No rescaldo de um ano muito volátil a todos os níveis – mercados financeiros, evolução dados macroeconómicos e desenvolvimentos geopolíticos – qual o “ritmo cardíaco” da economia mundial?
A semana em curso tem sido animada pela divulgação de dados económicos relevantes, anúncios de programas de despedimentos pelas principais empresas tecnológicas, potenciais estímulos económicos na China, especialmente apontados ao setor imobiliário, um encontro entre o Presidente dos EUA e o Presidente da China na cimeira do G20 e o aparente estabelecimento duma fronteira entre territórios ocupados e libertados na Ucrânia.
Neste sentido, parece pertinente fazer uma pequena análise ao momento que vivemos, com o objetivo de projetar o que se poderá esperar para 2023.
A divulgação da leitura da inflação americana, relativa ao mês de outubro, mostrou um abrandamento no ritmo de crescimento de preços – 7,7% nos últimos 12 meses vs 8,2% nos 12 meses até setembro – facto que voltou a colocar no topo das considerações dos investidores a possibilidade da Reserva Federal americana diminuir o ritmo das subidas de taxas de juro. A divulgação deste dado parece ter sido suficiente para animar os mercados financeiros, especialmente os índices de ações, com destaque para a performance do índice tecnológico Nasdaq que valorizou 7,49% no dia.
Será este o dado que poderá marcar o ponto de viragem que os mercados financeiros anseiam? Apesar da forte subida diária, no fecho de 14 de novembro, o Nasdaq apresentava ainda uma desvalorização acumulada no ano de 27,77% (incluindo dividendos), o que parece indiciar que os problemas ainda não se desvaneceram.
Ao alargar a análise rapidamente se constata que 2022 tem sido também um ano caótico relativamente ao desenvolvimento económico mundial. Em primeiro lugar, já existia uma confusão logística e de gestão de stocks de matérias-primas e bens intermédios devido aos impactos da pandemia e que na China ainda se continuam a fazer sentir com a política de covid zero. Esse problema apenas foi agravado pelo deflagrar do conflito entre a Ucrânia e a Rússia, que trouxe uma enorme pressão sobre os bens energéticos, em especial na Europa, afetando a produção industrial a nível global. Todo este enquadramento alimentou o ressurgimento da inflação para valores anualizados de dois dígitos, a maior dos últimos 40 anos. A resposta dos vários Bancos Centrais a este problema foi similar – subidas das taxas de juro em todo o mundo (à exceção do Japão).
Com a subida das taxas de juro, preços mais elevados e menor rendimento disponível, parece inevitável a entrada num período recessivo, alimentado pela contração dos volumes de consumo e sobre a qual não existe ainda uma magnitude que seja possível aferir. Podemos apenas assinalar o anúncio de vários programas de despedimento, com realce para as maiores empresas tecnológicas, como a Meta (Facebook) e Amazon, que nunca tinham despedido tanta gente de uma só vez. Um indicador nada animador.
Do lado oriental, o mercado chinês parece não oferecer melhor solução. A economia chinesa tem-se ressentido com a tentativa das autoridades em controlar a implosão de uma das maiores empresas do setor imobiliário – a Evergrande – e com a forte valorização do dólar americano. Por outro lado, a economia doméstica tem sido um pouco negligenciada pelo Partido Comunista Chinês, que se tem concentrado mais na sua afirmação internacional, no apoio discreto à Rússia, na construção dum eixo económico asiático, onde também se inclui a Índia, e na eterna questão sobre a soberania de Taiwan. Mais recentemente têm surgido rumores sobre a possibilidade de maior flexibilização das regras aplicáveis ao setor imobiliário, bem como de maior abertura da atividade económica, com o lançamento de novos programas de apoio, que reduzam os efeitos da política restritiva relacionada com a pandemia. Destaque aqui para a palavra-chave: “rumores”.
Na relação entre as duas grandes potências, EUA e China, o encontro entre os respetivos presidentes na cimeira do G20 não parece ter originado nenhuma ação decisiva sem ser a habitual retórica contra a utilização de armas nucleares.
No que toca ao conflito entre a Ucrânia e a Rússia, a Rússia decidiu consolidar as suas linhas na região Sul, ao longo do rio Dnipro, posições que deverão ser difíceis de reverter, pelo menos durante o Inverno. A pressão na região deverá continuar, sem que seja possível antever uma rápida resolução.
Ficam por isso muitas questões no ar: existirá uma resolução para o conflito entre a Ucrânia e a Rússia? Será que a recessão será debelada rapidamente sem contaminar o emprego? Como se vão aguentar os volumes de vendas e as margens das empresas? Que parte desse impacto está já reconhecido pelo mercado de ações?
Ninguém parece saber!
Com este enquadramento, a única projeção que parece realista para 2023 é que a volatilidade se deverá manter elevada. Mantenha-se vigilante sobre os seus investimentos e procure soluções com as quais se sente confortável ao nível dos riscos assumidos. Nos mercados financeiros, a esperança não é uma estratégia de investimento adequada. Mantenhamos a esperança em desfechos positivos e preparemos o portfólio para ser robusto em qualquer cenário, em especial os adversos!
Nuno Sousa Pereira – Diretor de investimentos da Sixty Degrees