Pedro Neves, professor na Nova School of Business and Economics
Artigo incluído na edição de Fevereiro 2018
Tinha prometido a mim próprio que faria um esforço por não falar de futebol nesta coluna. Mas hoje não resisto. Estou há demasiado tempo a ouvir discussões sobre a moralidade (ou falta dela) das equipas, dos árbitros, dos treinadores, dos presidentes dos clubes, dos adeptos. Ou seja, a moralidade de qualquer pessoa que alguma vez se tenha visto envolvida num jogo de futebol, nem que fosse numa partida entre solteiros e casados. E sobre o core business do sector, neste caso futebol, tenho ouvido muito pouco.
No último Verão, tive a oportunidade de ouvir Linda Skitka, professora da Universidade de Illinois, a falar numa conferência sobre a forma como desenvolvemos e colocamos em prática a nossa crença de que uma determinada atitude é normativa e fundamentalmente certa ou errada, ou seja, a nossa convicção moral. A importância das convicções morais na vida do dia-a-dia ficou (ainda mais) patente num estudo publicado em 2014 na revista Science que demonstrava como estas influenciam a felicidade e o sentido de propósito das pessoas (e mais interessante, mostrava que a prática de acções morais ou imorais é transversal à população, não dependendo nem da orientação política nem da religião). Mas o que é ainda mais interessante – e o que nos traz de volta ao tema do futebol – é que normalmente assumimos que estas crenças se aplicam apenas às coisas verdadeiramente importantes da vida, aos chamados temas fracturantes da sociedade (questões que envolvem decisões de vida ou morte; educação e valores familiares; entre outros). Mas não.
Aparentemente, e tal como ficou patente numa revisão de literatura publicada recentemente pela mesma autora na revista Advances in Political Psychology, qualquer questão ou tema que seja importante para uma pessoa pode ser formulado como sendo uma verdade objectiva e universal, ou seja, como sendo uma convicção moral. E se o carácter moral de uma atitude é central, pois determina o esforço que uma pessoa coloca na defesa desse mesmo princípio (e.g., maior participação cívica e política ou um papel mais activo no cumprimento dos objectivos da organização em que trabalha), é igualmente problemático pois aumenta a intolerância, a desconfiança, a incapacidade de negociar e resolver conflitos e a aceitação de que a violência é uma boa (senão a melhor) forma de lidar com aqueles que vêem o problema de forma diferente (ou seja, de uma forma moralmente errada).
Fazendo a ponte com o tema que despoletou esta conversa, isto é dizer que, quanto mais central e importante é o clubismo para uma pessoa, mais essa pessoa defende e vibra com o seu clube, mas, simultaneamente, mais intolerante se torna em relação a todos os que não partilham desse valor moral – leia-se, os adeptos dos outros clubes. Pois como é possível estar perante tamanha evidência (e que deveria ser óbvia para todos) e continuar a fazer a “apologia do mal”.
Num mundo com tantas preocupações e temas que de facto merecem a nossa militância e convicção moral, gastar recursos cognitivos e emocionais a definir como sendo “os maus” os que discordam de nós e fazem outras escolhas (sejam eles a empresa concorrente ou o clube historicamente rival), é não só um desperdício de tempo mas, acima de tudo, um problema social, pois tal como afirmava Jigoro Kano, fundador do Judo, “o adversário é um parceiro necessário ao progresso, a vida da humanidade baseia-se neste princípio”.