A creator economy está a atravessar uma fase de transição fascinante, tudo graças à inteligência artificial (IA).
No início de 2024, durante uma refeição, um criador espanhol mostrou-me uma aplicação chamada Suno. Pediu-me para lhe contar como tinha sido o meu dia, introduziu as informações no ChatGPT e, com apenas alguns cliques, tachán!, a aplicação gerou duas músicas sobre o meu pequeno-almoço e o meu trajeto até ao restaurante, ao ritmo de salsa cubana. Tudo em questão de minutos.
Aquilo foi uma experiência, um jogo, mas nesse momento percebi o quão profundamente a IA está integrada no dia a dia dos criadores. E, segundo ele, essa aplicação não era mais do que uma das cinco que usava diariamente.
A inteligência artificial está a transformar a criação de conteúdo, a otimizar a eficiência e a ampliar as audiências. Como acontece com a tecnologia, algumas destas ferramentas vão-se consolidar e outras ficarão obsoletas em poucos meses. Mas é este ritmo de mudança que marca o futuro imediato.
Nos próximos anos, veremos como a IA não só optimiza processos e alcance, como também redefine completamente a estrutura da creator economy.
“O que antes levava horas, agora consegue-se em minutos”
Se trabalha neste mundo, a cada semana vai descobrir novas ferramentas que aceleram os processos de idealização, produção e edição, permitindo aos criadores produzir mais, em menos tempo e com maior qualidade.
A ferramenta mais utilizada entre criadores é, como em muitas outras indústrias, o ChatGPT e outras LLMs (modelos de linguagem de grande escala, em inglês Large Language Model), usadas para gerir tarefas pesadas como a criação de ideias (sobretudo para campanhas), pesquisa de referências, redação de guiões ou criação de copys. Mas as possibilidades vão muito além disso.
Por exemplo, existem plataformas que convertem conteúdo longo em múltiplos vídeos curtos e verticais, analisando automaticamente quais são os clips com maior potencial de impacto (Pictory.ai). Ferramentas de uso geral em design gráfico, como o Canva e o portfólio de produtos da Adobe, integraram IA para otimizar a produção de materiais criativos, como miniaturas do Youtube, entre muitas outras funções. Além disso, há ferramentas como o Runway ML que, com apenas um prompt (uma frase ou ordem), geram vídeos e imagens do zero em segundos, eliminando a necessidade de recorrer a material de stock e oferecendo conteúdo ‘original’ e personalizado, adaptado às necessidades específicas de cada criador.
Claro que este tipo de automatização é uma grande ajuda para os criadores, libertando-os de tarefas repetitivas e permitindo-lhes focar no que realmente importa: a criatividade.
O que antes levava horas, agora consegue-se em minutos. Isto vai representar uma mudança significativa no panorama competitivo.
Esta eficiência também levanta novos desafios, principalmente no que diz respeito à autenticidade e à transparência sobre o conteúdo gerado por IA.
Automatização de tarefas administrativas
Como são, na sua maioria, trabalhadores independentes, os criadores enfrentam diariamente várias tarefas administrativas.
A IA vem facilitar essas obrigações através de agentes inteligentes que automatizam ou semi-automatizam tarefas tediosas como a gestão de contactos, personalização de media kits, redação de relatórios e gestão de orçamentos.
Não só alivia a carga operacional, como também pode acelerar a profissionalização dos criadores, tornando-os empresários eficientes. Já não é necessário ter uma grande infraestrutura para ser competitivo. Os criadores podem focar-se mais no seu conteúdo e nas suas marcas, enquanto a IA cuida do que antes era um fardo operacional.
Já não preciso de uma agência?
Apesar dos avanços na automatização, grande parte dos criadores profissionais vão continuar a precisar de agentes (ou seja, pessoas de carne e osso) ou equipas que os ajudem a navegar na indústria e a garantir o seu sucesso a longo prazo. É essencial que quem trabalha com criadores esteja a par das ferramentas emergentes para as aproveitar nos seus negócios e, ainda mais importante, para educar os criadores, ajudando-os a adaptar-se e a prosperar na era da IA.
Os melhores agentes vão-se focar mais do que nunca nas áreas onde realmente podem acrescentar valor: oferecendo uma visão a longo prazo, impulsionando o crescimento profissional e a expansão do criador, abrindo-lhe novas portas e servindo de guia em decisões importantes e momentos de crise. Serão fundamentais na criação de novos modelos de negócios e na identificação de oportunidades que, graças à IA, agora são mais acessíveis e escaláveis do que nunca.
