meses, Miguel foi director executivo, comercial, financeiro, designer e até foi o inventor dos primeiros sete brinquedos comercializados. “No final de 2008 estávamos a vender aos dois primeiros clientes (Fnac e El Corte Inglés)”, diz, e no ano seguinte estavam a exportar para Espanha. “Tivemos sorte”, confessa.
A retalhista espanhola estava à procura de produtos alternativos aos CD e DVD e, por coincidência, o responsável que lhe tinha facilitado a entrada nas lojas em Portugal estava agora à frente da retalhista em Espanha. Em 2009, já vendiam brinquedos em espanhol. Miguel afirma com regozijo que o negócio correu bem desde o início. “Acho que a chave é ter um produto que além de divertido para as crianças, consegue ser uma ferramenta de educação para os pais”, explica, sublinhando que “comprar um brinquedo da Science4you é diferente de comprar um Actionman ou uma Barbie. A criança tira dali mais qualquer coisa do que somente uma brincadeira”. Contudo, a Science4you também tropeçou algumas vezes. “Vender para Espanha a partir de Portugal foi um grande erro”, confessa. “Eles ligam muito ao ser espanhol. É um pouco como dizia o José Mourinho: é difícil ser português em Espanha”, afirma.
Começar com a Fnac foi uma mais-valia, mas só dois anos depois, após a criação de uma empresa espanhola é que conseguiram fazer disparar as vendas. Valeu-lhe a tenacidade.
Hoje, o mercado espanhol é o mais importante para a empresa, representando 64% das vendas internacionais. Actualmente, a Science4you é a marca número um de brinquedos em Portugal, competindo directamente com a Lego. No Natal do ano passado, por exemplo, a Science4you teve mais brinquedos no top 30 de vendas do que a marca dinamarquesa.
O grande salto
Para continuar a crescer era preciso mais capital e é então que surge o apoio da Portugal Ventures. “Com o conceito de negócio provado, estava na altura de o negócio ganhar tracção”, explica Marco Fernandes, presidente executivo da Portugal Ventures. A empresa de capital de risco decide investir 600 mil euros na Science4you e a estratégia de internacionalização alonga-se para vários países europeus, com enfoque no Reino Unido, o maior mercado europeu de brinquedos. “Foi mais fácil do que em Espanha. Ali, o mais importante é ter contactos. Não querem saber se somos portugueses ou se temos uma empresa lá. É um país mais aberto aos estrangeiros”, explica.
No Reino Unido, como em todo o lado, quando se trata de uma indústria dominada por gigantes como a Lego, a Mattel, a Hasbro ou a Fisher Price, é difícil colocar um produto de uma marca nova nas prateleiras dos grandes retalhistas. E foi neste tipo de conhecimento que Miguel investiu em 2013, quando contratou os serviços de John Harper, ex-director executivo da Hasbro. “O John é provavelmente o melhor investimento que fizemos até hoje e não é barato”, diz Miguel, confessando que custa 3 mil euros por cada dia de trabalho. “Ganha mais num dia do que eu num mês”, explica o director executivo da Science4you, sublinhando que não se importa que alguém ganhe mais do que ele, desde que acrescente valor à empresa. “Eu quero é que a coisa vá para a frente”, afirma.
Para Miguel, John levou a Science4you para a liga dos grandes fabricantes mundiais de brinquedos. E tudo porque mudou o branding da empresa. Miguel conta que uma das primeiras tarefas de John passou por testar a aceitação dos brinquedos entre quem decide a compra – as mães – através de um grupo focal (focus group, em inglês). O teste serviu para perceber que apesar de as mães preferirem os brinquedos da Science4you entre os das outras marcas, não o compravam por as embalagens serem pouco atractivas. “O resultado teve um reflexo incrível nas vendas e na percepção internacional”, diz, explicando que a Science4you é hoje uma empresa mais credível no mercado devido à presença de John. “Toda a gente da indústria sabe quem ele é e isso abre-nos portas”, justifica.
Mais recentemente, a Science4you passou a contar também com a consultoria de Mike Barrat, ex-director de vendas da Mattel no Reino Unido, e os resultados estão à vista. Depois de Portugal e Espanha, o país de Sua Majestade é o maior mercado da empresa, representando 12,6% das vendas internacionais. “Se queremos ser campeões mundiais temos de ter os melhores entre nós. Infelizmente, não temos em Portugal alguém que ligue ao director executivo da Toys r’Us a dizer-lhe que temos um bom produto para eles terem nas lojas, logo, temos de os importar”, diz o responsável da Science4you.
Uma fórmula de sucesso
Sete anos após a sua criação, a Science4you factura mais de 11 milhões de euros e estima atingir os 15 milhões de euros em 2016. A estratégia imediata passa pela consolidação da presença nos mercados europeus, pelo desenvolvimento de um novo segmento de brinquedos, a Games4you, e por conseguir ganhos de eficiência. A fábrica inaugurada no ano passado, um investimento orçado em 3 milhões de euros, é uma ferramenta fundamental. O esforço foi novamente apoiado pela Portugal Ventures e pelo fundo de capital de risco do Millennium Fundo de Capitalização. “A Science4you tem a capacidade e o ADN para ser um player mundial do sector”, diz Pedro Reis, responsável pelo fundo de capital de risco do Millennium bcp.
Miguel vai continuar a apostar nas lojas próprias em Portugal e nas parcerias com retalhistas fora do país. “É o mais racional. As rendas são muito elevadas. Por exemplo, um quiosque no centro comercial Westfield, em Londres, custa 20 mil euros por mês, quando aqui pagamos entre 2 a 3 mil euros.” O gestor não desdenha maiores voos, como a entrada no mercado norte-americano, mas não tem pressa, até porque reconhece que perderia parte da competitividade e flexibilidade que tem nos mercados europeus. Chegar ao mercado de capitais como ambicionam a maioria das start-ups é uma hipótese que encara de sorriso na cara, mas sabe que ainda tem de “comer muita papa”. “É um sonho, mas só podemos pensar nisso quando a facturação alcançar os 50 milhões ou mais. Não tenho pressa”, explica. Pedro Reis também não.
Chegar ao mercado de capitais como ambicionam a maioria das start-ups é uma hipótese que encara de sorriso na cara, mas sabe que ainda tem de “comer muita papa”, diz Miguel.
“Estamos na Science4you como parceiros e durante o tempo que for necessário”, afirma. Para Marco Fernandes, a empresa está entre as start-ups portuguesas com melhores perspectivas de sucesso para os próximos anos. “Está num patamar que já começa a ser vista pelos grandes players mundiais do sector. Não me admirava que nos próximos anos aparecesse algum gigante a querer comprar a Science4you”, diz. Para os dois grandes investidores e parceiros da companhia, Miguel não só é um bom empreendedor como um bom gestor, “uma característica necessária para a empresa nesta fase avançada”, explica Marco Fernandes.
Na Bolsa ou fora dela, em Portugal e no mundo, a Science4you continuará a ser um conjunto de lições nas mais variadas áreas científicas através da brincadeira. Para a economia e para todos os potenciais empreendedores, é um exemplo sério do papel que as universidades, professores e incubadoras de empresas podem desempenhar no fomento do empreendedorismo, e uma prova de que não são só os negócios on-line e as invenções revolucionárias que têm oportunidade de vencer no mercado global.