Com as crescentes pressões sobre os orçamentos familiares que habitam nos centros urbanos, a nossa relação com as cidades está a mudar à medida que as urbes evoluem e crescem para fora. De acordo com a Agência Europeia do Ambiente, dos 72% da população da União Europeia que vive nestas zonas, um número crescente está a deslocar-se para zonas mais afastadas do centro, em grande parte devido ao elevado custo de vida. A capital portuguesa é um exemplo perfeito dessa ligação direta.
O que pode, se calhar, não ser de tão óbvia conexão é a importância do papel da mobilidade partilhada no apoio a esta evolução demográfica. A integração do ride-sharing ou da micromobilidade com os sistemas de transporte público, por exemplo, é fundamental para desenhar uma rede de mobilidade mais eficiente e inclusiva. Nem todos os cidadãos vivem próximos às principais linhas de transporte público; a micromobilidade partilhada preenche assim essas lacunas, oferecendo soluções práticas para o “último quilómetro” – o trajeto entre a última paragem de transporte público e o destino final. Este serviço acessível permite que mais pessoas, independentemente da localização ou condição socioeconómica, se desloquem de forma mais ágil e eficiente.
Para ser mais preciso, dados publicados em 2011 do Eurobarómetro apontam que 71% dos utilizadores de carros particulares consideram que os transportes públicos não são convenientes e 72% fazem-no por uma falta de ligação nas suas imediações. Ora, este sobreuso crescente de viaturas particulares, que tanto congestiona as cidades, soa assim também com estas alterações demográficas os sinos da consciência ambiental. A redução da pegada de carbono nas cidades é um imperativo: a micromobilidade reduz significativamente as emissões de CO2 em comparação com os veículos tradicionais; um estudo de 2022 da Associação Norte-Americana de Partilha de Bicicletas (NABSA) concluiu que 37% das viagens de micromobilidade partilhadas substituíram as viagens de carro nos Estados Unidos. A integração com o transporte público amplifica este efeito: menos carros nas ruas significam menos congestionamento e, consequentemente, poluição. Assim, as cidades tornam-se não apenas mais limpas, mas também mais saudáveis, oferecendo um ar mais puro para seus habitantes.
As metrópoles são frequentemente comparadas a organismos vivos que necessitam de um sistema circulatório robusto para funcionar corretamente. Esta mobilidade partilhada, em sinergia com os transportes públicos, assegura que o “sangue” – ou seja, cidadãos como eu ou qualquer leitor deste artigo – flua livremente. Isso resulta em menos tempo perdido em engarrafamentos, e por sua vez mais tempo dedicado a atividades produtivas ou de lazer; só no ano passado, de acordo com os dados do Tom Tom Index 2023, os lisboetas passaram cerca de 65 horas em congestionamentos. A conveniência e a flexibilidade proporcionadas por esta rede integrada transformam o dia a dia urbano, tornando-o mais leve e agradável.
Em suma, a micromobilidade partilhada, quando orquestrada com os transportes públicos, compõe uma sinfonia urbana que promove a inclusão, a sustentabilidade e a eficiência. Esta integração é crucial para enfrentar os desafios do crescimento urbano, proporcionando uma rede de mobilidade que não só acompanha, mas antecipa e facilita a evolução das cidades. Para os cidadãos, esta sinfonia traz a promessa de uma vida urbana mais harmoniosa, onde a liberdade de movimento não é um luxo, mas um direito fundamental.
Como maestros desta orquestra urbana, é imperativo que governos, empresas e cidadãos trabalhem em conjunto para afinar esta sinfonia: a colaboração público-privada é decisiva. O futuro das cidades depende da nossa capacidade de harmonizar inovação e tradição, criando uma melodia que ressoe com as aspirações de uma sociedade mais justa. E assim, cada pedalada, cada trotineta, cada viagem de autocarro ou metro, torna-se uma nota nesta grandiosa composição que é a vida urbana do século XXI. Tentemos criar esta sinfonia de uma forma mais sustentável para todos.
Andrea Vota,
responsável de Public Policy da Bolt para a Europa do Sul