Os exageros da redistribuição têm vindo a ancorar o mérito em Portugal. Estaremos a chegar à “dobradiça” desta “história”? Ou já estaremos mesmo a atravessá-la?
O Produto Interno Bruto do país chega para o manter ligado à máquina. Não podia ser de outro modo. A produtividade laboral em Portugal é baixa. Fica muito aquém da média da União Europeia.
Portugal vive uma “espiral contraprodutiva”. A expressão é nova, mas ajusta-se na perfeição. Enquanto o sufoco contributivo e fiscal sentido por quem trabalha se vai acentuando, a produtividade laboral vai continuando a despencar. É um curioso paradoxo. Com os excessos contributivos e fiscais, o Estado, aparentemente, vai conseguindo chegar a um maior número de beneficiários sociais. E é precisamente aqui que se situa o paradoxo. Os mesmos excessos contributivos e fiscais, que criam a ilusão de riqueza acessível para todos, também vão precipitando cada vez mais a produtividade entre empregados e empregadores. O desincentivo ao trabalho acima da média e o estrangulamento ao mérito são cada vez mais as duas variáveis a ditar as regras da Economia portuguesa.
É que a redistribuição excessiva desestimula a produtividade. A história económica contemporânea não deixa margem para dúvidas. Olhemos para as economias do tipo “soviéticas” que colapsaram ali por volta da década de 90 e retiremos as nossas conclusões.
A economia real deve permanecer sob a alçada da sociedade civil. O sistema deve assentar na liberdade de escolha individual e na “concorrência perfeita” entre operadores económicos. As economias devem funcionar autonomamente. Os garrotes estatais devem cingir-se aos estritamente necessários.
Vejamos, por exemplo, o caso de um trabalhador independente em Portugal. O valor que este “sobrevivente” acrescenta à Economia do seu país é fiscalmente atacado sem dó nem piedade. 23 % de IVA, 25 % de IRS. E o quadro ainda se torna mais feio. Despesas com deslocações e Segurança Social são só mais dois exemplos do desfracionamento a que o rendimento do trabalho está sujeito em Portugal. Na maioria dos casos, no final das contas, não sobra mais do que uma indignificante esmola para acrescentar ao orçamento das famílias portuguesas. Assim, trabalhar em Portugal é triste. Talvez seja por isto que a fuga de talento do país continua a ser um acontecimento que tem tanto de trágico como de praticamente incontornável.
Quase já não existe fosso salarial entre trabalhadores com ensino superior e empregados com o ensino secundário. Entre 2006 e 2020, a diferença perdeu qualquer expressão digna de registo. Já os salários mínimos são donos e senhores em Portugal. É o Banco de Portugal que o anuncia.
Este enquadramento é o resultado natural de um Estado que se afirma, já quase sem qualquer reserva, como “dirigista”. É o resultado de um Estado que não mostra hesitações em matéria de redistribuição e que faz uso de toda a criatividade fiscal para, com uma postura social e coletivamente “melosa”, ir adoçando a vida a cada vez mais portugueses.
Notemos na dimensão coerciva e compulsiva do recente Pacote Mais Habitação. A insensibilidade face à propriedade privada e à liberdade de escolha individual é notoriamente o pináculo de um sistema que asfixia o mérito e que usa e abusa na redistribuição para dissimular a decrescente produtividade económica nacional. Um sistema que chega a este estádio revela que está em fim de circuito.
É inquestionável que o Estado tem funções de relevância a cumprir. E, para o efeito, carece de receita fiscal. A carga fiscal pode ser maior ou menor. Pode ser objeto de maior ou menor progressividade. Mas o Estado não pode amputar a meritocracia. Infelizmente, nesta fase, parece ser precisamente o que está a ocorrer em Portugal.
O sentimento de “despojo” é uma inevitabilidade para os contribuintes nacionais.
A própria Lei deixa muitas dúvidas quanto à natureza utilitarista que dela se espera. É que também a Lei parece estar orientada para reprimir o mérito em Portugal. Desde articulados dúbios, evasivos e até “enigmáticos”, passando por armações legais movediças e escorregadiças, vão-se amontoando os perigos no atual enquadramento jurídico nacional.
