Era um sonho confessado. O José – nome fictício que aqui atribuo ao senhor na casa dos 50 com quem, um dia destes, partilhei um balcão de café -, falava ao amigo da sua mais recente máquina.
Sempre quis um carro assim – dizia, orgulhoso.
Com o ouvido na conversa alheia, pus-me a pensar. O sentimento de posse de bens materiais é parte da condição humana. E, no caso particular dos carros, pode resumir-se a uma questão de estatuto ou, por outras palavras, à ideia de que o lugar que ocupamos na sociedade é proporcional ao valor daquilo possuímos, que no caso do José ronda umas dezenas de milhares de euros – embora comece a desvalorizar assim que sai do stand.
Não deixa de ser importante lembrar que as cidades estão martirizadas pelos carros particulares, barulhentos e poluentes. As carteiras, idem. Afinal, a compra é apenas o primeiro momento em que abrimos os cordões à bolsa. Seguem-se as despesas em seguros, combustível, reparações, estacionamentos e tudo o que de resto está associado à manutenção de um veículo.
Isto pesa no bolso dos condutores, já para não falar do impacto ambiental e da saturação das vias urbanas, outras consequências do excesso de automóveis em circulação. E agora que há tantas outras alternativas de mobilidade, será que o estatuto justifica o fardo? A resposta é não.
De acordo com um estudo publicado há dois anos, o custo médio mensal de manter um carro a diesel em Portugal é de 1.217 euros, considerando todas as despesas envolvidas. Este valor é o mais alto entre os diferentes tipos de combustíveis considerados.
Ora, pelo mesmo valor, um utilizador de plataforma com serviço TVDE, por exemplo, pode realizar deslocações diárias com uma média de 60-70 km, o que é muito mais do que a maioria das pessoas realmente percorre. Aliás, segundo a newsletter Plano Metropolitano de Mobilidade Urbana Sustentável, publicada este mês, essa distância é de 7,6 km/viagem na Área Metropolitana de Lisboa.
Para aqueles que ainda se preocupam com questões de estatuto, vale lembrar que o verdadeiro prestígio não se mede pelo valor de um automóvel, mas sim pelas escolhas que fazemos em prol do nosso futuro e do futuro das nossas cidades. É preciso fazermo-nos à estrada para que estas sejam construídas para as pessoas, e não para os carros particulares.
Mário de Morais,
responsável de ride-hailing da Bolt em Portugal