Professor na Nova SBE
Artigo incluído na edição de Março 2019
Estava a rever alguma literatura sobre liderança para um artigo que estou a escrever quando me deparei com o estudo que até hoje mais prazer me deu rever. Há alguns anos foi-me pedido pelo editor da revista Leadership Quarterly que revisse um artigo submetido para a publicação que me prendeu a atenção mal passei os olhos pelo título. O artigo intitulava-se: “Sins of the parents: Self-control as a buffer between supervisors’ previous experience of family undermining and subordinates’ perceptions of abusive supervision”.
Não existem muitos artigos em liderança que comecem por falar nos pecados dos pais… Como o processo é duplamente cego, não sabendo os autores quem são os revisores, nem os revisores quem são os autores, vim apenas mais tarde a descobrir que o estudo tinha sido liderado por Christian Kiewitz (University of Dayton) e Simon Restubog (Australian National University).
Este estudo teve como base a teoria da aprendizagem social, que nos diz que a exposição a comportamentos dos outros sinaliza-nos quais os comportamentos aceitáveis num determinado conjunto de situações, consequentemente influenciando a nossa própria forma de agir. Ao nível de comportamentos agressivos, a ideia é a mesma: a exposição a comportamentos agressivos vistos como ‘normais’ e aceitáveis, particularmente quando estes são exibidos por pessoas vistas como modelos a seguir – por exemplo os pais – aumenta a possibilidade de uma pessoa aprender e replicar esses mesmos comportamentos.
Os autores procuraram precisamente testar esta premissa colocando a questão: será que o histórico de tratamento (negativo) parental recebido tem impacto na forma como uma pessoa lidera a sua equipa, particularmente se utiliza mais expressões de supervisão abusiva (ridicularizar o colaborador, afastá-lo dos colegas, apontar regularmente os erros em público, entre outros)?
Ao longo de dois estudos, verificaram que o histórico de parentalidade negativa, expressa em comportamentos como críticas regulares, zanga, tratamento silencioso ou insultos tinha de facto impacto na forma como as chefias tratavam os seus subordinados: quanto mais parentalidade negativa tinham recebido em criança, mais supervisão abusiva a sua equipa reportava. É interessante salientar que este padrão é extremamente estável, quer seja o próprio ou o/a seu irmão/irmã a relatar os comportamentos parentais.
No entanto, e como nada na vida é linear, podemos ficar mais descansados por saber que esta relação não é tão simples quanto parece à primeira vista. A força desta associação depende, em grande medida, da capacidade de auto-controlo. Caso o auto-controlo seja elevado, não há transmissão intergeracional do tratamento agressivo. No entanto, quando este é baixo as chefias cujos pais foram mais agressivos tendem elas mesmas a ser mais abusivas.
Por isso, ao identificar potenciais chefias, devemos olhar para características pessoais como o auto-controlo, mais do que o enquadramento social e familiar de onde vêm. Mesmo quando os pais pecam, são os filhos que escolhem as lições a retirar.