A excessiva burocracia da Administração Pública e a comprovada vagareza do sistema judicial português, são dois exemplos de constrangimentos máximos ao crescimento económico do país. E são entidades internacionais que o referem. A OCDE, por exemplo, sublinha que a carga burocrática dos serviços públicos em Portugal e a morosidade do sistema judicial nacional configuram uma barreira à tão necessária captação de Investimento Direto Estrangeiro. Já o Embaixador chinês em Lisboa avisa que os longos processos burocráticos enfrentados em Portugal por empresas chinesas e a intrincada legislação nacional são um forte entrave ao investimento chinês. E recorde-se que o Banco de Desenvolvimento da China tem um fundo de mil milhões de euros para investir em países de língua oficial portuguesa. Portanto, quanto maior for a carga burocrática encontrada por investidores chineses em terras lusas, menor será a parcela do fundo de mil milhões de euros destinada a Portugal.
E estas dificuldades são rigorosamente as mesmas que os trabalhadores e empresas portuguesas enfrentam internamente. Estamos, fatalmente, perante um dos mais fortes constrangimentos ao desenvolvimento do país.
Depois de analisado à lupa, o labiríntico circuito legal, contributivo e fiscal a que são submetidos o investimento empresarial e o trabalho em Portugal parece ter sido traçado com um único propósito: propiciar ao Estado um contexto normativo que lhe assegure a maior liquidez possível. Só assim é possível continuar a levar a cabo os cada vez mais pronunciados processos redistributivos. Por este andar, se a Economia nacional ainda não é do tipo “soviético”, para lá caminha, e a grande velocidade.
O modelo económico dominante nos últimos cem anos permitiu ao Homem mais do que duplicar a sua esperança média de vida. Não haverá melhor prova do que esta para certificar uma conclusão lógica: o modelo económico capitalista é, provavelmente, o menos mau de todos os modelos possíveis e experimentados atá hoje. É a história económica contemporânea que o demonstra. E é bom que não esqueçamos que o modelo económico capitalista assenta num sistema meritocrático, que distingue socioeconomicamente pela positiva os que mais valor económico vão acrescentando a uma sociedade. Esta distinção tem tanto de positiva como de motivadora. A grande virtude do sistema é esta: amplifica a motivação para trabalhar e produzir.
Ao Estado cabe ser firme nos processos de regulação, de fiscalização e de garantia de uma Segurança Social equilibrada e, sobretudo, justa. Também poderá caber ao Estado intervir na Economia quando, e só quando, a sociedade civil, per si, evidenciar, sem qualquer margem para dúvida, incapacidade para se autorregular. E estamos muito longe de um quadro destes Portugal.
O Estado jamais pode ser demasiadamente centralizador. Os seus excessos dirigistas dão mau resultado. Os Estados ampliados sufocam as partes que trabalham, investem e produzem. Infelizmente, parece ser este o quadro nacional na atualidade.
No presente, o estrangulamento do mérito em Portugal é mais do que evidente. Por vezes, chega a soar a hostil a persecução legal e fiscal aos que se vão destacando pela produtividade aumentada. Os “desgraçados” que têm o infortúnio de acrescentar valor à economia acima da média acabam por ser fortemente castigados com uma valente sova fiscal dada pelo Estado. Ninguém gosta de ser sovado! Por isso, é melhor não trabalhar muito…
Portugal “continua a considerar o lucro um pecado e nós temos que combater esses preconceitos.” Estas são palavras recentes do Ministro da Economia. Insolitamente, parece ser o próprio Estado, na atualidade, a encarnar esta ideia; e a instigá-la para o resto do país.
A verdade é que a sociedade deve conceber como indispensável o desejo de lucro dos empresários. O lucro, sendo corretamente reinvestido pela sociedade civil, acrescenta eficiência ao processo de gestão dos recursos disponíveis. Esta eficiência, que só quem investe o que é seu consegue alcançar, é tudo o basta à sociedade para gerar mais emprego e, com isso, garantir mais rendimento aos agregados familiares. Só este modelo permite almejar o potencial produtivo de uma economia.
Quando o Estado arrecada, pela via da fiscalidade, uma parcela considerável do valor económico que os talentos laboral e empresarial acrescentam à sociedade, ocorre o chamado “efeito de deslocamento”. O objetivo do Estado é financiar uma lógica de redistribuição que apenas camufla a carência de produtividade de uma economia ancorada pelo próprio Estado. No entanto, sendo os recursos “deslocados” da sociedade civil para o Estado, o (re)investimento privado é inviabilizado e a Economia vai acumulando ineficiência. Quanto mais a “história” se prolongar, mais ineficiência se vai acumulando. Mais cedo ou mais tarde, o limite é atingido, inevitavelmente. É provável que o país se encontre já atravessar a “dobradiça desta história”.
João Rodrigues dos Santos – Professor na Universidade Europeia/IADE