Na pandemia de 1918, existiam 2 mil milhões de pessoas na terra e apenas 30% de pessoas literadas. Hoje existem 7,5 mil milhões e a taxa de literacia num mundo híper conectado e alavancado por tecnologia é de 86%. É a capacidade de inovarmos colaborativamente a uma escala global e de acelerar a transferência de conhecimento e de automação de processos que nos vai permitir resolver os desafios da pandemia e reconstruir um novo modelo económico e social.
Grandes empresas globais, como a Disney, IBM, Apple, Microsoft, Uber, Airbnb, Slack, Pinterest, WhatsApp, Square e Venmo nasceram em momentos de crise. Depois de uma crise, há geralmente uma consequente aposta forte em investimento em inovação e start-ups tecnológicas. Desde 2010, a liquidez no mundo de capital de risco tem crescido uma média de 21% ao ano.
Muito do Portugal inovador e empreendedor que conhecemos hoje e que nos diferencia nasceu na última crise de 2008. Foi de facto a própria crise que nos impeliu a nos reinventarmos, permitindo uma mudança cultural suficientemente profunda para emergirem novos comportamento e uma nova cultura de empreendedorismo. Start-ups como a Talkdesk, Unbabel, Farfetch, Uniplaces e 360Imprimir nasceram em Portugal durante os anos da crise. Hoje existem cerca de 3200 start-ups ligadas à rede de incubação, com uma taxa de sobrevivência de cerca de 67%, que representam cerca de 2,2 mil milhões de facturação, com um crescimento acelerado das exportações e do seu peso relativo no PIB. O número de colaboradores das start-ups aumentou 61% nos últimos três anos, o que representa um número significativo de emprego altamente qualificado.
Demorou 10 anos a criar um ecossistema de start-ups e seria uma pena destruir este activo estratégico com esta crise. No entanto, é bom não mascarar a realidade e perceber que não vai dar para salvar tudo. Vamos ter de fazer escolhas difíceis. É, no entanto, importante não deixar fechar projectos que demoraram muito a desenvolver e não desintegrar o nível de talento e conhecimento de excelência que existe hoje em Portugal.
As crises são terríveis, mas têm sempre um lado de limpeza do sistema. As crises provocam transformações profundas no contexto socioeconómico, que levam a uma alteração dos hábitos de consumo e de investimento e consequente potenciação da inovação. Gera-se uma necessidade de reinventar novos modelos de negócio, de acelerar a transformação da economia e libertar bons recursos para os melhores projectos.
Além de reforçar os melhores, acredito que podemos ter de voltar atrás no tempo e apostar mais no empreendedorismo nas suas fases iniciais. Mas podemos recomeçar doutra forma, alavancados pela experiência acumulada e mais focados numa aposta em sectores mais estratégicos para o país e em modelos mais colaborativos que envolvam as start-ups, as universidades e as empresas de forma mais integrada e profunda.
Mas mais do que uma nova estratégia para o empreendedorismo e start-ups, precisamos de uma transformação profunda da cultura de inovação de todo o nosso tecido empresarial. Precisamos de acelerar a transição da gestão para as novas gerações de empresas familiares e de apostar numa transformação séria da nossa cultura empresarial, mais assente na autonomia, na transformação digital e na inovação, uma cultura assim mais ágil e pragmática. Culturas mais fortes são culturas mais resilientes, como estamos a ver com esta crise
Precisamos também de criar uma nova vaga de inovação colaborativa intra e inter-empresas, criar cadeias de valor mais resilientes e interdependentes capazes de pensar em conjunto em novos produtos globais, novos modelos de negócio e de os fazer crescer dentro ou à margem das grandes empresas. E temos alguns bons exemplos onde nos inspirar, como foi a Brisa, a indústria dos moldes ou a indústria têxtil.
Além do choque de inovação colaborativa é preciso também acelerar o choque da automação e criar um tecido empresarial e industrial altamente automatizado e mais descentralizado. Não podemos chamar o super-homem para salvar o mundo, a única forma é apostar na nossa capacidade de híper-colaboração, reinventar o nosso papel enquanto cidadãos e profissionais e contribuir para a criação duma sociedade mais sustentável e humana.