Mais e mais alcance
A IA não só poupa tempo, como também permite aos criadores alcançar audiências mais relevantes e otimizar o seu alcance.
Os sistemas de distribuição atuais (aqui falamos de algoritmos) estão a mudar radicalmente as regras do jogo: Hoje, um criador, mesmo com poucos seguidores, pode chegar a milhões de pessoas em poucas horas, desde que consiga captar a atenção do público.
Isto redefine o panorama competitivo, onde novos criadores estão a desafiar o domínio daqueles que, tradicionalmente, eram conhecidos como “influencers” em plataformas mais estabelecidas como o Instagram.
A hipersegmentação oferecida pelos sistemas de recomendação da IA também permite que os criadores atinjam nichos altamente específicos. Com isto, surgem novas formas de pensar sobre como os criadores e marcas podem colaborar de forma mais eficaz.
Os criadores agora podem também multiplicar a sua audiência através da automatização da tradução dos seus vídeos, oferecendo uma experiência adaptada ao idioma do utilizador. Assim, um criador português pode tornar-se relevante em toda a América Latina e Península Ibérica ao oferecer uma versão em espanhol do seu conteúdo, a um custo muito baixo. O exemplo do MrBeast ilustra bem este uso.
Mas nem tudo é simples para os criadores. Esta nova forma de distribuição também introduz uma pressão constante para manter a atenção do público. A imprevisibilidade do desempenho do conteúdo aumentou, o que complica o planeamento e a execução de campanhas de marketing de criadores, já que a eficácia de um conteúdo agora depende mais da capacidade de captar o interesse no momento certo do que da quantidade de seguidores ou do histórico de interações.
Neste contexto, torna-se indispensável para as marcas complementar qualquer campanha com investimento em publicidade paga, para garantir que o alcance seja eficaz e dirigido ao público-alvo. Afinal, o criador é isso: um criador de conteúdo. E, como especialistas na sua própria comunidade, as marcas terão de os ouvir mais do que nunca se querem que o seu conteúdo ressoe de forma orgânica.
O que antes eram barreiras, como a quantidade de seguidores, as habilidades técnicas ou os recursos administrativos, hoje podem ser superados com a ajuda da IA. Esta mudança está a redefinir o panorama competitivo da Creator Economy.
A criatividade humana não vai desaparecer
Qualquer previsão a longo prazo sobre a IA é uma especulação. A velocidade com que avança faz com que qualquer análise fique desatualizada antes de ser publicada. Dito isto, é impossível não reconhecer a mudança radical que estamos a viver.
A curto prazo, aqueles criadores que souberem adotar a IA de forma ágil terão uma vantagem competitiva considerável. Os primeiros a explorar essa tecnologia estarão numa posição privilegiada para aproveitar a eficiência e a multiplicação de possibilidades criativas que a IA oferece.
Mas o que acontecerá a longo prazo, quando, graças à IA, todos conseguirmos gerar conteúdo profissional com uma rapidez, volume e alcance nunca antes vistos?
Com a IA, aquilo que antes eram barreiras – como a qualidade da produção ou a quantidade de seguidores – desaparecerão, eliminando por completo as limitações que historicamente restringiam a criação de conteúdo a um número reduzido de pessoas.
Por isso, esta mudança não é apenas uma melhoria incremental (que já estamos a testemunhar); A longo prazo, poderá representar uma reestruturação total do ecossistema.
A minha aposta é que, em vez de competirem apenas para serem o melhor criador ou o mais seguido, os criadores terão de se adaptar a um ambiente em que a competição se baseia na autenticidade, na comunidade e na capacidade de criar experiências verdadeiramente únicas.
Mesmo com a ascensão da IA, a criatividade humana vai permanecer insubstituível. As máquinas podem gerar conteúdo, mas não conseguem replicar o pensamento crítico, a empatia ou a criatividade genuína.
Os criadores que souberem combinar o poder da IA com o toque humano serão aqueles que dominarão o futuro da creator economy.
Estamos a viver um momento crucial. O futuro da creator economy pertence àqueles que, com criatividade e visão estratégica, souberem reinventar as suas possibilidades nesta nova era impulsionada pela IA. E, pessoalmente, não trocaria este momento por nada.
Jone Conde Ochoa
Forbes Portugal Under 30